Coletivo Jurídico vai debater a exigência de certidões de antecedentes criminais nas escolas

Lei 14.811/2024 é pauta da reunião convocada para 26 de fevereiro. Leia abaixo artigo do consultor jurídico da Contee, José Geraldo de Santana Oliveira, para embasar a discussão

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

A Lei 14.811, de 12 de janeiro de 2024, acrescentou ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), o Art. 59-A, caput e parágrafo único, que determina aos estabelecimentos de ensino, públicos e privados, a obrigatoriedade de manter fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas de todos os seus empregados — hipocritamente chamados de colaboradores.

“Art. 59-A. As instituições sociais públicas ou privadas que desenvolvam atividades com crianças e adolescentes e que recebam recursos públicos deverão exigir e manter certidões de antecedentes criminais de todos os seus colaboradores, as quais deverão ser atualizadas a cada 6 (seis) meses.

Parágrafo único. Os estabelecimentos educacionais e similares, públicos ou privados, que desenvolvem atividades com crianças e adolescentes, independentemente de recebimento de recursos públicos, deverão manter fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas de todos os seus colaboradores.”

Escudados nessa discutível estipulação legal, muitos estabelecimentos de ensino, em diversas unidades da Federação, começaram a exigir de seus professores e administrativos a apresentação de tais certidões, devidamente atualizadas, não importando o tempo de contrato com elas mantidos. Isso tem gerado questionamentos sobre a constitucionalidade, pertinência e motivação da medida.

Com a finalidade de se iniciar o debate sobre como enfrentar a comentada exigência, a toda evidência, de relevância social, posto que, apenas no âmbito das escolas privadas, é de interesse de mais de meio milhão de trabalhadores, a Secretaria de Assuntos Jurídicos da Contee convida os sindicatos e federações a elas filiados para a reunião remota do seu Coletivo Jurídico, a realizar-se dia 26 de fevereiro corrente, a partir de 19 horas.

Como contribuição ao referenciado debate, trazem-se, aqui, comandos constitucionais, convencionais, legais e jurisprudenciais sobre a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da honra e a presunção de inocência, que, ao primeiro olhar, acham-se arranhadas pela epigrafada determinação legal.

A Constituição Federal (CF), em seu Art. 5º, X e LVII, estabelece:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, ratificada pelo Brasil, por meio do Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, assegura, em seu Art. 8º:

ARTIGO 8

Garantias Judiciais

  1. (…)
  2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa… Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
  3. a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal;
  4. b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
  5. c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa;
  6. d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
  7. e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
  8. f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos.
  9. g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e
  10. h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.

(…)

  1. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá se submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.

O Código Penal (Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940), dispõe, em seu Art. 283, julgado constitucional pelo STF nas ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

O STF, no recurso extraordinário (RE) 591054, fixou a seguinte tese com repercussão geral:

Decisão: O Tribunal, decidindo o tema 129 da Repercussão Geral, por maioria e nos termos do voto do Relator, negou provimento ao recurso extraordinário, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski (Presidente), Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia, firmando-se a tese de que a existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado não pode ser considerada como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena.”

Já na ação de habeas corpus 94620, tendo como relator o ministro Ricardo Lewandowski, definiu:

“(…)

III Inquéritos ou processos em andamento, que ainda não tenham transitado em julgado, não devem ser levados em consideração como maus antecedentes na dosimetria da pena”.

A Seção de Dissídios Individuais (SDI) do TST, em incidente de recurso repetitivo (IRR), N. IRR-243000-58.2013.5.13.0023, fixou a seguinte tese:

“1. Não é legítima, e caracteriza lesão moral, a exigência de certidão de antecedentes criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido.

  1. A exigência de certidão de candidatos a emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos e pessoas com deficiência, em creches, asilos ou instituições afins, motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas e entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas.
  1. A exigência da certidão de antecedentes criminais, quando ausentes alguma das justificativas de que trata o item 2, caracteriza dano moral in re ipsa [presumido], passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido”.

A título de ilustração, registra-se que o objeto do processo que ensejou o IRR é exatamente a exigência de apresentação de antecedentes criminais pela Alpargatas.

Ainda como parâmetro para o debate a que se propõe, tomando-se os fundamentos constitucionais, convencionais e jurisprudenciais acima transcritos, suscita-se outro relevante e providencial questionamento, quanto à consequência advinda de eventual certidão de antecedentes criminais positiva.

Esse questionamento pode ser assim proposto: eventual certidão de antecedentes criminais positiva autoriza a rescisão do contrato por justa causa?

Ao debate!

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo