Audiência Pública no TST: Contee abre debate histórico sobre o direito de oposição à contribuição assistencial

O assessor jurídico da entidade, José Geraldo Santana, fez pronunciamento memorável afirmando que a Contee é contra o direito de oposição; mas sendo autorizado, a assembleia dever ser o único lugar próprio para solicitar o direito

Nesta quinta (22), o assessor jurídico da Confederação Nacional dos trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), José Geraldo Santana, participou de audiência pública no Tribunal Superior de Justiça (TST), presidida pelo ministro Caputo Bastos, a respeito do direito de oposição à contribuição assistencial.

O evento prossegue até esta sexta (23), às 12h. O ministro Caputo vai ouvir 44 entidades. Participam da discussão centrais, confederações e especialistas. Só na manhã de quinta, o ministro assistiu à apresentação de 17 expositores. Cerca de 600 pessoas acompanharam a audiência pelo youtube e 156 pessoas estiverem presentes no auditório do TST.

A iniciativa busca reunir elementos para consubstanciar a tese a ser definida pelo TST inerente à regulamentação do direito de oposição. A questão jurídica será apreciada no futuro julgamento de um incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR-1000154-39.2024.5.00.0000), sob a relatoria do ministro Caputo.

Santana teve a honra de abrir o importante debate. Ele fez um pronunciamento memorável mesclando literatura e saber jurídico. Com muita propriedade, defendeu o posicionamento da Confederação e das entidades a ela filiadas acerca do tema, destacando que o direito de oposição é injusto e prejudica a sustentabilidade dos sindicatos. Denunciou também as condutas antissindicais recorrentes.

O representante da Contee iniciou sua fala reconhecendo o peso democrático da audiência. Declarou que pela primeira vez, em quase 50 anos de vida sindical, pode se manifestar num evento dessa envergadura: “a realização deste histórico e simbólico evento, que se tinge pelas cores da pluralidade, ao dar privilegiada tribuna às múltiplas vozes que ecoam pelo vasto mundo sindical”.

Salientou as críticas impiedosas feitas aos sindicatos laborais, afirmando que essa postura maldosa já se enraizou na narrativa de milhares de trabalhadores, que querem usufruir impunemente dos direitos convencionais, sem obrigação de para eles contribuir. Santana esclareceu que o Brasil é o único país do mundo que admite direito sem dever, tratando dessa forma os iguais de forma desigual.

Na oportunidade, ressaltou o entendimento do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Roberto Barroso, que ao tratar do assunto no supremo, disse que a possibilidade desequipara os trabalhadores de uma mesma categoria, desestimulando a filiação, em razão de não precisarem contribuir para gozar dos direitos.

Argumentou que a assembleia é soberana e deve ser valorizada como tal. Somente a assembleia geral tem competência e legitimidade para aprovar pautas de reivindicações coletivas. “Abrir a possibilidade de oposição, para além assembleia geral, não só a apequena, violando a liberdade de organização sindical, como representa a senha para que quase incontável número de empresas possa colher do ensejo para induzir, pressionar e até exigir que seus trabalhadores, que jocosamente chamam de colaboradores, oponham-se a tal desconto e, com um só propósito: inviabilizar financeiramente os sindicatos”, ponderou o assessor jurídico.

“Se não se limitar o direito de oposição à manifestação em assembleia geral, ou, ao menos, considerar válidas e insuscetíveis de questionamentos judiciais, as razoáveis deliberações assembleares, se esvaziará por completo o financiamento sindical”, alertou Santana.

Acrescentou ainda: “se não se reconhecer a assembleia como o único lugar próprio para oposição à contribuição assistencial, ao sentir das entidades laborais, o efeito da tese que esta egrégia Corte fixar, será idêntico àquele mateforicamente proposto pelo personagem do livro O Leopardo de Giuseppe de Lampeduza, para a sociedade de sua época: as coisas precisam mudar para que continuem como estão. Ou seja, o PN 119 continuará incólume, com nova roupagem”.

Finalizou externando: “tomamos emprestados os belíssimos versos da canção de Horácio Guarany, eternizada por Mercedes Sosa: “se calla el cantor, calla-se la vida”. Se se aniquilam os sindicatos, cala-se a sublime voz dos trabalhadores; pois que, como magistralmente registrou o Papa Francisco, os sindicatos são a voz de quem não tem voz”.

A ASSEMBLEIA E O DIREITO DE OPOSIÇÃO

Na manhã de quinta, das 17 manifestações, exceto aquelas que representam os empresários, as demais caminharam pela mesma trilha, entendem que a assembleia é o único foro legítimo para se tratar de oposição à contribuição assistencial.

O DISCURSO MEMORÁVEL NA ÍNTEGRA

Excelentíssimo Senhor Ministro Caputo Bastos,

Ao cumprimentá-lo, respeitosamente, manifesto-lhe nosso reconhecimento, pela salutar e judiciosa realização deste histórico e simbólico evento, que se tinge pelas cores da pluralidade, ao dar privilegiada tribuna às múltiplas vozes que ecoam pelo vasto mundo sindical.

Cumprimento, cordialmente, todos participantes aqui presentes e aos que assistem ao evento, por meio remoto.

Para não ser tentado a traiçoeiras divagações, que mais servem para esvair o tempo e, não raras vezes, a paciência de quem as ouve, peço licença para ler minha singela exposição.

Parafraseando Leonardo Boff, em seu livro “A águia e a galinha”, para quem todo ponto de vista é a vista de um ponto, consigno, desde logo, que trago a este memorável evento o ponto de vista ou a vista do ponto das entidades sindicais dos trabalhadores- ao menos da Contee, que representa mais de um milhão de professores e técnicos administrativos-, que tem como farol o Art. 8º, da CF, e as convenções 98 e 154 da OIT, ratificadas pelo Brasil.

Segundo o consagrado e premiado escritor português José Saramago: “Algumas palavras ofendem; queimam; insinuam; intimidam, impõem, segregam e eliminam”.

Ao entendimento da Contee, o que já foi e continua sendo dito sobre a contribuição assistencial, que motiva o relevantíssimo tema proposto para debate nesta audiência pública, não por descuido ou por mera inaqueção frasal, tem exatamente o sentido emprestado por Saramago.

Há muitos anos, tornou-se lugar comum maldizer os sindicatos laborais, atribuindo-lhes uma pletora de acusações e de críticas impiedosas e quase nenhum reconhecimento.

Como que a dar razão ao escritor francês, nascido em Tunis, Albert Memmi, em seu livro “O retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador”, prefaciado por Jean-Paul Sartre, essa maledicência já se enraizou na narrativa de milhares de trabalhadores, que querem usufruir impunemente dos direitos convencionais, sem obrigação de para eles contribuir.

Como se colhe de uma denúncia formalizada ao MPT da 23ª Região, por uma trabalhadora, que, sem nenhuma ressalva, usufruiu das conquistas asseguradas pela CCT, que traz a contribuição assistencial que ela repudia com veemência.

Eis um breve excerto do que afirma:

“[…]Isso é grave! É absurdo! […]. Para muitos, tal como eu, que não se sente representado pelo SINTRAE-MT e não tem interesse no pagamento da cota, esses valores irão fazer falta para o meu sustento e de minha família”.

A conduta dessa trabalhadora, uma entre milhares de igual jaez, é judiciosamente retratada pelo ministro Roberto Barroso, em seu voto-vista, que balizou a inflexão do STF quanto ao entendimento do tema sob debate; fazendo-o nos seguintes termos:

“18. Com o entendimento de que não se pode cobrar a contribuição assistencial dos trabalhadores não sindicalizados cria-se, então, a figura do ‘carona’: aquele que obtém a vantagem, mas não paga por ela. Nesse modelo, não há incentivos para o trabalhador se filiar ao sindicato. Não há razão para que ele, voluntariamente, pague por algo que não é obrigatório, ainda que obtenha vantagens do sistema. Todo o custeio fica a cargo de quem é filiado. Trata-se de uma desequiparação injusta entre empregados da mesma categoria”.

Aqui, calha bem a contundente assertiva do poeta alemão Bertolt Brechet, em seu poema sobre a violência: « Do rio, que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem ».

Os dados registrados no Cadastro Nacional de Entidades Sindicais (CNES) e no Sistema Mediador, ambos MTE, atualizados até abril de 2024, infirmam as imputações que visam a desacreditar os sindicatos.

Segundo o CNES, apenas 459, dos 4.976 sindicatos de empregados urbanos celetistas, não possuem instrumentos coletivos normativos registrados.

O sistema mediador dá conta de que no período catalogado de 2007 a 2023, foram negociados 103.511 CCTs, 16.868 aditivos às CCTs, 546.625 ACTs e 26.983 aditivos aos ACTs, que, indistintamente, beneficiaram filiados e não filiados.

Para bem entender o real significado dessas quase sete centenas de milhares de instrumentos coletivos de trabalho, há de se anotar que, há exatos 30 anos — precisamente desde 1º de julho de 1994, data de implantação do Plano Real, não há indexação salarial, decorrendo daí que todo e qualquer reajuste salarial depende de livre negociação, magnificamente ilustrada pelo saudoso jurista Benedito Calheiros Bonfim com a multissecular fábula de Esopo, “O pote de barro e o pote de ferro” — não havendo necessidade de dizer qual pote é representado pelo trabalho e qual o é pelo capital.

Segundo a calculadora do Banco Central, nesses 30 anos de plano real, a inflação chegou a 708% (conforme matéria da CNN, de 1º de julho). Apenas, no período da série histórica do INPC/IBGE, 2000 a 2024 totalizou 349,54%.

Não fossem essas sete centenas de milhares de instrumentos normativos coletivos cuidando de reajustes salariais, dentre outros direitos, o poder de compra dos salários, hoje, inclusive daqueles que batem no peito ao dizer que não precisam dos sindicatos, estaria reduzido ao equivalente a 12% do que representava em 1994. 

Destarte, por que dar aos não filiados a prerrogativa de optar pelo benefício sem contribuir para que ele se faça possível e concreto?

Por ser imperioso, há de se salientar que os sindicatos laborais, ao reverso dos patronais, não recebem nenhuma subvenção do Poder Público.

É bem de ver-se que a defesa cega do direito de oposição a qualquer contribuição aos sindicatos laborais, a pretexto de garantir o direito de não filiação compulsória, transforma o Brasil no único país democrático, em todo o mundo, a admitir direitos sem deveres. O que, a toda evidência, não encontra aderência na ordem democrática.

Esse citado direito sem dever, aos olhos das entidades laborais, esposa o conceito de justiça de Adimanto, extraído do livro “A República”, de Platão, para quem o que importa não é ser justo, mas parecer ser. Para este interlocutor de Sócrates, o caminho da justiça é oneroso, já o caminho da injustiça é fácil. (PLATÃO et al., 380 a.C).

Como o direito de oposição não está em pauta, no momento, por força do que diz o STF no Tema 935, mas tão somente o lugar, o modo e o tempo para fazê-lo, as entidades laborais pugnam a esta egrégia Corte Trabalhista que o delimite ao único e legítimo foro de decisão sindical, que é a assembleia geral da categoria: amplamente divulgada, aberta a filiados e não filiados, realizada de forma presencial e remota, tendo como um dos itens de destaque a aprovação da contribuição assistencial.

Aliás, como assevera o citado voto-vista do ministro Roberto Barroso.

Somente a assembleia geral tem competência e legitimidade para aprovar pautas de reivindicações coletivas, autorizar a assinatura de CCT e ACT e, até mesmo, aprovar instrumento normativo que só reduzam direitos, como expressamente autorizado pelo STF, Tema 1046.

Portanto, ao entendimento das entidades laborais, abrir a possibilidade de oposição, para além assembleia geral, não só a apequena, violando a liberdade de organização sindical, como representa a senha para que quase incontável número de empresas possa colher do ensejo para induzir, pressionar e até exigir que seus trabalhadores, que jocosamente chamam de colaboradores, oponham-se a tal desconto e, com um só propósito: inviabilizar financeiramente os sindicatos.

Cotidianamente, chegam aos sindicatos centenas e até milhares de cartas de oposição ao desconto dessa contribuição, não raras vezes, preventivamente, ou seja, antes mesmo de ela ser fixada em CCT ou ACT, na mais cabal prova de prática antissindical.  Quase todas sob a batuta das empresas.

Destarte, se não se limitar o direito de oposição à manifestação em assembleia geral, ou, ao menos, considerar válidas e insuscetíveis de questionamentos judiciais, as razoáveis deliberações assembleares, se esvaziará por completo o financiamento sindical.

Se não se reconhecer a assembleia como o único lugar próprio para oposição à contribuição assistencial, ao sentir das entidades laborais, o efeito da tese que esta egrégia Corte fixar, será idêntico àquele mateforicamente proposto pelo personagem do livro O Leopardo de Giuseppe de Lampeduza, para a sociedade de sua época: as coisas precisam mudar para que continuem como estão. Ou seja, o PN 119 continuará incólume, com nova roupagem.

Por derradeiro, tomamos emprestados os belíssimos versos da canção de Horácio Guarany, eternizada por Mercedes Sosa: “se calla el cantor, calla-se la vida”. Se se aniquilam os sindicatos, cala-se a sublime voz dos trabalhadores; pois que, como magistralmente

registrou o Papa Francisco, os sindicatos são a voz de quem não tem voz.     

Obrigado, Senhor Ministro!

Por Romênia Mariani

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