Trabalho decente precisa ter peso equivalente ao de indicadores econômicos

A seis meses da Conferência Nacional sobre o Trabalho Decente, o processo está a pleno vapor, avalia o assessor especial para Assuntos Internacionais do Ministério do Trabalho e Emprego, Mario Barbosa, coordenador-geral do evento. “Tivemos uma resposta dos estados que superou as nossas expectativas. A totalidade aderiu e vai realizar conferência até o fim de novembro”, conta.

O temário se baseia no Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente, firmado em 2010 e baseado em memorando da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que fixa princípios como erradicação do trabalho infantil e do trabalho escravo, criação de mais e melhores empregos e fortalecimento do sistema tripartite (governo, empregadores e trabalhadores). Para a conferência nacional, que reunirá 1.200 delegados e 300 observadores em maio de 2012, em Brasília, esses princípios foram agrupados em quatro eixos: princípios e direitos; proteção social; trabalho e emprego; e fortalecimento tripartite.

Barbosa afirma que o trabalho decente é um conceito que precisa ser considerado por todos os países no momento de se elaborar políticas de governo. “A questão é garantir como esse tema tenha presença nos fóruns internacionais e tenha tratamento equivalente ao que é dado aos indicadores econômicos”, afirma.

As conferências setoriais são realizadas no país desde 1941, com a primeira edição realizada para discutir diretrizes políticas de saúde. Mas foi a partir de 2003 que se intensificou o ritmo de realização desse tipo de evento, com a inclusão de temas variados – de diversidade sexual à comunicação, passando por direitos humanos e meio ambiente, por exemplo.

O objetivo das conferências é definir diretrizes para políticas públicas e consiste em um dos principais instrumentos para movimentos sociais e organizações não governamentais interferirem, junto ao Estado, na condução desses setores. No caso da conferência sobre trabalho decente, questões como combate ao trabalho análogo à escravidão e a garantia de direitos devem ganhar destaque.

Confira os principais trechos:

É de se esperar que os movimentos sociais participem mais ativamente das conferências estaduais. O senhor observa o mesmo interesse por parte dos representantes empresarais?
Sim, inclusive o processo foi construído junto. O Ministério do Trabalho já coordena um processo tripartite para construção da agenda. Tudo foi feito inteiramente em conjunto, incluindo as centrais e as confederações de empregadores. A própria proposta de conferência também. As conferências realizadas até agora mostra que a bancada dos empregadores está participando ativamente.
As secretarias (estaduais) têm protagonismo para conversar com bancadas de empresários e trabalhadores. Com isso, a gente constata que a realidade do Brasil não é a de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais. Isso é um desafio para o próprio processo de conferência. Essa aproximação é muito benéfica para todas as partes, para discutir temas de interesse comum. Esse processo está levando a um melhor conhecimento da realidade nacional. O governo está se relacionando mais com as secretarias de emprego, está mostrando as forças e debilidade de todo o mundo. Mesmo para quem tem experiência anterior, essa conferência é uma grande novidade, tanto do ponto de vista da capacidade do Estado de planejamento e implementação de políticas públicas como para um maior conhecimento de sua própria realidade.

Na semana passada, o escritório da OIT no Brasil divulgou um relatório sobre o trabalho escravo, problema que, apesar dos avanços, ainda é uma mazela nacional.
É um problema que o Brasil reconhece há muito tempo e tem políticas ativas, com avanços reconhecidos nos fóruns internacionais. Ao lado de outros problemas, como trabalho infantil, miséria extrema, informalidade. As ações do Estado também têm a oportunidade de ser avaliadas (nas conferências). Eu costumo dizer que não se trata apenas uma tarefa de governo, tem de ser vista como um desafio compartilhado. A conferência vai permitir que o plano possa ser aperfeiçoado. Os próprios estados terão oportunidade de aproveitar o resultado das conferências para organizar agendas, planos, para dar mais capacidade de continuar enfrentando esses problemas. Do ponto de vista imediato, o processo de sensibilização para o problema é um ganho. Tem um seguimento pós-conferência sobre aplicação prática das propostas aprovadas, para que na segunda conferência (prevista para 2016) já possamos ter aprendido muito. Se os próprios autores do mundo do trabalho não estão suficientemente organizados e mobilizados sobre esse tema, a sociedade terá tais dificuldade de entender e atuar nos canais de mobilização. O ex-presidente Lula dizia que o salário mínimo só teria uma política de valorização efetiva quando deixasse de ser um problema de quem ganha salário mínimo e fosse abraçado pela sociedade. É preciso que o carro-chefe do mundo do trabalho esteja mobilizado para que essas pessoas possam se tornar efetivamente atores. Isso também coincide com o lançamento do Plano Brasil sem Miséria. Os planos dialogam. E não deve ser apenas uma agenda de governo, mas de Estado.

A conferência pode agilizar a votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 438, sobre o trabalho escravo?
Creio que sim. O processo da conferência está permitindo um diálogo que não havia antes. A questão da PEC está surgindo em várias conferências estaduais e isso vai permitir que o Brasil possa avançar. A gente não pode olhar unicamente para os resultados imediatos.

O mundo assiste a uma série de manifestações, com ocupações em várias regiões, questionando o atual modelo político-econômico…
Existe hoje uma série de iniciativas e agendas em curso, precipitadas pela crise econômica de 2008. Há uma clara percepção de que foi criado no sistema financeiro e atingiu a economia real, empresas, pessoas, famílias. É preciso buscar uma coerência de políticas, e isso passa por maior regulação do sistema financeiro. Hoje, o trabalho decente não está só na OIT, mas na agenda das Nações Unidas. O G20 (grupo dos países mais desenvolvidos) incluiu a OIT na qualidade de observador. A questão é garantir como o tema tenha presença nos fóruns internacionais e tenha tratamento equivalente ao que é dado aos indicadores econômicos. A persistência da crise nos países desenvolvidos mantém essa agenda muito presente. Essas ações significam uma percepção maior da sociedade sobre a importância de regulamentar o sistema financeiro, que deve estar a serviço da produção e do emprego. Temos muitas lições a serem aprendidas. Não só a OIT (deve ser ouvida), mas também a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne apenas países desenvolvidos). O que se propõe é um exercício de coerência, uma consulta cruzada.

O movimento sindical deve considerar essa realidade?
Cada setor tem sua agenda, mas é inegável que há uma convergência e todos esses esforços devem somar em determinada direção. Essas ações não estão desvinculadas. A ideia é de construção de um modelo em que haja trabalho e oportunidades para todos. Acontecimentos como esses, de crise, podem trazer oportunidades.

Com a conferência do trabalho decente, o debate sobre a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais volta à tona?
A jornada de trabalho é um dos itens da conferência e não resta dúvida que, com todo o avanço tecnológico que o mundo conseguiu realizar, a jornada de trabalho não chegou a seu patamar limite. Creio que oportunamente esse processo seguirá se aprofundando. No Brasil, por exemplo, em 1985, 1986, 1987, houve muitas ações e greves reivindicando a redução da jornada de trabalho, que se alcançou na Constituição de 1988 (de 48 para 44 horas semanais). Trata-se de uma luta permanente, e certamente o Brasil conseguirá avançar nesse processo.

Fonte: Rede Brasil Atual

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