Limitações legais da carteira verde-amarela para O Caminho da Prosperidade

O presidente Jair Bolsonaro, de acordo com sua proposta de plano de governo, deverá dar andamento ao modelo de contratação de trabalhadores por meio do que chamou de “carteira de trabalho verde-amarela”.

Trata-se de uma expressão cuja sinalização foi adotada em contraposição à tradicional Carteira de Trabalho e Previdência Social de capa azul, criada em 1969 (Decreto 926) para substituir a Carteira Profissional de 1932, que se apresentava com capa marrom. No dia 21 de novembro de 2017, foi lançada a Carteira de Trabalho digital, desenvolvida pela Dataprev e que está disponível para os cidadãos através de um aplicativo para celular, nas versões iOS e Android. A CTPS é um documento obrigatório que traz qualificações do trabalhador bem como da sua vida profissional, além de anotações sobre a relação mantida com o INSS, tais como afastamentos e dependentes.

Como se vê, não se poderia pensar em nova carteira de trabalho, mas em algum modelo jurídico de trabalho que possa efetivamente criar opções seguras para gerar oportunidades de trabalho que, observando as garantias do artigo 7º da Constituição Federal e os parâmetros da Lei 13.467/17, em que o contrato individual teria prevalência sobre as normas de proteção da CLT, que serviu ao regime militar e aos regimes democráticos posteriores e agora é chamada de fascista.

Quais seriam, portanto, com base no plano de governo as mudanças sistemáticas possíveis que existem entre o regime CTPS e o modelo da metafórica carteira verde-amarela?

Diz o plano que, verbis:

“Criaremos uma nova carteira de trabalho verde e amarela, voluntária, para novos trabalhadores. Assim, todo jovem que ingresse no marcado de trabalho poderá escolher entre um vínculo empregatício baseado na carteira de trabalho tradicional (azul) — mantendo o ordenamento jurídico atual —, ou uma carteira de trabalho verde e amarela (onde o contrato individual prevalece sobre a CLT, mantendo todos os direitos constitucionais).

Além disso, propomos a permissão legal para a escolha entre sindicatos, viabilizando uma saudável competição que, em última instância, beneficia o trabalhador.

O sindicato precisa convencer o trabalhador a voluntariamente se filiar, através de bons serviços prestados à categoria. Somos contra o retorno do imposto sindical”[1].

Assinalam-se os seguintes aspectos da proposta: (i) trata-se de opção voluntária; (ii) destinada a jovens trabalhadores; (iii) manifestação expressa da vontade que prevaleça sobre os direitos da CLT, mantidas as garantias constitucionais; (iv) questão sindical.

A análise deve remeter sempre à Constituição Federal, como pano de fundo, em cujo arcabouço de garantias não se propõe alteração e está preservado no seu aspecto principal e temático. Assim, o FGTS está garantido, mas é a lei ordinária que estabelece o percentual de recolhimento. No mesmo sentido o 13º salário, o descanso semanal remunerado, por exemplo.

A proposta sugere a possibilidade de que o trabalhador possa escolher regime de contrato de trabalho diverso do “tradicional”, com regras contratuais privadas e individuais, em que afora a Constituição Federal, como fundamento de garantia de proteção básica, se sustentaria nas regras do Código Civil.

Como então compatibilizar garantias constitucionais com prevalência do negociado de forma individual? De que modo a hipossuficiência do trabalhador poderia ser superada, em especial em situação de desemprego assustador?

Parece oportuno lembrar que no passado (1967) tivemos a introdução do regime de opção ao FGTS em contraposição ao regime da estabilidade da CLT que assegurava indenização anual equivalente à remuneração do empregado e a estabilidade após dez anos de trabalho ao mesmo empregador. De lá para os dias atuais, prevaleceu o regime do FGTS e a estabilidade desapareceu na Constituição Federal, em 1988.

É inquestionável a mudança de paradigma na forma de tratar a hipossuficiência, construída em torno de Estado tradicionalmente protecionista e um modelo sindical corporativo e fragilizado. No mesmo sentido, o histórico volume de ações trabalhistas em que se busca a reparação de direitos básicos, poderia colocar em dúvida a sobrevivência com eficácia e efetividade de modelo fundado na manifestação individual do trabalhador.

A hipossuficiência não pode ser ignorada. Ela adere às relações de trabalho, independentemente do nível de especificidade ou remuneração do contratante.

A outra característica da carta-proposta refere-se ao campo de aplicação da nova modalidade de contratação: a adesão está destinada apenas aos jovens que ingressem no mercado de trabalho. Este aspecto da reserva de aplicação da “nova carteira” seria, para alguns, inconstitucional porque suporia a criação de classes de trabalhadores, hipótese vedada pela Constituição Federal.

Neste caso, poderia ser contraposto ao argumento o reconhecimento de trabalhadores com especiais condições de trabalho, como avulsos, microempreendedor individual e cooperados, entre outros.

No campo das relações coletivas de trabalho, a carta-proposta ignora o artigo 8º da Constituição Federal porque refere à “permissão legal para a escolha entre sindicatos, viabilizando uma saudável competição que, em última instância, beneficia o trabalhador”. A proposta afronta a garantia constitucional da não intervenção do Estado e a unicidade sindical. É porque sugere a permissão legal para a escolha entre sindicatos e, neste caso, apenas por emenda constitucional poderia ser admitida com segurança jurídica. A competição entre sindicatos e a filiação de trabalhadores teria que romper a organização em categorias profissionais.

Enfim, à guisa de reflexões, considera-se que: (i) a “carteira verde-amarela” se apresentaria como opção de regime de contrato de trabalho, semelhante ao do FGTS na sua origem; (ii) nas relações individuais, os direitos e garantias constitucionais estão preservados; (iii) nas relações coletivas bastaria a ratificação da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho; (iv) qualquer que seja o encaminhamento da proposta, não se pode excluir a participação dos sindicatos representativos dos trabalhadores e aprofundado debate na sociedade.

[1] O Caminho da Prosperidade. Proposta de Plano de Governo: constitucional, eficiente, fraterno. P. 64 de 81.

Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.

Revista Consultor Jurídico

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