“O direito de ensinar está sob ataque no Brasil”, diz Gilson Reis
Em conversa com a Fórum, o coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Ensino afirma que a educação brasileira está sendo desmontada por causa de “um falso moralismo cristão e fundamentalista”
Em tempos de normalidade, hoje era para ser um dia festejado no Brasil, porém, o sob a égide de um governo fundamentalista que se elegeu marginalizando as universidades e que tinha como símbolo de campanha uma arma, era um fato que a educação não estaria entre as suas prioridades, ou melhor: podemos até dizer que está em sua prioridade, mas impondo uma profunda política de desmonte a partir de uma concepção fundamentalista sobre o que deve ser o espaço educacional: militarizado e criacionista.
Para Gilson Reis, que é o Coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) “a educação brasileira está sendo desmontada e destruída sob a perspectiva de um falso moralismo cristão de concepções fundamentalistas. A educação está sendo destruída com a falsa discussão da ordem estabelecida nos quartéis”.
Além de fazer uma profunda análise sobre o atual quadro da educação brasileira, conversamos com Gilson Reis sore os desafios que o próximo governo, caso seja do campo progressista, terá de enfrentar para desfazer os retrocessos impostos pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e também como construir uma educação pós neoliberalismo.
“A primeira grande questão é o seu financiamento e essa é a maior crise da educação brasileira: o financiamento. Sem financiamento não há educação. Existem setores ligados a educação privada dizendo que existe dinheiro, mas que falta gestão. E agora eles querem privatizar a escola pública e passar a gestão ao setor privado, às OS (Organização Social). É uma luta política que nós fazemos permanentemente no sentido de dizer que a escola precisa de dinheiro, precisa de financiamento, de investimento para superar as suas mazelas e as suas dificuldades”, diz Gilson Reis.
Fórum – Há alguma coisa para se comemorar neste Dia do Professor?
Gilson Reis – Eu penso que sim, nós temos muito a comemorar por que a nossa luta, a nossa resistência, a nossa capacidade de reinventar a nossa profissão, reinventar a nossa forma de lidar como cotidiano tão avassalador que é a educação, isso nos coloca em um patamar elevado e, portanto, nos coloca na posição de comemorarmos essa data em função daquilo que nós professores e professoras representamos nessa sociedade, representamos, inclusive, como esperança, como possibilidades de reconstruções de afetividades, relações e acolhimento. Então, há um conjunto de questões que envolve a profissão professor que precisa ser enaltecida nesse dia, porque a vida no cotidiano é muito dura.
Ao mesmo tempo, nós podemos dizer que a educação brasileira está sendo desmontada e destruída sob a perspectiva de um falso moralismo cristão de concepções fundamentalistas. A educação está sendo destruída com a falsa discussão da ordem estabelecida nos quartéis através de ações de ordens de possibilidade de manutenção de uma estrutura rígida aonde o pensar, o fazer, o refletir, o questionar não está presente nessa militarização da educação e por último, esse chamado “marxismo cultural” (teoria da conspiração que afirma existir um “plano global” de dominação comunista) que tenta desfazer o que a humanidade construiu de mais positivo que foi a sua racionalidade, que foi a sua capacidade de pesquisa, refletir, de construir saberes, provocado pelo Iluminismo lá século XVIII, isso vem sendo destruído, sore todos os aspectos, o humanismo.
Portanto, é um dia sim a comemorar, manter a nossa resistência, a nossa luta e, fundamentalmente dizer que nós precisamos cada vez mais estar atento a questão educacional de um país como um Brasil, que precisa de forma desesperada ter a educação como um centro das suas preocupações.
Fórum – Acompanhamos nos últimos anos, além do governo federal, governos estaduais que sucateiam as escolas e a carreira dos professores, como você analisa isso?
Gilson Reis – O golpe de Estado dado no Brasil em 2016 já vinha sendo construído desde 2012 na sociedade brasileira a partir de um núcleo ultraliberal de uma sociedade branca, elitista vinculada ao mercado que vinha se constituindo e construindo uma ideia de país, uma ideia de sociedade através do Instituto Millenium, que talvez tenha sido a principal articulação dessa elite branca brasileira na desconstrução de um projeto de nação, na desconstrução de um projeto social garantido na Constituição de 1988 e, portanto, vinha nesse processo uma construção muito forte na superestrutura do Estado e também nas bases. Nós tivemos o avanço das igrejas neopentecostais, nós tivemos a crise da chamada “corrupção do Brasil” e elemento que foram amálgama desse processo.
Nas Câmaras Municipais, nas Assembleias Legislativas, nos governos (estaduais), prefeituras esse processo veio a se consolidar e com isso, a eleição de prefeitos, governadores, vereadores, deputados comprometidos com essa linha política, dessa visão de mundo que descortinou o Brasil e que levou ao patamar máximo, à presidência do nosso país o Bolsonaro. E a expressão disso que aconteceu, a expressão política e social de tudo o que nós vivemos e vivenciamos nesse último período.
A educação e os governos estaduais tiveram como centro a sua posição de desarticular a educação. Uns pelo fato de a educação ser a principal rubrica dos orçamentos, 25% nos estados e municípios, portanto, um valor expressivo daquilo que arrecadava. Então uma necessidade permanente de fazer cortes na Educação. Nós tivemos retrocessos violentos pelo país afora.
Também pela discussão do tema da moralidade e da família que foi colocada pelos neopentecostais. A discussão em torno das identidades de gênero, Escola Sem Partido, um conjunto de ações que vieram no sentido de dizer que a escola era na prática aquilo que eles disseram, a “mamadeira de piroca“, que a escola ensinava sexo para as crianças, ou seja, deturparam o ambiente escolar conforma o ministro do Bolsonaro disse que “escola e universidade é para fumar maconha”, que só tinha “vagabundos”… então, todas as formas de colocar a educação abaixo de qualquer avaliação positiva foram feitas ao longo do último período.
Ao mesmo tempo houve resistência em muitos lugares, porque o ataque poderia ter sido mais avassalador do que se apresentou.
Revista Fórum – Do ensino fundamental à pós-graduação os últimos anos foram de completo desmonte. O governo acaba de anunciar outro corte de verbas do CNPq. Caso o Bolsonaro perca em 2022, qual deve ser o caminho das políticas educacionais?
Gilson Reis – O ataque do governo federal contra a educação é uma marca. Aliás, passaram 4 ministros pelo Ministério da Educação, cada um pior do que o outro e cada um com uma política diferente de representantes: tem os evangélicos, do “marxismo cultural” que era o (Abraham) Weintraub, houve também aquele que não tomou posse (Carlos Alberto Decotelli) e que também representava uns setores tortos; os militares também estão lá dentro operando por meio da política militarizada, portanto trata-se de um ataque muito forte.
Para gente ter ideia, nos últimos cinco anos foram retirados 40 bilhões do orçamento da educação: uma parte das universidades, nas pesquisas, na pós-graduação e em outras formas de estruturação das universidades através de laboratórios, através de pesquisas.
O governo queria algo muito maior, por exemplo, o “Future-se”, que foi um projeto de privatização da universidade colocando fundações e empresas privadas para poder fazer a gestão. Essa proposta foi derrotada e não avançou, mas há um objetivo claro e permanente de não só precarizar as universidades, mas também intervir através de eleição de reitores, não permitindo autonomia das universidades no seu processo de construção acadêmica e política institucional.
O futuro governo do Brasil terá grandes desafios para a educação brasileira: o primeiro dele é resgatar o Plano Nacional de Educação que foi construído pela sociedade e que está em uma gaveta no Ministério da Educação desde 2014/15 quando o Temer assume o governo. É um plano que tem 20 metas e 350 estratégias e é um plano que foi construído pela sociedade brasileira e que deve ser colocado em execução.
Precisamos rever a reforma do Ensino Médio, que prejudica de forma intensa os alunos nessa faixa educacional. É um desafio definir uma nova posição e visão na formação da educação do ensino médio.
É preciso rediscutir o financiamento, havia no governo Lula e Dilma (2002-16) de parte do financiamento derivar do fundo do pré-sal, mas com o processo da partilha (da exploração) isso foi destruído pelo Bolsonaro. Nós estamos repassando dinheiro para os acionistas da Petrobras e não estamos passando dinheiro aos educadores, aos educandos, às escolas, às universidades como forma de contribuir no orçamento brasileiro
O orçamento brasileiro ainda e baixo chegou a 7% nos governos Lula e Dilma e agora rebaixou para algo em torno de 4% e 4,5% e nós defendemos a posição de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para educação.
O governo que assumirá a partir de 2022, se for um governo progressista e comprometido com a educação com certeza deverá tratar e investir de forma muito forte nesse setor da sociedade brasileira.
Fórum – Como o Brasil pode viabilizar uma educação fora dos padrões neoliberais?
Gilson Reis – A primeira grande questão é o seu financiamento e essa é a maior crise da educação brasileira: o financiamento. Sem financiamento não há educação. Existem setores ligados a educação privada dizendo que existe dinheiro, mas que falta gestão. E agora eles querem privatizar a escola pública para a gestão ao setor privado, a OS.
É uma luta política que nós fazemos permanentemente no sentido de dizer que a escola precisa de dinheiro, precisa de financiamento, de investimento para superar as suas mazelas e as suas dificuldades.
A segunda questão é: a inclusão sob todas as formas e nós voltamos a discussão da inclusão digital. Nós teremos no próximo período uma coisa que nós estamos chamando de educação híbrida: uma parte presencial e outra remota, e essa parte remota precisa do Estado Brasileiro para estruturar e dar plenas condições para que o aluno, o professor e a sociedade tenham acesso integral e democrático às redes digitais, a toda estrutura digital, ou seja, defender a democracia hoje é defender o acesso às redes mundiais, às redes locais, um amplo processo de participação das pessoas na inclusão digital.
O terceiro elemento: uma nova legislação que possa ajudar a reconstruir essa escola, no Ensino Médio, é preciso ir no EJA (Educação de Jovens e Adultos), a própria universidade precisa e carece de uma nova estrutura, uma nova possibilidade e com isso a gente poderia reconstruir a educação.
E por último não podemos esquecer do professor: e professor e a professora são os principais elementos dessa construção. O nível salarial, as condições de trabalho são muito precárias; a autonomia do professore em relação à livre cátedra, ou seja, o direito de ensinar está sob ataque no Brasil. Portanto, é preciso valorizar o professor e a professora, os trabalhadores da educação em geral, mas, fundamentalmente criar mecanismos de proteção ao trabalho docente no Brasil, o que tem sido muito destruído e muito atacado.
Essas são as questões que eu colocaria para pensar uma educação pós-neoliberalismo.