O golpe militar de 64 atingiu diretamente as organizações sindicais
O golpe militar de 64 derrubou além dos governos constituídos democraticamente as direções sindicais combativas. O golpe atingiu em cheio a organização sindical urbana e camponesa no Brasil. Foi um golpe anti-operário e anti-camponês. No dia 31 de março foram invadidos mais 400 sindicatos e, ao longo da ditadura, outras centenas sofreram intervenção e suas direções destituídas. Milhares de dirigentes torturados, mortos, desaparecidos, outros tantos exilados, documentos e sindicatos destruídos.
Os militares sabiam que a resistência organizada estava nos sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais. Os tanques de guerra amanheceram com o fatídico 1º de abril de 64 na frente dos sindicatos cujas direções lutaram e apoiaram as reformas de base (reforma bancária, fiscal, eleitoral, educacional, urbana e agrária – todas até hoje na pauta)à época propugnadas pelo governo de João Goulart.
O Comando Geral dos Trabalhadores – CGT, organização sindical livre e autônoma, comandou o movimento de massas naquele período. Tinha uma importante base orgânica ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). O CGT organizou e decretou as principais greves da nossa história, com pauta políticas. Como a greve geral iniciada no dia 5 de julho de 1962 tinha como eixo o apoio às reformas de base e a luta contra o parlamentarismo. Essa histórica greve reivindicava também a instituição da lei do 13º salário. Após sete dias de greve e negociações, o governo João Goulart sancionava a lei do 13º salário. Uma importante vitória para os trabalhadores. O plebiscito sobre o sistema de governo foi marcado para o inicio de 63. Os bancários do Banco do Brasil já haviam conquistado o abono de natal ou o 13º, sendo o referencial da luta pela extensão aos demais trabalhadores públicos e privados.
Isso dá uma dimensão da participação do movimento sindical na pauta política, no processo de desenvolvimento em curso que o Brasil passava. As universidades iniciando a produção científica. A sociedade, os estudantes, os trabalhadores e suas organizações sindicais em pleno exercício. Os militares naturalmente já conspiravam o golpe desde o inicio do governo Jango, aliás desde Kubitschek.
O golpe logo chegou aos locais de trabalho e às famílias dos trabalhadores. As primeiras medidas estabeleciam mudanças nas leis trabalhistas: a lei do arrocho salarial e a revogação da lei da estabilidade no emprego, que era superior à convenção 158 da OIT, só para citar duas. Levou os trabalhadores ao pior arrocho salarial da história, demissões em massa, com a capacidade de reação dos sindicatos totalmente minada.
Os pelegos, interventores nomeados pelos militares via Ministério do Trabalho, não se mexiam, aliás apoiavam as ações dos militares. Ademais, muitos dirigentes delatavam companheiros nos locais de trabalho, destruíram a memória da maioria dos sindicatos que eles entraram como interventores.Claro, houve resistência e luta dos trabalhadores que, logo após o golpe, retomaram a direção de vários sindicatos, como no caso dos Metalúrgicos de Osasco. A greve de ocupação da Cobrasma e paralisação das principais fábricas da cidade, junto com os membros do movimento sindical anti-arrocho (MIA).
Hoje temos a possibilidade de escrever a história como ela foi, temos o direito à memória e à verdade. Fazemos um chamado a todos os sindicatos filiados à CUT a levantar sua memória, a escrever sua história. Quem eram os dirigentes que estavam à frente do sindicato no golpe de 64? Quantos foram torturados, mortos, desaparecidos? Os que entraram na clandestinidade, os que foram exilados? Estamos em um momento importante para revisitar esse passado histórico, escrever a história como ela foi, para que nunca mais volte e o resultado final seja a justiça. Crime de lesa Humanidade não prescreve. Quem cometeu esses crimes tem que ser julgado.
Essa triste memória e história deve ser revisitada com a Comissão Nacional da Verdade (CNV). O grupo de trabalho sobre o movimento sindical, reinvindicado pela CUT à CNV, está sendo instituído agora no mês de abril. Vai ter participação de todo o movimento sindical. O capítulo no relatório final sobre o movimento sindical deve refletir o tamanho da violação sofrida pelo dirigentes sindicais, os trabalhadores em geral e os sindicatos.
O III encontro de Secretários/as de Políticas Sociais das CUTs estaduais, federações e confederações, realizado nos dias 7 e 8 de março em Brasilia, entendeu ser insuficiente a comissão de acompanhamento da CUT à CNV. Sugeriu à executiva nacional transformar a comissão de acompanhamento em uma Comissão Nacional de Verdade da CUT, como já foi instituída na UNE, Fenaj, OAB e em sindicatos de base. Assim vai contribuir muito mais no GT do movimento sindical e na produção escrita do capítulo no relatório final da Comissão Nacional da Verdade.
A CNV foi instituída em 2010 com o objetivo de levantar em dois anos – podendo ser prorrogado por mais dois – a memória histórica e restabelecer a verdade dos fatos, do período de 1946 a 1985. Foram criados até agora 12 grupos de trabalho-GT. Agora o décimo terceiro sobre os trabalhadores e suas organizações sindicais. Desde o inicio criticamos o alargamento do período a ser pesquisado e o pequeno número de integrantes, apenas sete. A comissão em maio completa um ano de trabalho. A CUT, o Movimento Verdade e Justiça e o Comitê Paulista, Memória, Verdade e Justiça realizarão nos dias 27 e 28 de maio um encontro nacional com os comitês estaduais, comissão de familiares de mortos e desaparecidos políticos, do movimento Tortura nunca mais. No dia 29 ocorre o segundo encontro da CNV como esse segmento da sociedade civil, organizada na Câmara de Vereadores de São Paulo, com objetivo de fazer um balanço dos trabalhos da CNV e encaminhamentos. Momento fundamental nesta etapa.
Vamos à luta!
Por Expedito Solaney, secretário nacional de Políticas Sociais da CUT
Da CUT