Cinismo patronal e denúncia de sindicalistas marcam debate sobre Reforma Trabalhista
Enquanto representantes do patronato e dos trabalhadores debatiam o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 38/2017, da Reforma Trabalhista, dia 27, em Audiência Pública, o presidente do Senado recebeu uma comissão patronal favorável à reforma. No mesmo dia, foram apresentados mais dois votos em separados contra a reforma e um favorável, mas propondo modificações – o que o leva de volta à Câmara.
O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), recebeu o presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e coordenador da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs), Honório Pinheiro, acompanhado de representantes do setor, que pediu a aprovação da Reforma Trabalhista. A Unecs é formada por sete entidades que, juntas, respondem por mais de 15% do PIB brasileiro, 22 milhões de empregos formais, um faturamento de R$ 1 trilhão, 65% das operações de cartões de crédito e débito e 83,7% das vendas da indústria de alimentos e bebidas.
Eunicio adiantou que espera que o projeto seja aprovado na CCJ nesta quarta-feira, 28, e siga em regime de urgência para o Plenário do Senado, onde ele tem o compromisso de pautar a matéria para votação até o fim deste semestre. Defendendo o que parece ser uma fachada democrática para a imposição dos ditames patronais, disse que “democraticamente, garanti o debate da reforma em três comissões do Senado e fiz duas sessões temáticas no Plenário para que todos pudessem manifestar sua opinião. Agora, a pauta do Plenário sou eu quem faço”.
Como escreveu certa vez Machado de Assis: “Pode ser que haja nesta confissão uma ou duas gramas de cinismo”. O Bruxo do Cosme Velho considerava o cinismo “a sinceridade dos patifes”, que pode contaminar uma consciência “do mesmo modo que o bicho pode roer os mais sublimes livros do mundo”.
Os argumentos não ouvidos
A oposição conseguiu garantir a realização de duas audiências públicas no dia 27, onde foram expostos argumentos favoráveis e contrários à Reforma Trabalhista.
O relator do projeto na Câmara, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), considerou “a rigidez” da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) responsável pela existência de 90 milhões de trabalhadores que não conseguem formalização no mercado. Ele propõe como solução a regulamentação do home office (trabalho em casa) e do trabalho intermitente, incluídos do PLC. Recorreu à defesa que do trabalho intermitente fazem os patrões da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, mas silenciou sobre as críticas dos sindicalistas do setor.
Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), lembrou que a livre negociação só pode ser concebida num ambiente de equilíbrio das forças que negociam, numa conjuntura de pleno emprego, estabilidade econômica e política. “Tudo o que não existe hoje”, disse. Denunciou que, na construção da Reforma Trabalhista, “os trabalhadores – parte fundamental no projeto – não têm voz, quanto mais negociação”.
A advogada Christina Aires Correa, falando pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), disse que o argumento de que as relações de trabalho (entre patrões e empregados) são desiguais não é reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e que a Constituição garante força para os sindicatos (que têm sua ação e base de sustentação golpeados pelo projeto).
Também o juiz do Trabalho Rodrigo Dias considerou que a CLT “penaliza” o trabalhador. Mas o procurador-geral do Trabalho Ronaldo Fleury refutou que texto da Reforma torna o trabalhador uma espécie de “ser humano de segunda classe”, justamente por retirar direitos previstos pela CLT.
Sobre o trabalho intermitente, Fleury disse poderá resultar em nenhum pagamento ao trabalhador, ao condicioná-lo à necessidade do serviço efetivar-se ou não nos termos previamente contratados. Ele informou que a primeira empresa a contratar trabalhadores no Brasil com base na jornada intermitente foi o McDonalds, o que depois caiu judicialmente, e agora essa companhia busca por meio da reforma trabalhista legalizar esta forma de contratação.
Outra voz que se levantou enfaticamente contrária ao projeto foi a da ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Delaide Alves Arantes, que começou sua fala resgatando sua própria biografia, de mulher que começou sua vida profissional como empregada doméstica e há 7 anos chegou ao posto de ministra do Trabalho. Ela destacou diversos pontos em que a proposta fere a constitucionalidade, mas grifou que a principal questão é a criação de dispositivos que dificultam o acesso à Justiça do Trabalho.
Adilson Gonçalves de Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTB) disse não aceitar que “direitos da classe trabalhadora sejam anulados e que isso seja tratado como uma normalidade. Precisamos de um pacto para salvar o país, e não será destruindo direitos e a Previdência que faremos isso. A defesa de uma matéria tão restritiva, tão nociva, que acaba com o pacto social de 1988, não oferecerá outra coisa senão um futuro de escravidão”.
Ângelo Fabiano Farias da Costa, presidente da Associação Nacional do Procuradores do Trabalho (ANPT), afirmou que a reforma “é frontalmente inconstitucional”. Segundo ele, gestantes e lactantes trabalharem em ambientes insalubres “é uma grosseria, um atentado à Constituição, é uma perversidade”.
Antônio Galvão Peres, professor da Fundação Armando Álvarez Penteado (FAAP – SP), considerou estar havendo um “debate pelos extremos” e afirmou que o projeto não fere a Constituição. Admitiu que “pode haver fraude no trabalho intermitente”, mas que confia que isso não ocorrerá. Segundo ele, o tempo médio de permanência do trabalhador no emprego é de, em média, apenas 2 anos. “Isso é bom, funciona? Por isso é necessário este projeto, que traz segurança jurídica”. Defendeu que a análise seja feita “por suas intenções, e não pela possível fraude”.
Ulisses Borges de Resende, representando o Partido Socialista Brasileiro (PSB), anunciou o posicionamento de seu Partido contrário à Reforma Trabalhista. “Ela é uma ponte para o passado, leva ao caos social, à livre negociação entre partes desiguais”, disse.
Marlos Augusto Melek, juiz do Trabalho da 9ª Região (Curitiba-PR), defendeu a reforma, afirmando que serão beneficiados pequenos e médios empresários e contrapôs, como exemplo, que todo caminhoeiro contratado gostaria de ser autônomo, “e ter o seu caminhãozinho, mas a legislação trabalhista o impede”. Considerou o trabalho intermitente “uma porta de entrada para o registro em carteira”. Citou a si mesmo como exemplo: “Comecei a trabalhar com 14 anos, comprei minha empresa com 20 e a vendi com 30”, quando entrou no serviço público. Considerou o “trabalho em tempo especial, em meio expediente, uma maravilha”.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Guilherme Guimarães Feliciano, disse que o projeto tem dispositivos que contrariam frontalmente o art. 7º da Constituição, que trata dos direitos sociais dos trabalhadores urbanos e rurais. Para o juiz, a flexibilização de direitos prevista no projeto vai ser negociada sempre em prejuízo do trabalhador.
Votos em separado
A CCJ recebeu mais três votos em separado (relatórios alternativos) ao PLC 38/2017. Dois deles, das senadoras Lídice da Mata (PSB-BA) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), defendem a rejeição completa do projeto. O terceiro, do senador Lasier Martins (PSD-RS), é favorável, porém remove dispositivos do texto. Já estavam na comissão os votos dos senadores Eduardo Braga (PMDB-AM) e Paulo Paim (PT-RS), ambos contrários à proposta.
Todos os votos em separado serão lidos na sessão desta quarta-feira antes da votação do projeto. Após receber o parecer da comissão, ele seguirá para o Plenário do Senado.
O líder do PMDB, Renan Calheiros (PDMB-AL), disse que o governo não pode obrigar o Senado a votar “da noite para o dia” a reforma trabalhista. “Precisamos de uma reforma trabalhista que atualize a legislação e de uma reforma das aposentadorias que viabilize a Previdência Social para a próxima geração”, afirmou. Ele pediu uma reunião de líderes para esta quarta.
Carlos Pompe