Porque o povo não é bobo!
Do alto do prédio, escorada em uma parede, a repórter entra ao vivo no intervalo do jogo para atualizar a situação de confronto na manifestação que acontece lá embaixo, na rua já praticamente esvaziada. Seu cameraman tenta aproximar a imagem das pessoas e quase perde o foco.
A cena poderia remeter, à primeira vista, a um possível resguardo dos profissionais de comunicação em relação à violência policial deflagrada nos protestos recentes, que não poupou nem jornalistas. Um olhar mais atento, porém, revela que o temor ali era outro: o de que se tornassem alvos dos manifestantes.
Por que a marca das grandes emissoras de televisão nos microfones, coletes e veículos se converteu, tão rapidamente quanto os levantes, em objeto recorrente de protestos nas manifestações em todo o país?
A evidente “virada” editorial empreendida pela cobertura feita do alto dos helicópteros das redes de televisão ao longo das últimas semanas pode ser uma pista da insatisfação da juventude em relação aos meios de comunicação tradicionais. O que de início fora taxado pelo paladino da democracia ditada pelos barões da mídia, Arnaldo Jabor, de “burrice levada a cabo por revoltosos de classe média que não valem 20 centavos” se tornou, dois dias depois, um “momento histórico lindo e novo”.
Transfigurar as variadas pautas populares – em grande medida emanadas das redes sociais, que se estabelecem como canais de comunicação não mediada cada vez mais presentes na vida política do país – em clamores especificamente relacionados aos seus interesses, impondo bandeiras genéricas e antipartidárias e ditando comportamentos potencialmente reacionários, tem sido a tônica atual da cobertura da mídia oligopolizada brasileira.
É frente a este cenário que movimentos sociais de todo o país vêm promovendo assembleias populares e aulas públicas, nas ruas, para discutir a cobertura das manifestações e a necessidade de fazer avançar políticas públicas que contribuam para reverter o quadro de concentração midiática que obstrui a efetiva liberdade de expressão no Brasil.
Nelas, são discutidos temas como a universalização da banda larga, o Marco Civil da Internet – Projeto de Lei que garante a liberdade de expressão e o direito à privacidade do usuário – e o Projeto de Lei da Mídia Democrática, lançado em maio passado, que pretende ampliar a liberdade de expressão e promover a diversidade e a pluralidade de opiniões nos meios de comunicação. O projeto, de iniciativa popular, traz em 33 artigos propostas para regulamentar o que diz a Constituição em relação às rádios e televisões brasileiras.
A marca de 1 milhão e trezentas mil assinaturas colocará o texto em debate no Congresso Nacional. “Vamos levá-lo para as ruas e recolher as assinaturas necessárias. Se esse projeto não veio de quem tinha de fazer – o governo brasileiro e o Congresso -, virá da mão do povo”, aponta Rosane Bertotti, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), entidade que impulsionou a criação do projeto. Os materiais de divulgação e o kit para coleta de assinaturas podem ser encontrados em www.paraexpressaraliberdade.org.br.
Além dos debates públicos, também estão sendo agendados em todo o país protestos em frente às sedes da TV Globo – símbolo máximo da estrutura midiática concentrada – e de outras empresas representantes da hegemonia dos conglomerados de mídia nos estados.
Por Maria Mello, da Brasil de Fato