Estagnado, Ciro Gomes vê pressão por voto útil aumentar
Com apenas 8% das intenções de voto, candidato do PDT passa a enfrentar dissidências pró-Lula em suas fileiras e apelos para desistir. Ataques de Ciro ao PT geram incômodo e passam a ser reproduzidos por bolsonaristas
A 11 dias do primeiro turno da eleição presidencial, o candidato Ciro Gomes (PDT), que permanece estagnado com 8% das intenções de voto, tem enfrentado sinais de dissidência em seu próprio partido e apelos para retirar sua candidatura com o objetivo de ajudar o petista Luiz Inácio Lula da Silva a derrotar o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro já em 2 de outubro, evitando a realização de uma segunda rodada de votação.
Na semana passada, um manifesto intitulado “Trabalhistas pela democracia: o voto necessário”, reuniu assinaturas de membros e ex-membros do PDT, sobretudo figuras ligadas ao ex-governador Leonel Brizola (1922-2004), o fundador da sigla, para pedir que os eleitores votem em Lula. Com tom crítico à postura do presidenciável pedetista nos últimos meses, o texto apoiado por membros dessa “velha guarda” pedetista diz que o Ciro que costumava manter uma “sintonia fina” com o campo progressista “já não existe mais”.
“Não se trata de voto útil. É uma necessidade histórica, algo que, mais uma vez, lamentamos ver Ciro Gomes, uma figura ímpar para pensar o desenho institucional do país, ser incapaz de enxergar essa quadra da história”, diz o texto.
Nesta terça-feira, foi a vez a de políticos e intelectuais latino-americanos divulgarem uma carta pedindo que Ciro retire sua candidatura para assegurar que Bolsonaro seja derrotado de maneira decisiva em 2 de outubro.
“A dura realidade é que mantendo sua candidatura, querido companheiro Ciro, a única coisa que fará será dispersar forças, debilitar o bloco antifascista, facilitar a vitória de Bolsonaro e eventualmente abrir caminho a um novo golpe de Estado”, diz o documento, assinado por figuras como o recipiente do prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, o ex-presidente equatoriano Rafael Correa, o ex-vice-presidente argentino Amado Badou e o jornalista espanhol Ignacio Ramonet.
Mesmo com Ciro possuindo apenas chances remotas de chegar a um segundo turno, a cúpula do PDT tem tentado resistir à pressão de apelos pelo “voto útil” e continua a afirmar que se mantém firme no apoio ao seu presidenciável.
Sinais de racha no PDT
O manifesto não foi o único sinal de dissidências pró-Lula dentro do PDT. Alguns antigos membros do partido também declaram publicamente apoio a Lula e recriminaram Ciro pela estratégia de atacar o petista ou tentar traçar equivalências entre o ex-presidente social-democrata e o extremista de direita Jair Bolsonaro.
A ex-deputada Cidinha Campos, filiada ao PDT desde 1982 e membro do diretório nacional da sigla, criticou Ciro abertamente nesta semana. “Estou muito triste com o Ciro. Ele está ensandecido, se deixou contaminar pelo ódio. O PDT precisa dar um basta, precisa dizer que não dá mais para ele. (…) Perder é do jogo, mas o Ciro sabe que vai perder e está ajudando claramente o Bolsonaro”, disse, em entrevista ao jornal O Globo.
Ainda nesta semana, o ex-deputado estadual Haroldo Ferreira (PDT-PR) anunciou em carta enviada ao presidente da sigla, Carlos Lupi, que pretende apoiar Lula. Ele ainda pediu seu afastamento do diretório nacional do partido e da vice-presidência da Fundação Leonel Brizola.
Sintomas de racha do PDT também se fazem sentir em algumas campanhas estaduais do partido, com candidatos a governador pela sigla evitando veicular a imagem de Ciro em suas campanhas, especialmente no Nordeste, onde Lula lidera com mais de 59% das intenções de voto, segundo o Datafolha.
Mesmo no Ceará, terra de Ciro, o candidato do PDT ao governo, Roberto Cláudio, tem evitado expor Ciro Gomes em seu material de campanha – pesquisa Ipec mostrou Lula com 58% das intenções de voto entre os cearenses.
Ciro reagiu negativamente às notícias em relação à dissidência pró-Lula dentro do seu partido, rebatendo especialmente o manifesto como “fake news”.
Até Brizola vira motivo de disputa
Na disputa interna, até mesmo a memória do fundador do partido, o “caudilho” Leonel Brizola, passou a ser instrumentalizada. Na carta em que anunciou seu apoio a Lula, o ex-deputado Haroldo Ferreira, disse que os ataques de Ciro a Lula negam “a história dos posicionamentos de Brizola” e lembrou que o ex-governador apoiou Lula no segundo turno da eleição presidencial de 1989, “apesar de diferenças existentes à época”.
Já o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, que apoia Ciro, usou Brizola para atacar os dissidentes dentro do partido. “Eu quero lembrar Brizola [que dizia]: ‘a política, a mídia poderosa, os políticos tradicionais adulam e adoram traidores, mas a história os abomina'”, disse na terça-feira.
O campo cirista dentro do PDT também articulou o seu próprio manifesto para reforçar apoio ao candidato. No documento, constam as assinaturas da deputada estadual Juliana Brizola (PDT-RS) e do ex-deputado e ex-ministro Brizola Neto (PDT-RJ), ambos netos de Leonel Brizola. Outro neto, o candidato a deputado Leonel Brizola Neto, apoia Lula e concorre a deputado pelo PT.
Lula e Bolsonaro. Campanha de Ciro Gomes pinta social-democrata e extremista de direita como equivalentes
Campanha “antissistema”
Em sua quarta tentativa de chegar ao Planalto, Ciro liderou uma campanha declaradamente “antissistema”. E, como parte dessas estratégia, o candidato adotou um discurso crítico em relação aos dois principais candidatos na disputa – Lula e Bolsonaro – frequentemente pintando o social-democrata e o extremista de direita como equivalentes. “Esquerda e direita foram e são cúmplices do mesmo modelo”, disse em julho – dezenas de declarações semelhantes seriam feitas nos meses seguintes.
Mas a insistência de Ciro de pintar Bolsonaro e Lula como iguais logo passou a alimentar a insatisfação entre alguns membros do PDT. Na reta final, Ciro também passou a fazer ataques isolados a Lula, deixando algumas vezes Bolsonaro em segundo plano.
Inicialmente, a cúpula do PT evitou confrontar Ciro diretamente pelos ataques, aparentemente com o objetivo de preservar terreno para uma reaproximação num eventual segundo turno. Lula até tentou fazer afagos no pedetista durante o debate da rede Bandeirantes, no fim de agosto, mas Ciro rejeitou os gestos e respondeu com novas críticas. No dia seguinte, foi a vez de Ciro usar suas redes sociais para fazer insinuações sobre o estado de saúde de Lula, que tem 76 anos, afirmando que o ex-presidente está “fraco fisicamente e psicologicamente”.
Em resposta, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, acusou Ciro de fazer “uma aliança com Bolsonaro para atacar Lula”.
Depois do debate, a cúpula petista também passou a promover mais sistematicamente a estratégia de “voto útil” para garantir que Lula vença no primeiro turno – antes, os apelos partiam mais da militância petista,de setores sindicais e da imprensa pró-petista.
Ataques de Ciro a Lula são reproduzidos por bolsonaristas
Algumas das críticas recentes do petista também foram feitas em programas alinhados ao bolsonarismo. No canal SBT, em entrevista ao apresentador Ratinho, um amigo pessoal de Bolsonaro, Ciro afirmou que “se se você deixar, o PT bate sua carteira”. No início do mês, ele já havia comparecido ao programa Pânico, da rádio bolsonarista Jovem Pan, no qual fez novas insinuações sobre a saúde de Lula e chamou o PT de “organização criminosa”.
Nas últimas semanas, o tom dos ataques de Ciro a Lula passaram até mesmo a ser explorados por bolsonaristas, que escolheram ignorar as críticas do pedetista ao presidente e, em vez disso, resolveram destacar as falas contra o candidato do PT.
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, reproduziu no seu Twitter um vídeo em que o candidato do PDT afirma que Lula “financia um gabinete do ódio mais picareta de toda a história do Brasil”.
Poucos dias depois, o ativista bolsonarista Rodrigo Constantino, da rede Jovem Pan, elogiou a forma como Ciro vem atacando Lula e o PT e também reproduziu um vídeo com falas do pedetista. “Ele (Ciro) está detonando de maneira bonita o encantador de serpentes”, disse, usando o apelido que o próprio Ciro usou contra Lula durante o debate dos presidenciáveis.
Antes deles, o ministro Augusto Heleno e os deputados federais de extrema direita Eduardo Bolsonaro e Bia Kicis já haviam reproduzido em suas redes falas de Ciro contra o PT.
Cenário difícil para Ciro
No último ano, Ciro nunca passou de 9% das intenções de voto em levantamentos realizados pelo Datafolha. Na última pesquisa do instituto, estava estagnado em 8%. Já a mais recente pesquisa Ipec apontou que ele tem apenas 7%.
Para piorar a situação de Ciro, seu eleitorado é o mais volátil entre os dois três principais candidatos. Enquanto 86% dos eleitores de Lula e Bolsonaro afirmam que estão totalmente decididos em relação ao voto para presidente, o índice é de 48% entre os apoiadores de Ciro, com 52% afirmando que podem mudar seu voto até a eleição, segundo Datafolha divulgado em 15 de setembro. Em 18 de agosto, antes que os apelos pelo “voto útil” pró-Lula tivessem se tornado mais sistemáticos, o percentual de eleitores decididos de Ciro chegava a 64%.
O instituto ainda indica que a estratégia de Ciro em atacar Lula e Bolsonaro não provavelmente nunca teve chances de alavancar seu crescimento. Simplesmente faltam eleitores em número significativo que rejeitem igualmente os dois líderes das pesquisas. Em 13 de setembro, o Datafolha apontou que apenas 6% do eleitorado afirma que não votaria de jeito nenhum em Lula e Bolsonaro – um percentual semelhante ao eleitorado que ainda declara apoio a Ciro.