Bolsonaro baixa decreto tornando sindicato caso de polícia
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
O escritor norte-americano Samuel Langhorne Clemens (1835-1910, conhecido pelo pseudônimo de Mark Twain), com a sua nada refinada ironia, afirmava que existe um modo certeiro de se saber se um homem é honesto, basta perguntá-lo se o é; o que responder que sim, não restará dúvidas: é desonesto.
Essa pouco lisonjeira máxima parece ajustar-se sob medida ao Governo Bolsonaro, pelo que se extrai dos atos praticados nos seus primeiros dias, sequer compatíveis com a sua proposta de plano de governo, intitulada ‘O CAMINHO DA PROSPERIDADE Proposta de Plano de Governo CONSTITUCIONAL EFICIENTE FRATERNO”
Nela, acha-se expresso, com todas as letras: “Mesmo imperfeita, Nossa Constituição foi feita por representantes eleitos pelo povo. Ela é a LEI MÁXIMA E SOBERANA DA NAÇÃO BRASILEIRA. Lamentavelmente, Nossa Constituição foi rasgada nos últimos anos, inclusive por muitos que deveriam defendê-la.”.
No quadro, ‘O BRASIL É MAIOR QUE NOSSOS PROBLEMAS”, brande, de novo, o mesmo refrão: “Importante mencionar novamente: As leis e, em destaque, Nossa Constituição, serão nossos instrumentos”.
Pois bem! Essa pomposa “promessa” não subsistiu ao primeiro dia de governo, 1º de janeiro de 2019; já nesse dia, Bolsonaro baixou o Decreto N. 9661, subtraindo R$ 8,00 (oito reais) do salário, atentando contra o Art. 7º, inciso IV, da CF-IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;-, bem assim a Medida Provisória (MP) N. 870, que, dentre outras medidas, extinguiu o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), criado em 26 de novembro de 1930, pelo Decreto N. 19433, como Ministério do Trabalho, da Indústria e do Comércio – sendo mais antigos do que ele apenas o da Fazenda, 1808; o da Justiça, 1822; e a Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, de 1860 –, fazendo tábula rasa do quarto fundamento da República Federativa do Brasil (Art. 1º, inciso IV, da CF), e do primeiro da ordem econômica (Art. 170,caput da CF), consubstanciados, respectivamente, nos valores sociais do trabalho e na valorização do trabalho humano.
Ainda no dia 1º de janeiro de 2019, baixou o Decreto N. 9662, com a seguinte Ementa: “Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Justiça e Segurança Pública, remaneja cargos em comissão e funções de confiança e transforma cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS”.
Engana-se quem pensa – se é que alguém comete esse engano – que se trata de mero decreto de rotina: o seu Anexo I, que trata da “ESTRUTURA REGIMENTAL DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA”, Art. 16, IX e X, ancorado na citada MP N.870, detona o primeiro ataque direto à livre organização sindical, assegurada pelo Art. 8º, da CF.
A MP N. 870 estabelece: “Art. 37. Constitui área de competência do Ministério da Justiça e Segurança Pública:
“[…]
VI – registro sindical;..”
O realçado Art., do Decreto N. 9662, regulamentando o 37, da MP N. 870, dispõe: “Art. 16. Ao Departamento de Promoção de Políticas de Justiça compete”:
“[…]
IX – registrar as entidades sindicais de acordo com as normas vigentes; e
X – manter e gerenciar o cadastro das centrais sindicais e aferir a sua representatividade”.
O Art. 518, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com redação de 1º de maio de 1943, quando ela foi aprovada, pelo Decreto-lei N. 5452, atribui ao Ministério do Trabalho – Ministério do Trabalho e Emprego, desde de 1999 – competência para promover o registro sindical, que é exigido desde a CF de 1937, Art. 138.
A CF de 1988 assegura, no seu Art. 8º, a livre organização sindical, exigindo-lhe tão somente a observância à unicidade sindical, que tem como base territorial mínima o município, e o registro no órgão competente.
O STF, por meio da Súmula N. 677, atribuiu ao MTE a responsabilidade pelo registro sindical retromencionado; esta Súmula dispõe: “Até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade”.
Tomando-se como parâmetros o histórico do registro sindical, sob a responsabilidade do Ministério do Trabalho desde que se tornou exigível – há mais de 80 anos –, referendado pela Súmula N. 677, do STF, impõem-se algumas indagações, sem respostas na MP e na sua exposição de motivos, bem como no comentado Decreto; quais sejam:
Quais são os motivos – se é que exista algum razoável – para se transferir essa competência do MTE para o Ministério da Justiça e Segurança Pública? Por que retirá-la da Secretaria de Relações do Trabalho do MTE, com larga experiência e com estrutura adequada, para a dar ao Departamento de Promoção de Políticas de Justiça? Quais são as relevâncias políticas e sociais dessas mudanças?
Na falta de qualquer motivação com o mínimo relevância política e social e de juridicidade, torna-se forçoso concluir que tais mudanças visam a restabelecer o controle do nascimento, da vida e da morte das organizações sindicais, vigente até o advento da CF de 1988, que, não só o suprimiu, bem como o vedou, de uma vez por todas.
Ao que parece, o governo Bolsonaro – já com cheiro de mofo e de colossais retrocessos – dispensará às organizações sindicais o tratamento propugnado e executado por Washington Luiz – último presidente da República Velha –, para quem a causa social era questão de polícia; pelo andar da carruagem, para Bolsonaro será, no mínimo, de segurança pública, o que, ao fim e ao cabo, dará no mesmo.
Eis, pois, mais um tormento para as organizações sindicais, que exigirá delas vigilância e resistência sem trégua.
*Por José Geraldo de Santana Oliveira, consultor jurídico da Contee