É no ambiente escolar que devemos discutir o machismo estrutural

Primeiro Contee Conta do ano abriu série de programas sobre a luta das mulheres, que irão ao ar neste mês de março

No Contee Conta desta segunda-feira (4), tivemos como convidada a pesquisadora, advogada trabalhista e consultora Luciane Toss. Neste mês da mulher, uma das pautas debatidas foi o assédio nas instituições de ensino. E Margot Andras, coordenadora, na Contee, da Secretaria de Defesa das Diversidades, Direitos Humanos e Respeito às Etnias e Combate ao Racismo, falou sobre a importância da educação para abordar assuntos como o machismo. “É na educação que devemos discutir sobre a questão da democracia, é no ambiente escola que devemos discutir sobre o machismo estrutural, mas é ali que as meninas têm um território em que seu corpo é constantemente invadido”, começou Margot.

Ao longo da conversa, Luciane Toss mencionou a desigualdade de gênero nas estatísticas, incidências e representatividade política, ressaltando como as mulheres continuam enfrentando violências tanto no âmbito familiar quanto nos espaços públicos.

“Mesmo que o assédio seja uma violência que acomete todas as pessoas que vivem do trabalho, as mulheres e as meninas continuam figurando na ponta das estatísticas e nas incidências. Nós somos a maior parte da população brasileira e mesmo assim isso não se reflete em reconhecimento de participação. Nós estamos nas pontas, nós somos as menos representadas, nós somos estamos em menos cargos políticos, nós estamos em menos cargos de decisão em entidades e corporações e ao mesmo tempo estamos na ponta dos índices de violência sejam elas no âmbito familiar e doméstico, como também na violência cometida nos espaços públicos”, observou a advogada.

Fazendo uma correlação, Luciane Toss trouxe um dado preocupante, segundo o qual o Brasil é o 5° país no mundo em números de casamentos infantis, ficando em primeiro lugar na América Latina. “Quando falo de casamento infantil, não falo somente daquele legalizado em cartório. Falo da infinidade de meninas que estão fora do código civil que não poderiam estar em união estável ou em qualquer união afetiva, que têm entre 8 a 12 anos de idade. Nós estamos atrás apenas da Índia, do Afeganistão, e de países que a gente sabe que têm um julgamento de mulheres por conta das questões religiosas, que são países do Oriente Médio”, revelou.

A pesquisadora também explicou que isso também faz com que o Brasil seja pródigo em não proteger nossas meninas, já que temos um índice elevado de violência sexual. Existe uma construção bem eficiente, que determina que crianças e adolescentes pertencem ao poder familiar. Outro exemplo é a questão das trabalhadoras domésticas em situação degradante ou em situação análoga à escravidão.

“Grande parte dessas mulheres foi levada para esses ambientes ainda criança, foram pais e mães que entregaram essas meninas. Então, esse poder familiar é bastante importante na definição de como essas crianças são tratadas. As crianças e adolescentes são tratadas como propriedades das famílias, e é nas famílias que vai acontecer o maior número de violências contra essas crianças, sejam violências psicológicas, sejam violências físicas, sejam violências sexuais”, apontou a advogada trabalhista.

Violência trabalhista

Especificamente sobre a violência contra as mulheres no local de trabalho, Luciane considerou que essa é uma preocupação significativa que persiste em muitas sociedades. As mulheres frequentemente enfrentam assédio sexual, discriminação de gênero e formas sutis de violência no ambiente profissional, afetando negativamente não apenas seu bem-estar emocional, mas também comprometendo suas oportunidades de avanço na carreira.

A falta de medidas efetivas para combater e prevenir essas formas de violência perpetua uma cultura organizacional prejudicial, em que as mulheres podem se sentir inseguras e desvalorizadas. É imperativo que as empresas adotem políticas inclusivas, promovam a igualdade de gênero e implementem mecanismos eficazes para denúncias e resolução de casos, a fim de criar ambientes de trabalho seguros e equitativos para todas as colaboradoras. Além disso, é fundamental que as leis trabalhistas contemplem medidas robustas para coibir a violência de gênero, garantindo a proteção dos direitos das mulheres no âmbito profissional.

“O trabalho não é um lugar feito para as mulheres, as mulheres são intrusas no trabalho, as mulheres são uma interferência no trabalho. Porque toda filosofia moderna tratou de convencer o mundo de que as mulheres tinham uma incapacidade mental, a partir de uma fraqueza moral e sensorial. Com pensamentos de que homens são fortes, mulheres são fracas. Os homens são objetivos e ambiciosos e as mulheres são fracas, sensíveis e chorosas”, ressaltou a pesquisadora.

Machismo nas escolas

Outro ponto levantado foi a ideia de que professoras têm automaticamente de exercer um trabalho de cuidado, algo profundamente enraizado em estereótipos de gênero e que reflete um pensamento machista. Essa concepção não apenas subestima a diversidade de papéis desempenhados por mulheres na sociedade, mas também desconsidera a profissionalidade das educadoras. A expectativa de que as mulheres, especialmente as professoras, devam assumir naturalmente funções maternais no ambiente escolar perpetua normas de gênero prejudiciais, limitando o potencial das mulheres no campo profissional e reforçando a crença de que a principal contribuição feminina está ligada à maternidade.

“No meio disto tudo tem a maternagem. A mulher vai pro ambiente escolar com a função de educadora e também de cuidadora. Isso nas séries iniciais aparece de uma forma muito forte”, apontou Margot Andras.

A dupla jornada de trabalho enfrentada por mulheres que são mães e ainda desempenham um papel ativo no mercado de trabalho é uma realidade desafiadora e muitas vezes injusta. Além das responsabilidades profissionais, essas mulheres enfrentam uma carga adicional ao chegarem em casa, onde frequentemente assumem a maior parte das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos. A situação torna-se ainda mais complexa quando o marido, mesmo sendo co-proprietário do lar, não contribui de maneira equitativa para os afazeres domésticos, perpetuando assim a desigualdade de gênero.

A falta de compartilhamento igualitário nas responsabilidades do lar não apenas sobrecarrega a mulher, mas também perpetua estereótipos de gênero prejudiciais. Isso não apenas impacta negativamente a saúde mental e o bem-estar da mãe, mas também pode limitar suas oportunidades de avanço profissional.

“É preciso trabalhar esse estereótipo de como a maternidade é capturada pelo patriarcado, como uma forma de prejudicar a mulher no trabalho com queixas de que mulheres têm muitos direitos”, destacou Luciane Toss.

Contra o assédio

Em específico sobre o assédio, a entrevistada ressaltou a importância da Convenção 190 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que tem como objetivo a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. Para ela, é preciso que as entidades sindicais abracem a luta para que o Congresso Nacional ratifique o documento.

Vitoria Carvalho, estagiária sob supervisão de Táscia Souza

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