Indígenas no Paraná são impedidos de realizar manifestação em vias públicas no oeste do estado
Esta é mais uma iniciativa de repressão que os Guarani vêm enfrentando no Paraná. Trata-se de uma ação de interdito proibitório movida pela Advocacia-Geral da União (AGU) que transforma lideranças Guarani de doze aldeias de Guaíra e Terra Roxa, oeste do Paraná, em réus, deferida pelo juiz da 1º Vara Federal de Guaíra, Gustavo Chies Cignachi.
A decisão autoriza o Poder Público a impedir manifestações dos Guarani nas rodovias as rodovias BR-163, BR-272 e BR-487. A iniciativa da AGU e a decisão judicial ocorreram em virtude de protestos indígenas na Ponte Ayrton Senna, divisa entre o Paraná e o Mato Grosso do Sul, contra a municipalização da saúde indígena, parte de atos que ocorreram em todo o país entre os dias 25 e 29 de março.
Caso os Avá-Guarani realizem novas manifestação, e a decisão judicial seja descumprida, a multa fixada contra os indígenas é de R$ 5.000,00 reais por hora, a ser cobrada de cada indígena que estiver se manifestando. O interdito prevê a desocupação imediata por meio da ordem judicial antecipada já inclusa na decisão da 1º Vara Federal, com possibilidade de prisão em flagrante e qualificação por crime de desobediência.
O mais grave: comunica ao Conselho Tutelar de Guaíra que acompanhe o protesto e, desde logo, “recolha as crianças e menores indígenas”, que estejam compondo a manifestação, sob o argumento de serem “usadas” pelos Guarani de forma ilegal, em completo desconhecimento sobre a cultura dos indígenas e claro desrespeito ao art. 231 da Constituição Federal.
Para aproveitar o momento, o interdito determina que se adote todas as medidas necessárias e suficientes para garantir o “resguardo da ordem” em toda a região que está sob a responsabilidade da 6ª Delegacia da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em especial na Ponte Ayrton Senna e imediações.
A comunidade Guarani recebeu a decisão com estarrecimento, porém asseguram os indígenas que não irão ficar de braços cruzados deixando seus direitos tradicionais serem violados e que, se necessário, irão novamente se manifestar. Os Guarani já tomaram iniciativas legais quanto ao interdito proibitório.
“O que nós fizemos foi uma certidão junto com o Ministério Público Federal exigindo o direito de se manifestar e pedindo que haja a impugnação quanto a essa ação movida pela União e que o juiz acatou”, explica o cacique Ilson Soares Karai, da aldeia Y’Hovy.
Outras medidas também estão sendo adotadas pelos Avá-Guarani. Denúncias foram encaminhadas à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF e à Fundação Nacional do Índio (Funai) com o objetivo derrubar a decisão. “Se necessário for, vamos manifestar de novo”, afirma o cacique Avá-Guarani. Razões aos Guarani não faltam.
“Essa situação muito nos preocupa, ainda mais agora que saiu a decisão do julgamento da Tekoha Guasu Guavirá que por unanimidade o TRF-4 manteve a suspensão do processo de demarcação, estamos sem saída porque o processo da terra tá suspenso por um prazo ainda indeterminado e caso haja demora nessa decisão, vai paralisar de vez o processo e nós estamos com o direito de se manifestar negado, isso é difícil”, denuncia o cacique.
Conforme o advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rafael Modesto dos Santos, “nossa Carta Política de 1988, no seu art. 5º, XVI, garante a todos os brasileiros o direito de livre manifestação das ideias e liberdade de reunião, sendo vedado o anonimato”.
Para os indígenas isso tem importância singular, “pois além de garantir aos povos tradicionais o que sempre lhes foi vedado, que é a garantia de liberdade de manifestação sobre seus direitos tradicionais e em especial à terra, é a garantia de tirá-los do anonimato sombrio, onde por muito tempo foram subjugados pelo regime tutelar orfanológico”, explica o advogado.
A origem da decisão
O caso que gerou a ação de Interdito Proibitório envolve um protesto iniciado na manhã do dia 25 de março. Por volta de 200 indígenas bloquearam a Ponte Ayrton Senna, que liga Guaíra e Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul, contra a municipalização dos serviços de saúde indígena e o desmonte da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
A Ponte Ayrton Senna, no entanto, é utilizada pelos movimentos sociais e populares como local de manifestação, tendo em vista a extrema importância da rodovia para o trânsito interestadual e internacional de mercadorias e pessoas. “O local é estratégico, pois é um dos acessos do Paraná ao Paraguai. Nossa causa tem mais visibilidade quando o protesto ocorre na ponte”, explica o cacique Ilson Soares Karai, da aldeia Y’Hovy.