Papo de terça: Entrevista com o professor Augusto César Petta, ex-presidente da Contee
No mês passado, o Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho (CES), criado em 1985. Completou três décadas de atuação e acompanhamento da evolução da luta dos trabalhadores, dos movimentos sociais e da política no Brasil. E neste momento em que não só os direitos trabalhistas, mas a própria organização sindical tem sido atacada, o Portal da Contee entrevistou o professor e sociólogo Augusto César Petta, ex-presidente da Confederação e um dos fundadores do CES, sobre a importância da formação para o fortalecimento da luta. Confira!
Contee – O senhor disse, no seu artigo sobre os 30 anos do CES, que seus fundadores tinham muita convicção da importância do processo contínuo de formação, necessário para a elevação do nível de consciência política dos sindicalistas e dos trabalhadores e trabalhadoras em geral. Como surgiu essa convicção e essa necessidade?
Augusto Petta – Naquele momento, vivíamos com muita esperança o início da redemocratização do país. Terminava um dos piores períodos da História do Brasil, marcado por uma ditadura terrível que matou, perseguiu, prendeu, torturou muitos brasileiros e brasileiras que lutavam pela democracia. O movimento sindical respirava, após ter sido sufocado totalmente. Ocorreu em 1981 a Conclat (Congresso das Classes Trabalhadoras), que reuniu mais de 5 mil sindicalistas. Já se estruturavam duas centrais sindicais. Então, sindicalistas progressistas que tinham consciência do papel político que as entidades sindicais devem representar, valorizavam o processo de formação da classe trabalhadora. Compreendiam que a luta sindical é econômica, política e ideológica e, nesse sentido, o desenvolvimento da teoria é de fundamental importância para o desenvolvimento de uma prática classista e vice-versa. Compreendiam que as atividades de formação poderiam contribuir decisivamente na atuação consequente dos sindicalistas. Por isso, se dispuseram a criar um centro de estudos, o CES.
Contee – É possível fazer uma comparação entre aquele momento histórico com o que os trabalhadores enfrentam hoje?
AP – Evidentemente são dois momentos diferentes. O mundo ainda estava dividido em dois grandes blocos, um comandado pelos Estados Unidos, o outro pela URSS; de um lado, o capitalismo, de outro, a experiência socialista que se desenvolvia. O povo brasileiro tomava consciência da brutal dominação que as elites norte-americanas impunham ao nosso país, sobretudo a partir do golpe militar de 1964, dominação essa tão bem retratada no documentário “O dia que durou 21 anos”. Havia um desejo muito grande de participação popular, sufocado durante 21 anos. As greves se sucediam, destacando-se a dos metalúrgicos do ABC, cujo líder principal acabou sendo eleito presidente da República no final da década seguinte. A classe trabalhadora se tornou mais protagonista, representada pelos sindicatos que aumentavam cada vez mais sua força de mobilização. O número de sindicalizados crescia, o número de greves e a participação da categoria nas assembleias também. A queda da experiência socialista na URSS possibilitou que os EUA se transformassem numa potência hegemônica, impondo suas garras sobre a maioria dos países. Com o neoliberalismo, aumenta o desemprego, os trabalhadores perdem direitos, os salários são achatados, a privatização atinge empresas estratégicas, as dificuldades da classe trabalhadora aumentam. Com o desemprego em si e a ameaça constante de desemprego, a mobilização diminui, as entidades sindicais entram em crise. Mas, por outro lado, são eleitos presidentes da República, em vários países da América Latina, representantes do povo que se opõem ao neoliberalismo. Mesmo profundamente atacado, o socialismo continua sendo o objetivo estratégico de muitos, porém com grandes dificuldades para ser alcançado em curto prazo. Hoje, o que se coloca na ordem do dia é a luta por um novo projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho e distribuição de renda, como etapa fundamental para abrir novos horizontes rumo à sociedade socialista. E as entidades sindicais, aos poucos, se levantam, sobretudo em determinados momentos, como o atual, em que o projeto de terceirização ameaça seriamente a CLT e os direitos trabalhistas e sindicais em geral.
Contee – Como a formação pode contribuir, atualmente, para fortalecer as entidades e movimento sindical num momento em não só os direitos trabalhistas, mas a própria organização está ameaçada por aqueles que defendem propostas como o PL 4.330?
AP – Acredito que as entidades sindicais devem priorizar o processo de formação, sobretudo em momentos como este em que vivemos. A direita organiza-se e coloca suas ideias com força, através principalmente da mídia golpista e das manifestações de rua. A classe trabalhadora recebe uma enxurrada de informações falsas, que, portanto, não correspondem ao que efetivamente acontece. Responsabilizam-se os governos progressistas por problemas que eles não têm condições para resolver. Os países socialistas, como Cuba, são atacados fortemente, enquanto que determinados países capitalistas, onde há profunda exploração que atinge os trabalhadores, são exaltados como exemplos. Aí que entra a importância da formação nessa luta ideológica. Sindicalistas e trabalhadores em geral, quando bem formados, desenvolvem espírito crítico, adquirem melhores condições para participar com mais qualidade desse embate contra as forças conservadoras e de direita. E essa formação acontece de duas maneiras: na luta que as entidades sindicais desenvolvem e nas atividades de formação, como cursos, debates, seminários, realização de planejamentos estratégicos situacionais, palestras e outras atividades formativas.
Contee – Nesses 30 anos, quais foram os principais desafios enfrentados e os principais êxitos alcançados pelo CES?
AP – Manter um centro de estudos durante 30 anos não é uma tarefa fácil. São muitos os obstáculos que se colocam, desde a questão financeira, por se tratar de uma entidade que não recebe contribuições garantidas por lei, até obstáculos de ordem política e ideológica, em função das posições democráticas que assume. O CES tem uma amplitude muito grande nas suas atividades de formação. Procura defender o sindicalismo de luta, classista, unitário, independente, porém respeita todas as outras visões. Penso que tivemos, nesse período, grandes vitórias: conseguimos manter a revista Debate Sindical durante 21 anos e pretendemos que ela novamente volte a circular; realizamos inúmeras atividades de formação; no período de novembro de 2008 (quando começou o convênio com a CTB) até maio de 2015, o número de participantes foi de aproximadamente 11 mil. Acredito que estamos assumindo bem o papel que nos cabe.
Aproveito a oportunidade para enviar uma mensagem a todos os companheiros e companheiras que atuam na Contee, entidade de cuja direção tenho orgulho de ter participado durante 15 anos, sendo nove deles na condição de presidente: é fundamental que todos desenvolvam nas suas entidades um trabalho de formação contínuo, no qual os diretores e a categoria em geral possam participar; que tenham uma Secretaria de Formação Sindical, que façam planejamento estratégico situacional, que realizem cursos, debates, palestras, que estimulem o estudo individual, que não permitam que as atividades do cotidiano sindical impeçam a realização das atividades de formação, que consigam fazer com que os sindicalistas mais novos se desenvolvam teórica e praticamente e que os mais antigos tenham a humildade de reconhecer que precisam estudar.
Da redação