Pandemia de coronavírus e a urgência da revogação do teto dos gastos
É preciso adotar medidas anticíclicas para combater efeitos da crise internacional e para liberar recurso para a saúde
*Por David Deccache, Francyelle Nascimento, André Paiva Ramos e Ivan Lemos.
Com o avanço da pandemia do coronavírus, estamos diante de uma grande crise humanitária. Os impactos econômicos, a nível mundial, são enormes, o que resultará em uma das maiores crises da história.
No Brasil, especialmente, enfrentaremos uma forte tempestade: além da queda da atividade decorrente das medidas de contenção do coronavírus, com consequente frustração de receitas, também haverá forte diminuição de arrecadação para a União e para entes federativos que tenham parte significativa do orçamento atrelada aos royalties. Diante deste cenário, a capacidade de reação do Estado frente à crise está sendo duramente constrangida pelo regime fiscal vigente, baseado em fortes restrições aos gastos sociais e investimentos públicos.
A meta de resultado primário de 2020, em um momento de esperada queda nas receitas, atua de forma procíclica, exigindo corte de gastos para ser cumprida. Já o teto de gastos dificulta a expansão de despesas em um momento em que são necessários esforços extraordinários, principalmente na área da saúde e na proteção social da parcela mais vulnerável da população.
Logo, torna-se urgente a revogação do teto de gastos e a revisão da meta de resultado primário, de forma a permitir a adoção de medidas anticíclicas, para combater aos efeitos da crise internacional que está se configurando e, principalmente, para aumentar os recursos necessários para reforçar o orçamento da saúde e da proteção social.
A atual política de austeridade fiscal do governo Bolsonaro ampliará exponencialmente os efeitos negativos do coronavírus e da turbulência global no Brasil. A divulgação do PIB de 2019 demonstrou que a economia brasileira segue com um fraco e instável desempenho econômico, confirmando que as reformas neoliberais, além de não resolverem a grave crise, tendem a aprofundá-la, aumentando a vulnerabilidade social e regional no país.
No meio de uma das maiores crises econômicas da história, o governo insiste nos cortes de gastos, que só irão aprofundar o cenário recessivo, exemplo da PEC emergencial e da reforma administrativa, que, se aprovadas, resultarão em uma maior precarização dos serviços públicos, incluindo a saúde. Caso sintomático é a obstrução na concessão de benefícios do Programa Bolsa Família para famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza. Além disso, há a obstrução na concessão do BPC para idosos em situação de vulnerabilidade.
Chocantes são as estatísticas recentes que provam que os cortes no Bolsa Família estão sendo instrumentalizados pelo governo. O Nordeste recebeu só 3% dos novos benefícios, mesmo concentrando 37% das famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza na fila de espera do programa. Isto fica claro quando percebemos que o número de novos benefícios concedidos em Santa Catarina, que tem população oito vezes menor que o Nordeste e é governada pelo PSL, foi o dobro do repassado à região nordestina inteira, cujos governadores são, em sua maioria, da oposição.
Além da maldade que isso representa, ao desproteger os brasileiros mais vulneráveis durante um período de crise econômica, tal medida torna a recuperação da economia ainda mais lenta, uma vez que menos renda nas mãos dos mais pobres significa menos consumo em geral.
A saída para a crise é oposta ao que o governo Bolsonaro tem feito e anunciado. Portanto, destacamos as seguintes medidas emergenciais para a contenção dos efeitos do coronavírus e da crise econômica:
Volta da normalidade na concessão dos benefícios sociais e previdenciários. Temos uma fila de 1,5 milhão de famílias para receber o Bolsa Família e de 2 milhões de pessoas para o INSS. É necessário, também, um programa emergencial de garantia de renda para as parcelas mais vulneráveis da população. Mais de 40% dos trabalhadores estão na informalidade e a taxa de subutilização chega à casa dos 25%, atingindo em torno de 27 milhões de pessoas, que possuem pouca ou nenhuma proteção social oficial.
A revogação do teto dos gastos e a revisão da meta de resultado primário são fundamentais, já que aprofundam o ciclo recessivo, obrigando o governo a cortar investimentos no meio da crise, ao invés de ampliá-los. Em crises econômicas, a literatura econômica conhece, ao menos desde a grande crise de 1929, que a solução é via retomada dos investimentos públicos e, neste caso, também via ampliação de recursos para a saúde e proteção social.
Atuação dos bancos públicos, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES, para garantir a liquidez e a oferta de crédito na economia. Em um período como o atual, com elevada incerteza e deterioração nas expectativas, os grandes bancos privados costumam restringir ainda mais a oferta de crédito e a piorar as condições aos tomadores finais, o que impulsiona a piora econômica.
A reforma tributária necessária, que é a criação de uma estrutura justa, não está na agenda do governo, que apenas considera como uma simplificação dos tributos. Trata-se de uma medida importante para a minimização dos danos da crise global, pois, de um lado, poderia ampliar o espaço fiscal do governo para investir, e, por outro, poderia reduzir os tributos para os mais pobres, ampliando o consumo e estimulando os empresários a voltarem a investir.
Portanto, torna-se urgente a adoção de um conjunto de medidas anticíclicas para mitigar os impactos negativos da crise econômica, de forma que sejam garantidos os recursos necessários para a saúde e proteção social. Desta forma, a Juventude da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed) ressalta a importância de as demais entidades do campo democrático juntarem forças para o enfrentamento de tamanha adversidade.