Contribuição assistencial: decisão do STF vige e é eficaz

A empresa que, por qualquer meio, tentar persuadir seus empregados a se oporem ao desconto da contribuição assistencial pratica conduta antissindical, passível de severa punição

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

No laureado filme “O homem que matou o facínora”, de 1962, dirigido pelo exuberante John Ford, o editor do jornal local, após saber a verdadeira história do senador Ransom Stoddard — magnificamente interpretado por James Stewart, que era o suposto herói que deu cabo ao facínora Liberty Valance, personagem não menos marcante de Lee Marvin —, encerra-a com a seguinte sentença: “quando a lenda é mais famosa que a realidade, imprima-se a lenda”; e, por óbvio, despreza-se a verdade, faltou dizer.

Como que a parafrasear essa máxima, o capital e seus asseclas, que se espalham em diversas áreas, inclusive nas hostes do judiciário trabalhista, não têm medido esforços para distorcer a recente inflexão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), assentada no processo ARE 1018459, que declara constitucional a cobrança da contribuição assistencial de todos os integrantes da categoria, associados ou não aos sindicatos, autorizada pelo Art. 513, ‘e,’ da CLT, desde 1943.

De forma dolosa, acusam-na de recriar a contribuição sindical obrigatória — que, pejorativamente, chamam de imposto —, prevista nos Arts. 578 e seguintes da CLT, que passou a ser facultativa com a Lei 13.467/2017. Taxam-na de atentado contra a liberdade de associação sindical, assegurada pelo Art. 8º, V, da Constituição Federal (CF), e chegam ao despautério de afirmar que sua cobrança terá forte impacto negativo na economia e na criação de empregos. Coisa de gente desonesta sem repertório algum.

Não obstante os gritos do capital e dos falsários defensores da liberdade sindical, a serviço dele, a referida decisão do STF vige e é eficaz, desde que satisfeitas as condições estabelecidas na tese com repercussão geral, assim exarada:

É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.

Para que se tenha entendimento republicano sobre o alcance e o significado da comentada inflexão jurisprudencial do STF, há de se ler e de se refletir, sem intenções vis, sobre os registros anotados pelo ministro Roberto Barroso, em seu voto-vista, acolhido pelo relator, ministro Gilmar Mendes, e por mais 8 outros, formando o placar de 10 a 1 pela constitucionalidade da contribuição sob evidência.

Ei-los:

“II. As diferentes contribuições de natureza trabalhista

  1. Inicialmente, é importante distinguir três contribuições de natureza trabalhista: a) Contribuição sindical – destinada ao custeio do sistema sindical. Antes da Reforma Trabalhista de 2017, ela possuía natureza tributária e era obrigatória. Após a reforma, só pode ser cobrada desde que prévia e expressamente autorizada (art. 578, CLT). b) Contribuição confederativa – destinada ao custeio do sistema confederativo, ou seja, a cúpula do sistema sindical. Ela não possui natureza tributária e tem fundamento no art. 8º, IV, da CF. O entendimento do STF é no sentido de que essa modalidade de contribuição só é exigível dos trabalhadores filiados (Súmula Vinculante 40). c) Contribuição assistencial – destinada a custear as atividades assistenciais do sindicato, principalmente negociações coletivas. Ela é instituída em instrumento coletivo, com base legal na previsão genérica do art. 513, e, CLT, para cobrir os custos da atividade negocial. Não possui natureza tributária. […]

De forma didática e inteligível a todos quantos não buscam demonizar o financiamento sindical, o ministro Roberto Barroso, em seu voto sob destaque, discorre sobre o entendimento anterior ao recente julgamento, a vertiginosa queda das receitas sindicais, o papel e a importância dos sindicatos, o enriquecimento sem causa de quem quer se beneficiar das conquistas sindicais, sem para elas contribuir e, ainda, sobre a nova jurisprudência.

Sobre o entendimento anterior, registra:

“III. Alteração de premissas fáticas e jurídicas

  1. Após o julgamento, foi aprovada a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467 /2017), que promoveu uma importante alteração na forma de custeio das atividades dos sindicatos. De acordo com a nova redação do art. 578 da CLT, a contribuição sindical só pode ser cobrada ‘desde que prévia e expressamente autorizadas’”.

Sobre a brutal queda das receitas sindicais e suas consequências, anota:

“15. Com a alteração legislativa, os sindicatos perderam a sua principal fonte de custeio. Dados do Ministério do Trabalho apontam queda de cerca de 90% da arrecadação com a contribuição sindical no primeiro ano de vigência da Lei nº 13.467/2017. Caso mantido o entendimento de que a contribuição assistencial também não pode ser cobrada dos trabalhadores não filiados, o financiamento da atividade sindical será prejudicado de maneira severa. Há, portanto, um risco significativo de enfraquecimento do sistema sindical.

Sobre a valorização das atribuições sindicais pelo STF, afirma:

“16. Esse esvaziamento dos sindicatos, por sua vez, vai na contramão de recentes precedentes do STF, que valorizam a negociação coletiva como forma de solucionar litígios trabalhistas. Destaque-se, nessa linha, os julgados relacionados (i) aos planos de demissão voluntária (RE 590.415, sob minha relatoria); (ii) à necessidade de intervenção sindical prévia às dispensas em massa (RE 999.435, Red. p/ acórdão Min. Edson Fachin); e (iii) ao entendimento no sentido de que as negociações coletivas podem afastar direitos previstos em lei, desde que observado o patamar civilizatório mínimo em matéria trabalhista (ARE 1.121.633, Rel. Min. Gilmar Mendes)”.

Sobre o papel e a relevância dos sindicatos, assevera:

“17. Além disso, há algumas razões relevantes que justificam um distinguishing entre o presente caso e os precedentes relativos à contribuição confederativa. De acordo com o art. 8º, III, da CF, o sindicato representa, necessariamente, toda a categoria profissional. Por isso, quando ele realiza uma negociação coletiva, os benefícios obtidos se estendem a todos os empregados integrantes da correspondente base sindical, sejam eles filiados ao sindicato ou não”.

Sobre o trabalhador-carona, que quer ganhar sem pagar, e sobre as consequências dessa tolerância, diz:

“18. Com o entendimento de que não se pode cobrar a contribuição assistencial dos trabalhadores não sindicalizados cria-se, então, a figura do “carona”: aquele que obtém a vantagem, mas não paga por ela. Nesse modelo, não há incentivos para o trabalhador se filiar ao sindicato. Não há razão para que ele, voluntariamente, pague por algo que não é obrigatório, ainda que obtenha vantagens do sistema. Todo o custeio fica a cargo de quem é filiado. Trata-se de uma desequiparação injusta entre empregados da mesma categoria. 19. Some-se a isso o fato de que a contribuição assistencial se destina  a custear justamente a atividade negocial do sindicato. Há uma contraprestação específica relacionada à sua cobrança. Por esse motivo, é denominada, também, de contribuição de fortalecimento sindical ou cota de solidariedade. Nesse cenário, a contribuição assistencial é um mecanismo essencial para o financiamento da atuação do sindicato em negociações coletivas. Permitir que o empregado aproveite o resultado da negociação, mas não pague por ela, gera uma espécie de enriquecimento ilícito de sua parte”.

Sobre como equacionar essa anomalia, propõe:

“IV. Solução alternativa: o direito de oposição

  1. A fim de evitar os efeitos práticos indesejados resultantes do enfraquecimento da atuação sindical e, ao mesmo tempo, preservar a liberdade de associação do trabalhador, é possível garantir o direito de oposição como solução alternativa. 21. Trata-se de assegurar ao empregado o direito de se opor ao pagamento da contribuição assistencial. Convoca-se a assembleia com garantia de ampla informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permite-se que o trabalhador se oponha àquele pagamento. Ele continuará se beneficiando do resultado da negociação, mas, nesse caso, a lógica é invertida: em regra admite-se a cobrança e, caso o trabalhador se oponha, ela deixa de ser cobrado. 22. Essa solução é prestigiada pelo Comitê de Liberdade Sindical da OIT, que, ao interpretar as Convenções 87 e 98, admite a possibilidade de desconto de contribuições dos trabalhadores não associados abrangidos por negociação coletiva, cuja imposição deve decorrer do instrumento coletivo e não da lei”.

Tese proposta e acolhida por 9 outros ministros:

“V. Conclusão

  1. Diante do exposto, voto no sentido de acolher os embargos de declaração com efeitos infringentes para fixar a seguinte tese de julgamento: “É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.

O cotejo dos fundamentos que dão sustentação ao voto do ministro Roberto Barroso, —acolhido por 9 outros ministros, com a decisão do STF —  com o Art. 8º, IV, da CF e com o 513, ‘e’, da CLT, a não ser por interesses escusos, necessariamente conduz o analista às seguintes conclusões:

I          a contribuição assistencial de que trata o Art. 513, ‘e’ — com redação restaurada em 1946 —, que não se confunde com a contribuição sindical, é constitucional, podendo ser cobrada de filiados e não filiados, mediante autorização expressa da assembleia geral extraordinária que aprovar a convenção ou o acordo coletivo;

II         se a contribuição sindical, em sentido estrito, prevista nos Arts. 578 e seguintes da CLT, depende de autorização individual e expressa, a confederativa e a assistencial, essa recém-constitucionalizada, não se sujeitam a essa formalidade; a autorização para a cobrança dessas duas contribuições é coletiva, ou seja, provém de decisão de assembleia geral.

Frise-se que a contribuição confederativa, restrita aos associados, pela Súmula Vinculante 40, do STF, por força do Art. 8º, IV, da CF, jamais se condicionou à autorização individual; sempre esteve vinculada à autorização coletiva (assembleia).

A contribuição assistencial, até a mudança de entendimento do STF, condicionava-se à autorização individual, prévia e expressa; a partir dele, inverteu-se a ordem, ou seja, a suspensão do seu desconto é que se condiciona à declaração de oposição individual, prévia e expressa.

E, como judiciosamente anota o ministro Roberto Barroso, a declaração de oposição só tem lugar na assembleia geral que autorizar sua cobrança e aprovar a convenção ou acordo coletivo.

O trabalhador que quiser ser carona, que nada mais é do que se enriquecer sem causa, isto é, beneficiar-se das conquistas coletivas sem para elas contribuir, terá de se apresentar à assembleia e dizer aos demais que dela participam que é individualista, só quer para si, não respeita a coletividade e não cultiva o sentimento de classe social.

Não há respaldo jurídico para apresentação de oposição à empresa e/ou por meio dela, como se deu sistematicamente nos últimos anos. A empresa que, por qualquer meio, tentar persuadir seus empregados a se oporem ao desconto da contribuição assistencial e/ou deles exigirem tal conduta, como tem sido a regra, pratica conduta antissindical, passível de severa punição.

Há de se salientar que, antes da mudança de entendimento do STF, as empresas comandavam o espetáculo de oposição ao desconto da contribuição sob enfoque ao argumento de que nada mais faziam do que cumprir as reiteradas decisões do STF. Pois bem! Agora, o entendimento do STF é diametralmente oposto ao anterior. Por isso, o mínimo que se pode esperar delas, sob pena de improbidade e má-fé, é que o respeitem; e respeitá-lo significa promover seu desconto, sem delonga, pretexto e/ou empecilho.

Ao debate e à ação!

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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