A cada 17 horas, uma mulher é morta no Brasil por violência de gênero
Relatório aponta 531 feminicídios e aumento de 12,4% na violência contra mulheres, com falhas na proteção e crescimento alarmante em vários estados

Por Bárbara Luz
O novo boletim Elas Vivem: um caminho de luta, divulgado nesta quinta-feira (13) pela Rede de Observatórios da Segurança, expõe um cenário alarmante da violência de gênero no Brasil. De acordo com o levantamento, 531 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2024, o que significa que, ao menos, uma mulher foi morta a cada 17 horas no país.
O documento aponta um aumento de 12,4% nos eventos de violência contra mulheres em relação a 2023, totalizando 4.181 ocorrências nos estados monitorados. Entre os crimes analisados, a violência sexual e o estupro tiveram um crescimento alarmante de 70,5%, enquanto os homicídios aumentaram 22,1%. “Os números crescem, os métodos de violência são aperfeiçoados, mas os meios de mitigá-los permanecem falhos, ineficientes ou tardios para salvar vidas”, alerta trecho do relatório.
Outro dado preocupante é a relação dos agressores com as vítimas: 75,3% dos feminicídios foram cometidos por familiares, sendo que parceiros e ex-parceiros foram responsáveis por 70% dos casos.
Estados com mais casos
Os estados do Maranhão e do Pará registraram os aumentos mais expressivos. No Maranhão, a violência contra mulheres cresceu 87,1%, enquanto no Pará o crescimento foi de 73,2%. O Piauí também apresentou um aumento preocupante de 17,8% nos eventos violentos. No Amazonas, estado que passou a integrar a Rede de Observatórios da Segurança em 2024, 84,2% das vítimas de violência sexual tinham entre 0 e 17 anos, revelando um quadro de vulnerabilidade extrema para meninas e adolescentes.
São Paulo foi o único estado monitorado com mais de mil eventos violentos contra mulheres, registrando 1.177 casos. Desses, 144 foram feminicídios, sendo que 125 foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros.
No Nordeste, Pernambuco registrou o maior número de mortes de mulheres entre feminicídios, homicídios e transfeminicídios, totalizando 167 vítimas. O estado também foi o segundo no país com mais feminicídios, registrando 69 casos.
A Bahia, por outro lado, apresentou uma redução de 30,1% nos eventos de violência em relação a 2023. No entanto, os feminicídios ainda somaram 46 casos, sendo que em 34 deles não houve registro da raça/cor das vítimas, o que evidencia a falta de transparência nos dados.
Violência institucional e falta de transparência preocupam
O relatório também chama atenção para a violência cometida por agentes de segurança. O Rio de Janeiro é o estado com o maior número de casos nesse tipo de crime, com 13 das 64 ocorrências registradas sendo atribuídas a policiais. A impunidade e a dificuldade de investigação quando os agressores fazem parte das instituições de segurança pública são apontadas como entraves para a redução desse tipo de violência.
Outro problema identificado pelo levantamento é a subnotificação e a falta de informações essenciais para a compreensão do fenômeno. No Piauí, por exemplo, 52,7% dos casos de feminicídio não tiveram motivação registrada. Já no Amazonas, 97,5% das vítimas de violência não tiveram identificação de raça/cor nos boletins de ocorrência, dificultando a elaboração de políticas públicas voltadas para os grupos mais vulneráveis.
O estudo critica, inclusive, a falta de políticas públicas eficazes no combate à violência contra mulheres. Em alguns estados, até 97,5% das vítimas não tiveram sua identidade racial identificada nos registros oficiais, o que demonstra uma negligência na coleta de dados e dificulta a criação de políticas voltadas às populações mais vulnerabilizadas, como mulheres negras e indígenas.
“A estrada é longa, sinuosa e perigosa. Mas ainda assim, existe. O que não podemos permitir é que ela continue sendo um caminho de mortes, impunidade e sofrimento para tantas mulheres”, afirma o documento.
A luta continua
Para os pesquisadores, é urgente ampliar o acesso a mecanismos de proteção, como Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) e centros de acolhimento, bem como investir na educação e na prevenção da violência de gênero. A falta de infraestrutura e recursos nas delegacias e a lentidão da justiça também foram apontadas como entraves para a segurança das mulheres brasileiras.
A Rede de Observatórios da Segurança enfatiza que a violência contra a mulher é um problema estrutural e precisa ser enfrentado com medidas eficazes e constantes. Apesar da existência de leis importantes, como a Lei Maria da Penha e a tipificação do feminicídio como crime, a fragilidade na implementação dessas políticas tem permitido que a violência continue crescendo.
O relatório Elas Vivem reforça a importância de mobilizações sociais e do fortalecimento das redes de apoio às mulheres. Enquanto os números crescem, o caminho para uma sociedade mais segura e igualitária continua sendo pavimentado pela resistência feminista e pela luta por políticas mais efetivas de combate à violência de gênero.