O caso da Unochapecó e o risco às universidades comunitárias
O Sinproeste e o Saae Oeste, entidades filiadas à Contee, denunciaram ontem (3) a alteração do estatuto da Unochapecó que faz com que a comunidade acadêmica — professores, técnicos administrativos e estudantes — perca força com a redução de representação nas instâncias de decisão. A mudança se torna ainda mais grave com a eliminação de eleição direta para a escolha do reitor da universidade.
Os posicionamentos dos dois sindicatos foram reproduzidos hoje (4) no Portal da Contee, na coluna “Tá na rede das filiadas”. Conforme o Sinproeste, a alteração representa “um retrocesso e ao mesmo tempo uma medida contraditória para uma universidade comunitária”.
“A proposição de alteração do Estatuto já tinha sido submetida ao Conselho Universitário da Unochapecó (Consun) em maio deste ano. Integrado por dirigentes, professores e estudantes, que vivenciam o dia-a-dia da universidade, se posicionaram contrários a alteração, que não foi aprovada”, apontou o sindicato docente. Na matéria, a presidenta do Sinproeste, Juleide Almeida Corrêa, disse que “reconhecemos a autonomia do Conselho da Fundeste [Fundação Universitária do Desenvolvimento do Oeste], mas não podemos aceitar essa decisão, principalmente porque não é um avanço para uma gestão plural, e sim um retrocesso”.
Já o Saae Oeste, que representa os trabalhadores técnicos administrativos, apontou o perigo que a medida significa para a democracia. “Lamentamos muito essa decisão, pois quando a universidade, espaço que deve primar pela pluralidade de pensamentos, altera seu estatuto com o argumento de que a democracia dá muito trabalho, a sociedade toda está em risco.”
Comunitárias ameaçadas
Esse perigo não afeta apenas a Unochapecó. A decisão unilateral do Consun da universidade comunitária catarinense também foi denunciada ontem à Contee pela coordenadora da Secretaria de Assuntos Educacionais e Formação da Confederação, Adércia Bezerra Hostin dos Santos. E não apenas pela própria alteração estatutária isolada — que, por si só, já é extremamente grave e antidemocrática —, mas também pela forma como o precedente pode afetar outras universidades comunitárias, tanto em Santa Catarina, quanto do Rio Grande do Sul, estados em que essas instituições são mais comuns.
A diretora da Contee conversou com o presidente do Saae Oeste, Ademir Miguel Salini, e também com professores da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) — localizada na base de Adércia, que é presidenta do Sindicato dos Professores de Itajaí e Região — e da Universidade da Região de Joinville (Univille), para saber como continua os processos eleitorais nessas instituições. “Precisamos falar dessa estrutura e de como as universidades comunitárias estão sendo golpeadas”, alertou, lembrando que, em 2019, a então também comunitária Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), com sede no município de Tubarão, foi vendida para o Grupo Ânima, que manteve o nome Unisul, aproveitando-se de seu capital simbólico.
“Não é de hoje que a política neoliberal chegou às universidades comunitárias. São instituições sem fins lucrativos, constituídas na forma de fundações, algumas ligadas a projetos municipais de expansão da educação superior. Outras, além de comunitárias, são confessionais, como as católicas e presbiterianas. Em certa medida, todas estão passando por reformulações frente ao modus operandi do mercado. Algumas, de forma mais agressiva, colocando fim ao caráter comunitário, com a precarização do trabalho docente, aumento abusivo do número de alunos por sala, inserção na educação a distância sem qualidade, fim do plano de carreira, padronização do ensino”, observou Adércia, em artigo escrito em parceria com o professor universitário José Isaías Venera, ex-integrante da Diretoria Plena da Contee, e publicado há cerca de um ano no site da revista Carta Capital.
“Em Santa Catarina temos sentido essa afronta de forma muito acentuada”, comentou ela agora, em relação à alteração estatutária na Unochapecó. “Essa decisão vale para o próximo processo eleitoral, daqui a dois anos. Mas pense bem: eles acabaram de assumir e já dão um golpe desse porque, daqui a dois anos, as pessoas já assimilaram e não fazem muito estrondo. É bem o passo a passo de como eles vão desconstruindo o papel das universidades comunitárias.”
O que implica a alteração
De acordo com Ademir Salini, presidente do Saae Oeste, que acompanhou a sessão remota do Consun da Unochapecó, tanto o relator do processo quando o presidente da Fundeste alegaram que “ainda vão criar outro mecanismo, em outro momento, para discutir a forma como isso vai ser feito, dizendo até que pode ter uma eleição indireta, com mais de um candidato a reitor”. Alegaram também, segundo ele, que o presidente da Fundeste vai analisar o plano de gestão de cada candidato. “Mas a gente sabe que isso é balela. Na prática o que vai acontecer é que o presidente da Fundeste vai indicar o reitor.”
No Rio Grande do Sul (onde também há uma profusão de comunitárias), de acordo com diretor do Sinpro/RS e presidente da CUT/RS, Amarildo Cenci, não houve caso semelhante. “Aqui não teve até hoje nenhuma alteração estatutária nessas mais democráticas. As que originalmente tinham os conselhos permaneceram com os conselhos, não evoluíram nem involuíram no sentido de eventualmente ter uma comissão especial que eleja [seus reitores]”, disse.
“Na maioria, a escolha é por eleição direta, exceto na PUC, na Unisinos [Universidade do Vale do Rio dos Sinos] e na Unilasalle [Universidade La Salle], que são, obviamente, comunitárias religiosas, assim também como na UCPel [Universidade Católica de Pelotas], em que é o bispo que indica”, ponderou. “Mas a maioria das comunitárias mesmo segue estatutos com eleição mais geral, tipo a UPF [Universidade de Passo Fundo], em que todos votam. E não há mudança em nenhuma delas com relação ao estatuto. Tomara que não tenha.”
Por Táscia Souza