IES na Bolsa de Valores e a ‘desregulamentação’ da educação superior

IMG_1394O ensino superior Brasileiro, após a Lei 9.394/96 promulgada em 20 de dezembro de 1996, regulou princípios, fins, direitos, deveres, ações educacionais e alocação de recursos financeiros. A partir dessa lei passaram-se a observar significativas transformações na educação superior, expandindo a fundação (criação) de diversas IES – Instituições de Ensino Superior por todas as regiões do país. A ideologia base para facilitar a expansão do ensino privado é de que a “educação é um elemento chave na construção de uma sociedade”. Essa concepção, entre outras, trouxe uma espécie de “desregulamentação” do ensino superior, pautada por um modelo neoliberal em que o mercado é a solução, fomentando uma ampliação de novas vagas e oportunidades de qualificação. O resultado é o número de matrículas anuais, nos cursos privados de graduação que passaram de 1 (um) milhão de alunos em 1996 a mais de 4 (quatro) milhões atualmente, um mercado que se aproxima a R$ 30 bilhões de receita anual.

Juntamente a esse novo modelo, o avanço da tecnologia da informação e comunicação teve influências significativas, havendo um intensivo aumento no uso da tecnologia em aplicativos, serviços genéricos e infraestrutura.

A ampliação da variedade e flexibilidade das IES, que nasceram sobre os novos mecanismos de ensino e com a tecnologia, atendeu a lógica do mercado, que foi a racionalização do capital, através da minimização de custos e o investimento na expansão em escala.

Diversos grupos de empresas educacionais enxergaram oportunidades efetivas de expansão e passaram a dar um caráter empresarial aos seus negócios.

Três imponentes grupos educacionais brasileiro, entendendo e percebendo a grande oportunidade de um mercado em expansão abriram o capital na última década; são eles a Anhanguera Educacional Participações S/A, Kroton Educacional S/A e Estácio Participações S/A.

Para uma empresa abrir o capital, precisa se estabelecer como uma sociedade anônima, posteriormente a empresa precisa estar registrada em uma Bolsa de Valores. No Brasil a bolsa que congrega e negocia as ações de empresa de capital aberto é a Bovespa – Bolsa de Valores de São Paulo, cuja sede está na cidade de São Paulo. Para realizar uma emissão pública de ações, além do registro na Bovespa, uma empresa precisará da autorização da Comissão de Valores Mobiliários e a adaptação de sua contabilidade à lei contábil nacional, regida atualmente pela Lei 11.638/07, que adaptou a contabilidade nacional a preceitos da contabilidade internacional, regidos pelo Iasb – International Acconting Standards Board e IFRS – Internacional Financial Reporting Standards.

Essas novas regras, em consonância a preceitos internacionais, ampliaram a transparência dos Demonstrativos Financeiros a investidores. Foram realizadas várias modificações, como renomeação de contas e subcontas e novos procedimentos contábeis para o Balanço Patrimonial e Demonstrativo dos Resultados, bem como implementação de novos demonstrativos como o DFC – Demonstrativo de Fluxo de Caixa e o DVA – Demonstração de Valor Adicionado.

As empresas educacionais aqui citadas basicamente nasceram no período de implantação dessas novas regras. Essas regras se tornaram obrigatórias a partir dos balanços publicados em 31/12/2010. O principal objetivo dessas regras é o de dar ao mercado transparência contábil em relação aos “princípios contábeis geralmente aceitos”.

As três empresas seguem uma mesma linha e estão classificadas no conceito de “novo mercado” e “níveis de governança corporativa”, que conforme a Bovespa “são segmentos especiais de listagem que foram desenvolvidos com o objetivo de proporcionar um ambiente de negociação que estimulasse, ao mesmo tempo, o interesse dos investidores e a valorização das companhias”. Essas companhias se comprometem com a adoção de práticas de governança corporativa. Outra diferença é que o capital social deverá ser composto por 100% de ações ordinárias, que sãos aquelas que dão direito ao voto, não permitindo a emissão de ações preferenciais, que não dão direito ao voto e têm direito apenas à distribuição dos lucros.

Foi através das operações de IPO – Initial Public Offering (traduzindo: “emissão pública de ação”), que também é denominado de “mercado primário”, que as empresas capitaram expressivos recursos monetários junto ao mercado para posteriores aplicações em seus objetivos de investimentos e/ou expansão. As três Instituições de ensino aqui citadas realizaram, além das emissões primárias, as operações de underwriting (emissão de debentures) e capitaram milhões de reais que possibilitaram significativa expansão, com aquisição de diversas faculdades em diversas regiões do Brasil e possibilitaram faturamentos bilionários e polpudos lucros como veremos nesta matéria.

Comparamos no quadro abaixo o resultado das empresas aqui citados demonstrando o Balanço encerrado em 31/12/2012, observem:

Exercício   encerrado em 31/12/2012 Kroton Anhanguera Estácio
Balanço   Consolidado (Milhares de Reais) KROT3* AEDU3* ESTC3*
Ativo   Circulante

540.543

896.650

511.227

Ativo   Não Circulante

3.243.377

2.827.871

728.583

Ativo Total

3.783.920

3.724.521

1.239.810

Passivo   Circulante

368.557

504.883

193.312

Passivo   não Circulante

1.169.159

1.010.499

339.463

Patrimônio   Líquido

2.246.204

2.209.139

707.035

Passivo Total

3.783.920

3.724.521

1.239.810

Receita Operacional Líquida

1.405.566

1.697.383

1.383.288

Lucro   Bruto

642.725

635.638

505.928

Resultado   Antes das Despesas Financeiras

243.056

209.725

148.690

Resultado   Líquido Antes do Imposto de Renda

208.621

156.933

114.927

Resultado do Período (Lucro Líquido)

202.044

152.048

109.687

*Código da ação negociada no mercado.

As três empresas vêm apresentando expansão desde as primeiras emissões públicas de ação e debentures. O faturamento das três empresas é significativo e elas apresentaram crescimentos nominais em relação ao exercício encerrado em 31/12/2011. A Kroton foi de 91,5 %, quase dobrando a ROL – Receita Operacional Líquida em relação ao ano anterior. A Anhanguera, que vem apresentando bons crescimentos ano a ano, manteve bons níveis de evolução em 2012 em relação ao ano anterior, crescendo 30,4%. A Estácio foi a que apresentou menor crescimento, mas mesmo assim foi de 20,4%. Poucos negócios apresentam tais níveis anuais de expansão econômica, ainda mais considerando um ano em que o crescimento da economia foi ínfimo e inclusive com o Produto Interno Bruto tendo sido batizado de “pibinho”.

O ponto de maior destaque foi a continuidade de aquisição de novas IES – Instituições de Ensino Superior pelas empresas educacionais, o que, mais que a expansão do ROL, incentivou a expansão dos “lucros”. A Kroton apresentou um crescimento substancial e atingiu 446% em relação a 2011. A Anhanguera atingiu 261%. A Estácio foi a de menor crescimento, mas mesmo assim cresceu 56,3%, mais que proporcionalmente ao seu ROL, que foi apresentado acima com um crescimento de 20,4%.

Para a lógica do mercado, todas as três empresas “saltam aos olhos”: suas ações são bem procuradas e possuem excelente liquidez no mercado e bons preços, todas em ascensão desde a abertura do capital.

Dois fatores relevantes que é possível notar no Relatório Anual das três empresas são: a) os investimentos em EAD – Ensino a Distância e consequente expansão dos polos de ensino. Utilizam também o conceito de EAD, através dos AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem nos cursos presenciais para atividades complementares, já que, conforme regulamentação do MEC – Ministério da Educação, 20% da carga horária das aulas presenciais poderão ocorrer através de tais atividades; b) as três instituições têm atuado fortemente com alunos advindo de classes sociais menos abastadas economicamente, o que resulta em repasses significativos de apoio financeiro governamental.

Detalhes importantes na expansão das três instituições foram às demissões de professores, que para o mercado, principalmente o brasileiro, não têm relevância alguma, pois importam os resultados de curto prazo. Entretanto, a racionalidade capitalista, na concepção de um produto eficaz, não pode ser extensiva à educação, pois educação não se “pasteuriza”. Mas se percebe que os cursos no ensino superior brasileiro estão dessa forma sendo implementados: um modelo “pasteurizado”, que atende a lógica capitalista da escala produtiva e do crescimento viral.

Essas considerações nos remetem à seguinte questão: conseguirá este modelo conquistar níveis de excelência para objetivos centrais da educação, como uma formação que atenda o desenvolvimento humano e não Mediocrizada?

Amaury José Alves Aranha

Professor de Economia e Finanças, Mestre em Educação e Doutorando no programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Humano e Tecnologia na UNESP. Economista número do CRE – 28420.

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