A Constituição de 1988, seus avanços e contradições

Luiz Antonio Barbagli*

Participamos no projeto da nova Constituição a partir de 1986, pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Esse foi o caminho que usamos para tentar inserir conquistas dentro do texto constitucional. O fórum atuava no sentido de garantir que os investimentos públicos em educação fossem destinados à escola pública esse era o norte de sustentação de um movimento no qual se faziam representadas várias matizes ideológicas, não só partidos políticos, mas a classe trabalhadora e o patronato, os movimentos sociais, representantes de religiões diferentes… Todo mundo que quisesse participar participava. Esse fórum depois se transformou no caminho que levou à nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996.

Não tenho a ideia de que tenhamos sido vitoriosos a pleno, porque a Constituição deixou brechas que permitem repasses de recursos para a educação privada. No entanto, vale destacar alguns pontos significativos. É claro que, no primeiro momento, acreditamos que a Constituição deveria propor soluções que afastassem todos os nossos temores e nossas neuras; tudo o que nos assustava no período em que o país ainda estava recém-saído da ditadura colocamos dentro da Constituição. Isso fez com que ela ficasse muito longa. É preciso ressaltar, contudo, que a Carta Magna de 1988 modifica totalmente o caráter embutido nas constituições anteriores, porque trouxe para dentro de seu corpo questões que as outras constituições não trouxeram. Esse aspecto está nítido, inclusive, na forma como ela é apresentada, na passagem do artigo 4º para o artigo 5º, dando foco aos direitos fundamentais e coletivos. Quer dizer, logo após de definir o que é a República, a Constituição de 1988 já trata de direitos fundamentais e coletivos, o que tem uma enorme importância. Então, embora não houvesse necessidade de muita coisa estar contemplada nela, como o momento era de total transformação do país, isso se refletiu no texto constitucional.

Há, nela, grandes vitórias, como o artigo 8º, que garante a livre associação profissional ou sindical, assegurando também a forma de sustentação financeira das entidades, que antes estavam atreladas unicamente às convenções e dissídios coletivos; ou seja, amarrava os sindicatos nas mesas de negociação, porque estas também precisavam tratar de sua sustentação financeira. Essa foi uma conquista.

Muitas coisas entraram de chofre na Constituição, que ficou muito pesada, mas é porque havia questões que precisavam ser resolvidas e nós – no sentido de a população – tínhamos a impressão naquele momento otimista, de encerramento definitivo do regime militar, de que mandávamos no país. Acontece que muitos artigos precisavam de regulamentação e, ao longo desses 25 anos, muito mais se tentou modificar o texto – as PECs estão em número bastante alto – do que regulamentar aquilo que era necessário.

Um exemplo disso é o anteprojeto de lei de 1984 do Diap, recém-formado na época, que ficou conhecido como Projeto 1 do Diap e que tratava da garantia  d estabilidade no emprego. Essa reivindicação foi atendida no artigo 7º, inciso I, que assegura “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. Essa lei complementar de que trata o dispositivo, porém, até hoje não foi resolvida, assim como resolveram de maneira inconsequente a questão do aviso prévio proporcional.

Além disso, do ponto de vista da estrutura do país, há dois pontos nos quais a Constituição de 1988 não teve coragem de mexer. Um deles é a reforma política, os partidos, a forma de representação. A estrutura política trazida por ela é uma cópia fiel do que havia sido implantado até então, inclusive na ditadura. O texto constitucional manteve, por exemplo, a figura do terceiro senador de cada estado, que havia sido criado na ditadura como senador biônico. Tampouco foi sanado o fato de que há estados com mais deputados do que a população deveria ter. Não construímos politicamente uma solução para a questão da própria política.

Outro ponto é a reforma fiscal. O país manteve basicamente a mesma estrutura fiscal que vinha da ditadura militar e dos períodos anteriores, como uma União muito forte em detrimento dos estados e municípios. E aí temos a questão das dívidas. Como é que um estado como São Paulo, por exemplo, que é o segundo orçamento do país, atrás apenas da União, pode dever para o primeiro orçamento? É porque algo está errado na distribuição dos recursos.

Vejo com preocupação esses feitos, pois, passados 25 anos, não avançamos nesse processo. Lá em 1988 não se resolveu e até hoje essas questões permanecem atrapalhando o desenvolvimento do país.

É preciso também levar em conta a transição mundial que acontecia naquele momento. A Constituição foi fundada em alguns princípios que levariam a um modelo parlamentarista; há dispositivos calcados nessa linha. Além disso, quando o texto foi concluído, o Muro de Berlim ainda existia. Isso gerou uma Constituição com tendências aos benefícios sociais, o que foi muito bom para nós, porque provavelmente ela beneficiaria um pouco mais a iniciativa privada, o Estado teria menos influência, se o muro tivesse caído antes.

Há ainda um aspecto político fundamental. Quando Getúlio Vargas conduziu a elaboração da Constituição de 1933, já fez isso articulando para que fosse o eleito pelo colégio eleitoral. Em 1988, ao contrário, as forças não tinham a menor intenção de encaminhar quem seria o presidente. A Constituição de 88 não foi feita para que alguém fosse ungido presidente. Deu no que deu, porque o eleito no ano seguinte foi o Collor, mas esse DSC00171aspecto foi muito importante porque ela não foi manipulada para que um grupo se eternizasse no poder. Não se dirigiu o texto constitucional para perpetuar pessoas no poder. Foi um voo cego nesse aspecto, mas que se mostrou fundamental, uma vez que, nesses 25 anos, houve alternância de poder.

Tenho minhas ressalvas a alguns de seus aspectos, mas é fato indiscutível que a Constituição foi bem alicerçada e tem cumprido a função para a qual foi escrita, consagrando os direitos dos trabalhadores, buscando o equilíbrio entre os poderes, aprofundando as funções do Ministério Público, tornando o Estado mais consistente.

*Luiz Antonio Barbagli
Presidente do Sinpro-SP e primeiro vice-presidente da Fepesp

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