Crise na Venezuela: maioria dos brasileiros rejeita ajuda para deixar o país em caso de conflito, diz Itamaraty
A maioria dos brasileiros que moram na Venezuela não pensa em sair do país, mesmo que a situação política local se agrave, diz o Itamaraty. Desde o último sábado (23), o ministério têm enviado emails a cidadãos brasileiros questionando-os acerca do interesse em receber ajuda do governo brasileiro para sair da região, em caso de conflito.
Dos cerca de 9.000 brasileiros que moram na capital Caracas, por exemplo, 2.000 responderam ao questionário do Itamaraty até o momento. E desses, cerca de 600 disseram que gostariam de ajuda para sair do país, segundo informou o Itamaraty à BBC News Brasil.
“Prezado (a) Senhor (a), em vista da situação por que passa a Venezuela, o consulado-geral do Brasil está coletando informações dos brasileiros residentes nesse país para fins de adotar medidas cabíveis de assistência consular. Para tanto, solicita o preenchimento do formulário ‘Brasileiros na Venezuela'”, diz o email enviado pelo Itamaraty. A mensagem e o questionário também foram postados numa página do serviço consular brasileiro na Venezuela na internet.
“Em caso de agravamento da situação política na Venezuela teria interesse em retornar ao Brasil caso o governo brasileiro venha oferecer meios de transporte?”, diz uma das perguntas do formulário. O documento também pergunta sobre possíveis dependentes que acompanhariam o brasileiro em caso de saída do país, bem como suas idades.
Segundo o ministério, levantamentos deste tipo com a comunidade brasileira são comuns, especialmente em lugares que enfrentam algum tipo de crise. “Nesse caso específico incluímos essa pergunta sobre a possibilidade de sair do país em caso de complicação. O objetivo é mapear a situação e se precaver, mas não significa que esteja sendo planejada uma retirada”, diz um assessor do Itamaraty.
De acordo com as últimas informações do órgão, existem hoje cerca de 13 mil brasileiros vivendo no país caribenho. A maior parte, cerca de 9.000, vive na capital Caracas.
“A maioria dessas pessoas já têm raízes na Venezuela. Têm famílias, têm negócios lá. O que a experiência mostra é que, mesmo em caso de agravamento, a maioria prefere ficar no país”, diz o assessor.
No sábado, o consulado brasileiro em Caracas também publicou uma mensagem alertando “aos cidadãos brasileiros residentes na Venezuela sobre os riscos decorrentes da atual situação”. O Consulado recomendou aos brasileiros que “evitem as áreas de conflito e limitem a sua mobilidade ao estritamente necessário”.
Brasileiros relatam tensão nas fronteiras, mas não em Caracas
A reportagem da BBC News Brasil conversou com brasileiros que vivem na Venezuela nesta segunda-feira (25). Segundo eles, o clima de tensão experimentado no sábado (23) ficou restrito às fronteiras venezuelanas com a Colômbia e com o Brasil, sem chegar à capital, Caracas.
Segundo uma jornalista brasileira que vive no país, houve alguns protestos em Caracas durante o fim de semana, mas foram menores e menos intensos do que os ocorridos no fim de janeiro e no começo de fevereiro, depois que o líder opositor venezuelano Juan Guaidó autodeclarou-se presidente interino do país.
As fronteiras do país viveram momentos de tensão no sábado, quando comboios com ajuda humanitária da Colômbia e do Brasil tentaram entrar no país – a entrada não foi permitida pela Guarda Nacional do país, e retornaram. Houve protestos e confrontos na fronteira Brasil-Venezuela. Ao menos quatro pessoas morreram e outras 22 ficaram feridas.
“Até agora, eu não vi nenhum brasileiro desesperado, dizendo ‘quero sair agora da Venezuela’. O governo da Venezuela não agiu até agora de forma agressiva em relação aos brasileiros. Não houve até agora nenhum discurso do Maduro ou do Cabello (Diosdado Cabello Rondon, presidente da Assembleia Nacional e aliado de Maduro) falando mal dos brasileiros”, diz um brasileiro que mora na Venezuela, sob anonimato.
“A grande maioria (da comunidade brasileira) quer é ficar em paz. E como não se sentem agredidos, não há urgência em sair do país”, diz ele.
“O que acontece na Venezuela é que é um país extremamente polarizado (politicamente). Por exemplo: eu conheço um grupo de empresários que se dizem otimistas com a Venezuela, no longo prazo. Eles dizem que são ‘otimistas anônimos’. Porque, se falarem abertamente, temem ser chamados de ‘enchufados'”, conta o brasileiro.
“Enchufado” é uma forma pejorativa de referir-se a apoiadores do regime de Nicolás Maduro. Em português, o termo significa algo como “apadrinhado” ou “apaniguado”, alguém que obteve uma posição de destaque por causa de conexões políticas.
70 turistas brasileiros tentam sair
Segundo o Itamaraty, a situação mais complexa no momento ocorre na localidade venezuelana de Santa Elena de Uairén, que faz fronteira com o município brasileiro de Pacaraima (RR). Um grupo de cerca de 70 turistas brasileiros que fazia turismo no Monte Roraima está na localidade tentando voltar para o Brasil – o que não foi autorizado ainda pelo governo venezuelano. O Itamaraty diz que continua negociando para tentar o retorno do grupo.
A fronteira entre os dois países foi fechada pelo governo venezuelano na sexta-feira (22), sem prazo para ser reaberta. O senador Chico Rodrigues (DEM-RR) esteve em Pacaraima no fim de semana. Ele assistiu aos protestos na fronteira, mas diz ter recebido relatos de moradores de que seus parentes no lado venezuelano estavam em segurança. “Não houve incidentes com brasileiros (em Santa Elena). Os amigos de Pacaraima, que tem parentes do lado venezuelano, dizem que não houve qualquer problema com eles”, relatou o senador à BBC News Brasil.