Ensino domiciliar no Distrito Federal é inconstitucional, afirma Ministério Público

Manifestação “de oposição” da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região aos Projetos de Lei da Câmara Legislativa do DF corroboram posição da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

O processo de autorização do ensino domiciliar (homeschooling) no Distrito Federal é inconstitucional, segundo o Ministério Público, corroborando posição da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

A procuradora Ana Maria Villa Real F. Ramos, coordenadora-regional da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente no DF, assina manifestação da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região que aponta “graves e insanáveis vícios de inconstitucionalidade que violam a garantia do direito à educação” em referência aos Projetos de Lei Nºs 356/2019, 1167/2020 e 1268/2020, aprovados na última semana pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).

“O parecer jurídico é um instrumento importante na nossa luta contra a aprovação do ensino domiciliar. É uma vitória. A procuradora traz muitos argumentos que nós já utilizamos, seja da proteção da criança e do adolescente, seja para garantir o direito à educação, além da inconstitucionalidade dos PLs”, diz Catarina de Almeida Santos, professora da UnB (Universidade de Brasília), coordenadora do Comitê DF e dirigente da Campanha.

Para ela, o posicionamento do Ministério Público, além de impactar na situação do ensino domiciliar do DF, levanta pontos para evitar a normatização da matéria a nível federal, na Câmara dos Deputados.

“Precisamos nos mobilizar para impedir que esse processo também se dê na Câmara Federal”, afirma.

“Nós compreendemos a educação numa perspectiva ampliada, como espaço de respeito à diferença e à diversidade, a educação que se dê junto com a família e o ambiente escolar vai favorecer o desenvolvimento pleno do sujeito e a formação cidadã”, explica Catarina.

Os PLs “afrontam a doutrina da proteção integral dos direitos da criança e do adolescente, os quais exigem a sua salvaguardada pelo Estado, pela sociedade e pela família”, diz o documento.

posição contrária do Ministério Público aos PLs se baseia em três argumentos principais – os quais foram levantados por nota de repúdio de mais de 90 entidades, entre elas o Comitê DF da rede da Campanha que tem organizado essa frente:

1 – Inconstitucionalidade: matéria não é de competência do DF

O MP aponta que é “competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional” e não do Legislativo do DF. A diferença entre as competências privativas e concorrentes já foi analisada pelo STF, mostra o texto, e é o Congresso Nacional que deve legislar sobre a estruturação e modulação das “diretrizes e bases da educação”.

O MP ressalta que a própria LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei Federal nº 9.394/1996) “estabelece orientações em relação às demais modalidades de ensino, tais como a presencial e a distância, logo, o regime de ensino doméstico é mais uma modalidade, a ser tratado da mesma forma como o foi na LDB, e não ser regulada de forma diferente por cada Estado-membro da Federação”.

2 – Necessidade de legislação federal prévia

A procuradora escreve que há “necessidade de prévia legislação federal para tratar do ensino em domicílio conforme decisão do Supremo Tribunal Federal”. Ela lembra que o STF já teve a oportunidade de tratar sobre a matéria – decidindo pela necessidade de lei formal editada pelo Congresso Nacional. Os PLs, portanto, “ofendem o disposto no art. 208, I, da CF [Constituição Federal] e usurpam a competência legislativa privativa da União para disciplinar sobre ‘diretrizes e bases da educação’, contrariando frontalmente o disposto no art. 22, XXIV, da CF”.

3 – Ensino domiciliar se afasta do direito fundamental à educação

O texto ainda aponta que o ensino domiciliar se distancia das leis vigentes por não suprir, em sua íntegra, as “demandas educacionais normativamente impostas”, dado que a educação é um direito social. “Na legislação nacional”, diz o texto,”a educação também transcende a conteúdos programáticos lecionados em classe. É o que se infere da Constituição Federal, da LDB e do Estatuto da Criança e do Adolescente”.

A procuradora pontua que o art. 1º da LDB prevê que a educação abrange “os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.

O texto do MP afirma que crianças e adolescentes longe da escola – como os PLs permitem – “ficarão mais expostos à exploração do trabalho infantil, especialmente o doméstico, e à própria exploração sexual e o trabalho infantil no tráfico de drogas, todas classificadas como piores formas de trabalho infantil.”

Dados usados manifestação da Procuradoria se baseiam em documentos de órgãos internacionais como Unesco e Unicef, além da nota de repúdio que foi coordenada e assinada pelo Comitê DF da rede da Campanha.

A Campanha, a nível nacional, já se posicionou de forma contrária à educação domiciliar recentemente, quando o tema foi pautado na MP 934, do Ano Letivo. Além de considerá-la inconstitucional e de violar o direito à educação de forma plena, a Campanha reitera que esse tipo de ensino traz riscos para a proteção de crianças e adolescentes.

Campanha

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