Meta-análises provam importância do isolamento e inutilidade da cloroquina
Temas científicos relevantes são estudados por muitos pesquisadores, às vezes ao mesmo tempo. Quando os resultados dos estudos não são idênticos (raramente são), como é possível saber quais estão corretos? A reposta pode vir das meta-análises, que são análises de análises. Meta-análises são ferramentas estatísticas fundamentais para entender problemas complexos. Uma meta-análise consiste em combinar resultados de vários estudos num só. Isso é feito de maneira criteriosa, de forma que estudos bem feitos e de alta qualidade têm peso alto no resultado final. Estudos não tão bem feitos têm peso menor e os muito mal feitos são excluídos. Combinando as diferentes pesquisas é possível chegar ao melhor entendimento dentro dos limites do conhecimento, o chamado estado da arte. Devido a sua alta confiabilidade, boas meta-análises são a base para decisões baseadas em ciência em assuntos polêmicos, inclusive temas médicos.
Duas meta-análises publicadas recentemente deveriam ser fundamentais para a elaboração de políticas públicas relativas ao COVID-19. Cochrane (pronuncia-se cocrein) é um ambicioso projeto internacional que tem o singelo objetivo de reunir todo o conhecimento médico de qualidade do mundo. Sua missão é fornecer de forma ágil informações acessíveis e confiáveis para apoiar decisões. O prestígio da Cochrane decorre do alto rigor com que suas meta-análises são feitas e, consequentemente, sua confiabilidade. Vários políticos estão argumentando que o isolamento físico para conter a Covid-19 não tem base científica, que não só não resolve o problema como aumenta o contágio. Felizmente essa questão foi respondida em um dos primeiros artigos de revisão sistemática relacionados ao Covid-19 da Cochrane intitulado Quarentena isolada ou em combinação com outras medidas de saúde pública para controlar a COVID‐19: uma revisão rápida (https://brazil.
Nessa meta-análise são considerados 29 estudos, entre artigos de modelagem e estudos observacionais. Os modelos permitem comparar o desenvolvimento da doença com e sem isolamento físico. Os estudos observacionais são importantes para verificar os resultados dos modelos. A meta-análise indica consistentemente que o isolamento físico é importante para reduzir a incidência e a mortalidade durante a pandemia da Covid‐19. A implementação precoce do isolamento físico e sua combinação com outras medidas de saúde pública são muito importantes para garantir sua efetividade. As autoridades devem monitorar constantemente a situação do surto e o impacto das medidas implementadas. A realização de exames em amostras representativas de pessoas em diferentes locais poderia ajudar a avaliar a verdadeira dimensão da infecção, e assim reduzir a incerteza das hipóteses de modelagem. O a meta-análise aponta ainda que existe evidência fraca de que quanto mais cedo as medidas de isolamento físico forem implementadas, menor será o impacto sobre a economia do país. Conclusão geral: Todas as evidências científicas indicam que isolamento físico é efetivo contra a propagação da epidemia.
Uma outra meta-análise, sobre o uso de hidroxicloroquina (HCQ) contra o Covid-19, foi publicada no volume de julho/agosto do periódico Diabetes & Metabolic Syndrome: Clinical Research and Reviews. A meta-análise Hydroxychloroquin
Meta-análises traduzem o estado da arte, o melhor conhecimento científico disponível. As duas meta-análises sobre Covid-19 têm conclusões inequívocas: isolamento físico reduz a propagação da epidemia. Hidroxicloroquina não tem nenhum efeito positivo sobre Covid-19 e ainda aumenta a mortalidade dos pacientes. Infelizmente essas duas conclusões são exatamente o contrário do que afirma o governo brasileiro, que, deliberadamente, ignora os fatos científicos quando toma suas decisões. Se não recuperarmos rapidamente o contato com a realidade através da ciência e nela basearmos nossas decisões, continuaremos enterrando milhares de brasileiros a cada dia.
Leandro R. Tessler é doutor em Física pela Universidade de Telaviv e é professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mantém o blog Cultura Científica.