Decisão do TST tenta corrigir injustiça cometendo outra muito maior
Exclusão dos não associados dos benefícios assegurados pelos sindicatos é inconstitucional, mas não pagamento da contribuição assistencial também dever ser
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
Nos últimos dias, ganhou destaque recente decisão da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), proferida no processo RRAg 10590-53.2020.5.18.0052, com acórdão publicado dia 6 de outubro próximo passado, que determina aos recorridos (sindicato e empresa, ambos de Anápolis-GO) que se abstenham de celebrar acordo coletivo estabelecendo benefícios exclusivos aos empregados sindicalizados.
A serena análise dessa decisão, que não é nova nem inova, pois que é repetitiva no âmbito do TST, dá a dimensão do tamanho do emaranhado que envolve o candente tema do financiamento sindical. Com toda certeza, fazendo pulular a desrazão sobre a jurisprudência da Justiça do Trabalho e do STF quanto ao assunto, o que provoca reações igualmente desarrazoadas por muitos sindicatos laborais, como a que se acha sob realce.
A ementa do acórdão, que aqui se transcreve, patenteia que a visão da Justiça do Trabalho sobre essa matéria é parcial às escâncaras. Parafraseando George Pulitzer, em “Princípios Elementais de Filosofia”, a Justiça do Trabalho fixa na árvore — liberdade de filiação sindical —, desprezando o bosque que a circunda — a organização sindical laboral.
Ei-la:
“PROCESSO Nº TST-RRAg – 10590-53.2020.5.18.0052
A C Ó R D Ã O 7ª Turma CMB/ad/cmb RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. LEI Nº 13.467/2017. NORMA COLETIVA. BENEFÍCIO CUSTEADO PELO EMPREGADOR EXCLUSIVO AOS EMPREGADOS SINDICALIZADOS. NULIDADE. TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA CONSTATADA. Em relação à transcendência econômica, esta Turma estabeleceu como referência, para o recurso do empregado/parte autora, o valor fixado no artigo 852-A da CLT e, na hipótese dos autos, há elementos a respaldar a conclusão de que os pedidos rejeitados e devolvidos à apreciação desta Corte ultrapassam o valor de 40 salários mínimos. Deste modo, considera-se alcançado o patamar da transcendência. No ordenamento jurídico brasileiro, a negociação coletiva restrita aos filiados/contribuintes do sindicato fere o disposto no artigo 8º, caput e incisos III e V, da Constituição Federal, pois fere os princípios da representatividade sindical, da unicidade e da liberdade de sindicalização. No âmbito internacional, a Convenção nº 87 da OIT, igualmente, consagra os princípios da liberdade sindical e proteção ao direito de sindicalização. A Convenção nº 98 da OIT, também, em seu artigo 2º considera ato reprovável de ingerência ‘promover a constituição de organizações de trabalhadores dominadas por organizações de empregadores ou manter organizações de trabalhadores com recursos financeiros ou de outra espécie, com o objetivo de sujeitar essas organizações ao controle de empregadores ou de organizações de empregadores’. Portanto, não é demais concluir que o benefício previsto em norma coletiva exclusivo aos filiados gera discriminação nas relações de trabalho, o que ofende o princípio da igualdade previsto no artigo 5º, I, da Constituição Federal. Ademais, é importante ressaltar que a conduta praticada pelo Sindicato dos trabalhadores e pela ré, ao estabelecer cláusulas em norma coletiva com benefícios exclusivos a empregados sindicalizados, traduz ‘conduta antissindical’, e não apenas violou o direito fundamental dos trabalhadores à liberdade de associação e sindicalização como também comprometeu, ainda que por via oblíqua, o desenvolvimento da categoria do sindicato que os representa, em virtude da possibilidade de comprometer uma das mais importantes garantias para o exercício da atividade sindical em cumprir seu dever de representação da categoria, a partir da pressão para que haja sindicalização, bem como da discriminação com aqueles que não o fazem. Precedentes da SDC. Recurso de revista conhecido e provido”.
Primeiro, toma como absolutos, insuscetíveis de quaisquer sopesamentos, o que preconizam o Art. 5º, XX, e o 8º, V, ambos da Constituição Federal (CF), segundo os quais, respectivamente: “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado” e “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato”.
De plano, é de se registrar que nenhum direito constitucional é absoluto. Até mesmo o direito à vida, o primeiro e mais relevante dentre todos, sem o qual os outros sequer existem, pode ser relativizado, como se colhe do Art. 5º, XLVII, ‘a’: “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”.
Segundo, a cobrança de contribuição para o custeio das atividades sindicais, cujo produto (convenções e acordos coletivos) se reverte em benefícios de todos, não importa violação à liberdade de associação sindical. Importa, isto sim, respeito e observância ao multimilenar princípio da isonomia, posto que, se todos se beneficiam das conquistas sindicais, nada mais legítimo e fiel aos comandos constitucionais que todos para elas contribuam, sob pena de adotar e sustentar a prerrogativa de enriquecimento sem causa, vedado pelo Art. 884 do Código Civil (CC).
Bem assim, estrito respeito ao que estabelece o Art. 5º, I, da CF, invocado na ementa sob comentários: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.
Terceiro, salta aos olhos que o acórdão sob destaque, sem o quê nem porquê, só relevou a igualdade de direitos, passando ao largo da igualdade em obrigações. O que, com o devido respeito, soa como teratológico (monstruoso).
Eis o que registra a ementa do acórdão sobre esse ponto:
“Portanto, não é demais concluir que o benefício previsto em norma coletiva exclusivo aos filiados gera discriminação nas relações de trabalho, o que ofende o princípio da igualdade previsto no artigo 5º, I, da Constituição Federal”.
A parcialidade da 7ª Turma do TST, relevando só uma via da estrada de mão dupla, estampa-se, com toda nitidez, nesse excerto da ementa do acórdão:
“Ademais, é importante ressaltar que a conduta praticada pelo Sindicato dos trabalhadores e pela ré, ao estabelecer cláusulas em norma coletiva com benefícios exclusivos a empregados sindicalizados, traduz ‘conduta antissindical’, e não apenas violou o direito fundamental dos trabalhadores à liberdade de associação e sindicalização como também comprometeu, ainda que por via oblíqua, o desenvolvimento da categoria do sindicato que os representa, em virtude da possibilidade de comprometer uma das mais importantes garantias para o exercício da atividade sindical em cumprir seu dever de representação da categoria, a partir da pressão para que haja sindicalização, bem como da discriminação com aqueles que não o fazem”.
Desse excerto extrai-se que, para a 7ª Turma, a exclusão dos não associados dos benefícios assegurados pelo acordo coletivo contestado, é inconstitucional, conclusão da qual não se pode divergir, haja vista o sindicato representar a categoria, por determinação do Art. 8º, II e III, e não apenas os filiados.
Extrai-se, também, desse excerto, com o que em nenhuma hipótese se pode concordar, que apenas o sindicato tem obrigação com a categoria, isentando-se os não filiados de qualquer reciprocidade obrigacional (sinalagma).
Mais uma vez, com o devido respeito, isso é teratológico. Aliás, é de se perguntar: em que país do mundo há direito sem dever? Nos 193 países filiados à ONU, tal disparate não existe. Isso, sim, é o que ironicamente se denomina como jabuticaba; e da pior espécie possível.
É imperioso registrar que a cobrança de contribuição de toda a categoria, para o custeio das atividades do respectivo, é constitucionalmente prevista no Art. 8º, IV:
“IV – a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei”.
Para a 7ª Turma do TST, acorde com o que, lamentavelmente, já está pacificado em todas as instâncias desse Tribunal, ao reverso do que asseverava Rui Barbosa, os encargos são, sim, dissociáveis da liberdade. No caso concreto, que discute contribuição para custeio das atividades sindicais, esse encargo é facultativo. Porém, a liberdade é absoluta! Como, nem ela uma outra instância do judiciário trabalhista e do STF explicam.
Essas disparidades, a toda evidência, é que levam à igualmente descabida restrição sob discussão, que exclui os trabalhadores não filiados de benefícios acordo coletivo impugnado.
Aqui, de novo, cabe a metáfora de George Pulitzer, já citada: só se enxergou a árvore, menosprezando-se o bosque que a circunda. Ou, dito em outras palavras, para curar a arvore — que a juízo de todos quantos pugnam pela efetiva e total liberdade sindical, não penas por metade, como o faz a Justiça do Trabalho — é preciso tratar o bosque. E o tratamento do bosque não pressupõe e muito menos admite que, para se combater essa colossal injustiça praticada pela Justiça do Trabalho, pratique-se outra, com a mesma nefasta envergadura.
Ao debate!
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee