MPF denuncia militares por homicídios durante a Guerrilha do Araguaia
Na última quarta-feira (28) o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação penal na Justiça contra dois militares da reserva do Exército por crimes ocorridos durante a Guerrilha do Araguaia, movimento de resistência à ditadura militar.
Lício Augusto Ribeiro Maciel – conhecido na época da ditadura como major Asdrúbal – é acusado pelos homicídios dos militantes André Grabois, João Gualberto Calatrone e Antônio Alfredo de Lima e pela ocultação dos cadáveres das vítimas. Sebastião Curió Rodrigues de Moura – conhecido na época como doutor Luchini – foi denunciado pela ocultação dos cadáveres.
Para o MPF, trata-se de homicídios qualificados, por terem sido praticados à emboscada e por motivo torpe. Outros agravantes das penas, segundo o MPF, é que os crimes foram cometidos com abuso de autoridade e violação a deveres inerentes aos cargos dos militares.
O MPF também pediu à Justiça Federal em Marabá, no Pará, que os acusados sejam condenados ao pagamento de danos em quantia equivalente à indenização paga aos familiares das vítimas, a ser atualizada durante o processo judicial. Outro pedido foi o de que os acusados sejam condenados à perda dos cargos públicos, com o cancelamento das aposentadorias e a devolução de medalhas e condecorações recebidas.
Execuções sumárias
Os assassinatos ocorreram em 13 de outubro de 1973 em São Domingos do Araguaia, no sudeste do Pará. O grupo militar de combate responsável pela execução dos militantes era comandado por Lício Maciel. Segundo a ação, os militares emboscaram os militantes enquanto eles estavam levantando acampamento em um sítio.
A emboscada, as mortes e as ocultações dos cadáveres descritas na ação do MPF estão comprovadas por documentos e inúmeros depoimentos prestados por diversas testemunhas ao MPF e a outras instituições.
Foram também citados depoimentos dados por militares e pelo próprio Lício Maciel. Ele descreveu assim a primeira execução: “Os meus companheiros, que chegavam, acertariam o André, caso eu tivesse errado, o que era muito difícil, pois estava a um metro e meio, dois metros dele”. Outra testemunha presencial do fato relata que: “foram pegos de surpresa, não tendo tempo para reação … o Exército chegou atirando de metralhadora”.
“O crime foi cometido por motivo torpe, consistente na busca pela preservação do poder usurpado no golpe de 1964, mediante violência e uso do aparato estatal para reprimir e eliminar opositores do regime e garantir a impunidade dos autores de homicídios, torturas, sequestros e ocultações de cadáver”, diz a ação assinada pelos procuradores da República Tiago Modesto Rabelo, Ivan Cláudio Marx, Andréa Costa de Brito, Lilian Miranda Machado, Sérgio Gardenghi Suiama e Antônio do Passo Cabral, no âmbito da Força Tarefa Araguaia, constituída pela Procuradoria Geral da República.
Ocultações em série
Sob a orientação de Lício Maciel, no dia seguinte aos assassinatos um grupo de militares acompanhado por um mateiro (guia civil) enterrou os corpos em valas abertas em outro sítio de São Domingos do Araguaia.
Entre agosto de 1974 e 1976, as ossadas foram removidas para outros lugares e novamente ocultadas em locais ainda desconhecidos durante a “Operação Limpeza”, uma operação militar de encobrimento dos vestígios das ações de repressão à dissidência política no Araguaia. Entre outros militares, a coordenação dessa operação estava sob responsabilidade de Sebastião Curió, apontado como um dos poucos que tem conhecimento dos locais onde sepultadas as ossadas dos militantes.
“Nessa operação, Sebastião Curió foi o responsável por coordenar a retirada dos corpos das covas e locais nos quais originariamente foram deixados, posteriormente enterrando-os ou de alguma forma ocultando-os em locais diversos, até então não conhecidos”, registra a denúncia.