Contee pede revisão em entendimento do TST sobre a contribuição assistencial
Confederação enviou ofício ao Tribunal Superior do Trabalho reivindicando mudanças na OJ 17 e no PN 119, que tratam do tema
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a constitucionalidade da cobrança da contribuição assistencial de todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, representou enorme avanço. No entanto, a partir dela, é imprescindível que haja revisão imediata na Orientação Jurisprudencial (OJ) 17 e do Precedente Normativo (PN) 119, ambos da Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que tratam do assunto.
Por isso, a Contee enviou, ontem (24), ofício ao presidente do TST, ministro Lélio Bentes, solicitando a revisão.
Leia a íntegra do ofício:
Ofício n.° 353/2023/CONTEE
À Sua Excelência o Senhor
Ministro LÉLIO BENTES CORREA
Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
Brasília – DF
Ref.: Revisão da OJ 17 e do PN 119, ambos da SDC
Senhor Presidente,
com nossos respeitosos cumprimentos, em nome Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee, entidade sindical de grau superior que congrega 85 sindicatos e 10 federações de profissionais da educação escolar (professores/as e administrativos/as), conforme Art. 206 da Constituição Federal (CF), representando, atualmente, cerca de 1 milhão dos que se ativam no ensino privado, da educação infantil ao ensino superior, de todas as regiões do país, pedimos-lhe licença para lhe apresentar ponderações que, ao nosso sentir, justificam a imediata revisão da Orientação Jurisprudencial (OJ) 17 e do Precedente Normativo (PN) 119, ambos da Seção de Dissídios Coletivos (SDC), desse egrégio Tribunal, fazendo-as nos termos que se seguem:
2 Como é consabido, principalmente pela reação negativa do empresariado e de seus agentes, em julgamento virtual concluído aos 11 de setembro de 2023, o excelso Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de embargos de declaração opostos ao Acórdão de mérito, no processo RE 1018459 — Tema 935, com atraso de nada menos que 80 anos, declarou constitucional o Art. 513, ‘e’, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), fixando nova tese com repercussão geral, com conteúdo jurídico diametralmente contrário ao até então vigente, com o qual a OJ e o PN em referência guardavam total sintonia.
3 A nova tese com repercussão geral, fixada no Tema 935, ficou assim ementada:
“É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.
4 Já a OJ 17 e o PN 119, por sua vez, desde a última revisão em 2014, acham-se ementados com o seguinte conteúdo:
“17. CONTRIBUIÇÕES PARA ENTIDADES SINDICAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA EXTENSÃO A NÃO ASSOCIADOS. (mantida) – DEJT divulgado em 25.08.2014
As cláusulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título, obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução, por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados.
IUJ 436141/1998 – Min. Armando de Brito
Julgado em 11.05.1998 – Decisão unânime
Histórico:
Inserida em 25.05.1998”
Nº 119 CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS – INOBSERVÂNCIA DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS – (mantido) – DEJT divulgado em 25.08.2014
“A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados.
Histórico:
nova redação dada pela SDC em sessão de 02.06.1998 – homologação Res. 82/1998, DJ 20.08.1998”.
5 Colhe-se do simples cotejo dessa nova tese do STF com os discutidos OJ 17 e PN 119 que a questão nuclear que lhes dão sustentação tornou-se antípoda entre ela e eles, pois que, enquanto a tese declara constitucional a cobrança de contribuição assistencial prevista no Art. 513, ‘e’, da CLT, desde que instituída em convenção ou acordo coletivos e assegurado o danoso direito de oposição, a OJ e o PN, ao reverso, declaram-na inconstitucional e, por conseguinte, nula de pleno direito.
6 Eis, Senhor Presidente, a nosso juízo, a primeira e boa razão a exigir a imediata revisão da OJ 17 e do PN 119. Sem ela, como já especulado por detratores do sindicalismo laboral, esses pilares da jurisprudência da Justiça do Trabalho continuarão a servir como entrave intransponível — no mínimo, quase — para o custeio das atividades sindicais; como, aliás, tem sido há, ao menos, uma década e meia.
7 Ao nosso sentir, Senhor Presidente, o simples cancelamento desses constitutivos da jurisprudência trabalhista, no quesito custeio das atividades sindicais — como ocorreu sob a presidência do ministro Antonio Barros Levenhagem, mas que não se consumou pelo fato de a decisão de o cancelar não haver alcançado o mínimo de 14 votos, maioria absoluta —, não é bastante. É necessária nova redação, que, no mínimo, regulamente o direito de oposição, para que se evite uma nova babel sobre esse tema, como já se encontra armada pelas empresas que buscam, a qualquer custo, estrangular as entidades sindicais a fim de que não cumpram sua sagrada missão de ser a voz de quem não tem voz, conforme as judiciosas palavras do papa Francisco.
8 Tal reprovável e repugnante conduta só é possível graças à assimetria que marca as relações individuais de trabalho, como judiciosamente anotada no RE 590415, relatado pelo ministro Roberto Barroso, nesses precisos termos:
“[…] 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida”.
9 A título de ilustração dessa insana cruzada empresarial contra o livre financiamento sindical, cita-se o caso de renomada Universidade de Goiás, sem fins lucrativos, que, há cerca de 30 dias, antes mesmo de assinar o acordo coletivo de trabalho (ACT) que celebra com o sindicato dos auxiliares de administração escolar, contendo cláusula de desconto de contribuição assistencial, determinou ao seu departamento de recursos humanos que promovesse a coleta de assinatura de oposição ao desconto da realçada contribuição, em declaração por ele redigida e impressa. Bem assim, que as protocolasse na secretaria do sindicato competente, o que não se concretizou porque o atendente do sindicato, sem se dar conta da gravidade do ato da universidade, recusou-se a recebê-las.
10 Como tal repugnante conduta não se apresenta isolada, sendo, ao reverso, para ficarmos apenas no nosso campo de ação, uma constante em milhares de instituições de ensino, de nível básico e superior — que, somadas, ultrapassam 40 mil, segundo os últimos censos escolares —, há imperiosa necessidade de que o detestável direito de oposição só possa ocorrer perante o respectivo sindicato, como, aliás, aponta o voto-vista do ministro Roberto Barroso, que orientou a nova tese sob destaque.
11 Se se abrirem largos para que tal injustificável direito possa ser exercido no âmbito das empresas, a nova tese do STF será totalmente esvaziada, ficando os sindicatos com a maldição de Tântalo, da mitologia grega — que, com água até o pescoço, não conseguia sorver sequer uma única gota desse líquido vital —, sem que, ao contrário deste, tivessem cometido qualquer crime. Assim sendo, porque, não obstante continuarem dispondo de quatro contribuições constitucional, legal e jurisprudencialmente reconhecidas — associativa, sindical em sentido estrito, confederativa e assistencial —, a rigor, terão a cobrança de todas elas restrita aos seus filiados, como tem sido a partir do advento da Lei 13.467/2017.
12 Isso não obstante todos os integrantes da categoria, justa e corretamente, beneficiarem-se das conquistas sindicais, por determinação do Art. 8º, III, da Constituição Federal (CF). Teratologicamente, sem qualquer similar no mundo civilizado, somente os filiados contribuem para o financiamento sindical.
13 Isso importa a divisão de cada categoria profissional em dois segmentos absolutamente distintos: um, dos sócios, que possui direitos e deveres, posto que se obrigam a contribuir com seus respectivos sindicatos; outro, dos não sócios, que gozam de direitos, sem nenhuma obrigação, haja vista a incolumidade do famigerado direito de oposição ao desconto de qualquer contribuição sindical, quer em sentido amplo, quer em sentido estrito. Importa dizer: o ato voluntário de filiação sindical foi transformado pelo legislador e pelos julgadores em penalidade, pois quem se associa ganha e paga; já quem não se associa, ganha e não paga.
14 O direito de oposição, mantido na tese com repercussão geral do Tema 935, por mais que se argumente de modo diverso, quebra o universal e multimilenar princípio da isonomia. Além de significar enriquecimento sem causa, repudiado pelo Art. 884 do Código Civil (CC). O que, aliás, é registrado no percuciente citado voto-vista do ministro Roberto Barroso, repita-se, que conduziu à mudança da tese do Tema 935:
“18. Com o entendimento de que não se pode cobrar a contribuição assistencial dos trabalhadores não sindicalizados cria-se, então, a figura do ‘carona’: aquele que obtém a vantagem, mas não paga por ela. Nesse modelo, não há incentivos para o trabalhador se filiar ao sindicato. Não há razão para que ele, voluntariamente, pague por algo que não é obrigatório, ainda que obtenha vantagens do sistema. Todo o custeio fica a cargo de quem é filiado. Trata-se de uma desequiparação injusta entre empregados da mesma categoria. 19. Some-se a isso o fato de que a contribuição assistencial se destina a custear justamente a atividade negocial do sindicato. Há uma contraprestação específica relacionada à sua cobrança. Por esse motivo, é denominada, também, de contribuição de fortalecimento sindical ou cota de solidariedade. Nesse cenário, a contribuição assistencial é um mecanismo essencial para o financiamento da atuação do sindicato em negociações coletivas. Permitir que o empregado aproveite o resultado da negociação, mas não pague por ela, gera uma espécie de enriquecimento ilícito de sua parte”.
15 Ao nosso sentir e entender, o direito de oposição, isto é, de se negar a contribuir para o sindicato a pretexto de preservar-lhe a liberdade de filiação, ao fim e ao cabo, significa salvo conduto ao/à trabalhador/a não sindicalizado/a para usufruir das garantias convencionais, sem a obrigação de contribuir para sua conquista.
16 Com o devido respeito a quem sustenta o contrário, não há paradigma para a aprovação e sustentação dessa tese, pois que, no direito comparado, não há registro de nenhum.
17 Somos sabedores de que a CF de 1988 erigiu a organização sindical à condição de direito social fundamental (Art. 8º), fazendo-o em perfeita sintonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, em seu Art. 23; com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos e Sociais, em seu Art. 8º; com a Convenção 98 da OIT, do Art. 1º ao 6º; e com a Convenção 154 da OIT, do Art. 5º ao 8º, todos ratificados pelo Brasil.
18 O Art. 8º, III, da CF estabelece as atribuições sindicais inarredáveis e improrrogáveis, assentando:
“III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”.
19 Como se colhe da literalidade do disposto no inciso III do Art. 8º da CF, os sindicatos representam todos os integrantes da categoria, sejam eles sindicalizados ou não, o que, a juízo da Contee, das federações e dos sindicatos a elas filiados, caracteriza-se justo, adequado e insuscetível de questionamentos de quaisquer naturezas.
20 Faz-se imperioso registrar que o regime de organização sindical, esteado na unicidade sindical e na representação coletiva por categoria, independentemente de filiação, adotado pela CF, difere diametralmente daquele adotado nos países que consagram a pluralidade sindical, emanada ou não da Convenção 87 da OIT, que se funda na representação individual de quem opta por escolher este ou aquele sindicato para agasalhar seus direitos e interesses.
21 Enquanto no regime de unicidade sindical, que engloba a representação coletiva por categoria, as garantias insertas em convenções e acordos coletivos alcançam sindicalizados e não sindicalizados — o que, repita-se, é justo e adequado aos olhos da Contee e das entidades que congrega como filiadas —, no regime de pluralidade sindical, de representação individual, tais garantias limitam-se aos sindicalizados aos sindicatos que negociam instrumentos normativos coletivos: convenções e acordos coletivos.
22 Destarte, no regime de pluralidade sindical, quem quiser usufruir das conquistas sindicais tem de pagar (contribuir) para que isso lhe seja possível, não havendo possibilidade de as postular, seja de forma administrativa ou judicial, sem expressa adesão. Ou seja, sem contribuir para o sindicato signatário dos instrumentos normativos que as contêm. Assim é porque, no Estado Democrático de Direito, não há direito sem dever nem dever sem direito, como, aliás, estipula o Art. 5º, caput, da CF.
23 Ao nosso sentir e entender, Senhor Presidente, há ainda um ponto crucial, a ser regulamentado pela nova redação da OJ 17 e do PN 119, já abordado pela Orientação 20 da Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical e do Diálogo Social (Conalis), do Ministério Público do Trabalho (MPT), aprovada em sua 35ª reunião, assim exarada:
“FINANCIAMENTO SINDICAL. CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL/ NEGOCIAL. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INTERESSE PATRIMONIAL. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. PREVALÊNCIA DO INTERESSE COLETIVO. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Nas notícias de fato que versem sobre alcance subjetivo de cláusula de contribuição assistencial/negocial prevista em norma coletiva, prevalece o interesse da coletividade sobre eventuais interesses individuais ou plúrimos de não contribuição, revelando-se, no caso, interesse patrimonial disponível do (s) interessado (s), bem como, a princípio, irrelevância social de atuação do Parquet, devendo-se privilegiar a manifestação da coletividade de trabalhadores e trabalhadoras, exercida por meio da autonomia privada coletiva na assembleia que deliberou sobre o entabulamento da norma coletiva”.
24 Entendemos como imprescindível para a nova redação da OJ 17 e do PN 119, da SDC, que, tal como expresso na orientação retro, emanada da Conalis, patenteie-se que a cobrança de contribuição assistencial, em consonância com a tese com repercussão geral, fixada pelo STF, sobre o Tema 935, no RE 1018459, além de constitucional, é de natureza patrimonial, não ensejando nem autorizando a atuação do MPT e da Justiça do Trabalho, exceto nos casos em que, comprovadamente, haja abuso de direito, quanto à oportunidade de sua aprovação, à periodicidade e ao montante a ser cobrado; e em nenhuma outra hipótese.
Ao ensejo, renovamos-lhe nosso inarredável compromisso de defesa intransigente da Justiça do Trabalho, forte, autônoma e como último bastião institucional de defesa dos direitos fundamentais sociais, sem os quais os valores sociais do trabalho, quarto fundamento da República (Art. 1º, IV, da CF), bem como a valorização do trabalho humano, primeiro fundamento da ordem econômica (Art. 170, caput, da CF), e do primado do trabalho, esteio da ordem social (Art. 193 da CF), não passam de mero protocolo de intenção, vazio de conteúdo e de relevância social.
Bem assim, renovamos-lhe nossa disposição e interesse plenos de nos associarmos a todas as iniciativas dessa egrégia Justiça em prol dos destacados misteres.
Respeitosamente,
Gilson Luiz Reis
Coordenador-Geral da Contee