Método criado por Feder chamou de antipatriota quem combateu ditadura
Um slide de geografia para alunos de escolas estaduais do Paraná chamou de “antipatriotas” pessoas que combatiam as ditaduras militares na América do Sul. Criticado por professores, o uso de slides nas aulas foi implantado no estado em 2020 pelo então secretário da Educação, Renato Feder, que hoje tem o mesmo cargo no governo de Tarcisio de Freitas (Republicanos), em São Paulo.
O que aconteceu
O conteúdo aborda as ditaduras na América Latina e cita a Operação Condor — uma aliança entre determinados países para perseguir e matar quem era contra os regimes militares nas décadas de 1970 e 80. Os slides fazem parte da disciplina de geografia para as turmas da 2ª série do ensino médio e foram disponibilizados na última semana de agosto.
“Essa aliança visava perseguir esquerdistas, antipatriotas e subversivos nos países do Cone Sul, independentemente de sua nacionalidade.”
Trecho de slide do Paraná, posteriormente reescrito, após reclamação de professores
Professores criticaram a abordagem usada no material. “Não podemos aceitar o negacionismo e o revisionismo histórico que esse tipo de slide apresenta”, disse Vanda do Pilar, secretária educacional do sindicato dos professores do Paraná.
O governo de Ratinho Júnior (PSD) disse à reportagem que abriu um processo para apurar a responsabilidade pela produção do texto. “A Seed-PR [Secretaria de Estado da Educação do Paraná] não compactua com as informações divulgadas e reforça que não tem qualquer posicionamento político”, afirma.
O slide foi alterado no início deste mês, na semana seguinte à da publicação, segundo a secretaria. “Essa aliança visava perseguir opositores e pessoas consideradas subversivas à ordem estabelecida nos países do Cone Sul”, diz a nova versão do texto a que a reportagem teve acesso.
Para o sindicato, a alteração ainda é problemática. Segundo a entidade, ficou mantido no texto “o viés ideológico de defesa de um Estado governado por regimes autoritários, sem democracia, e de criminalizar qualquer espectro político”.
“Os conteúdos são utilizados como apoio pedagógico (assim como os livros didáticos), para o desenvolvimento das aulas, não sendo seu uso obrigatório. Todo o material disponibilizado é editável e seu conteúdo (desde eventuais erros gramaticais ao uso de termos específicos) pode ser alterado pelos próprios docentes.”
Secretaria da Educação do Paraná
A pasta afirmou também que disponibiliza um canal de atendimento para que os professores registrem “contribuições e eventuais apontamentos, permitindo que os recursos de apoio disponíveis sejam atualizados, quando necessário”.
Diferença entre ricos e pobres
No início do ano, o UOL mostrou que um slide da disciplina de educação financeira diferenciava “mentalidade rica” e “mentalidade pobre”. Em um dos trechos, o documento, que foi posteriormente alterado, dizia que as pessoas de “mentalidade pobre não levam a sério nem a matemática básica”. Já as de mentalidade rica “levam a sério o dinheiro”.
O uso dos slides e de plataformas no estado do Paraná é criticado frequentemente pelos professores. No mês passado, a categoria lançou a campanha “Plataformas Zero” e para ficar um dia sem usar qualquer ferramenta digital.
Os aplicativos também foram implementados por Feder tanto no Paraná como em São Paulo — o secretário tem repetido no governo Tarcísio ações e programas polêmicos que já haviam sido lançados na gestão Ratinho Junior.
Procurado pelo UOL, Feder não respondeu. Em agosto, ele defendeu o método em entrevista à Folha de S.Paulo. “O professor perdia muito tempo escrevendo na lousa. Agora, em um clique, todo o conteúdo estará na lousa digital ou no aparelho de televisão da sala de aula”, disse.
Erros em slides de SP
No final do mês passado o UOL revelou diversos erros encontrados em slides ofertados em escolas de SP. Um deles indicava que a capital tem praia e que Dom Pedro 2º, e não sua filha, a Princesa Isabel, assinou a Lei Áurea em 1888, colocando fim à escravidão.
Uma análise feita por autores de livros didáticos indicou também que o material é “raso, superficial e enfadonho”. A implementação dos slides começou em abril deste ano.
A secretaria disse que afastou os responsáveis pela produção do material. Na semana passada, o governo paulista disse que revisou “mais de 25 mil páginas” dos slides. O vice-governador Felício Ramuth disse ao colunista Jamil Chade que a crise aberta devido aos erros nos materiais era uma “questão superada”.
Professores e especialistas avaliam, entretanto, que ainda há problemas. “O material digital não deveria estar nas salas de aula”, disse Marcia Cecilia Condeixa, presidente da Abrale (Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos).