Pesquisa aponta maior desigualdade com modelo de escolas de tempo integral
São Paulo – Em vez de contribuir para a redução das desigualdades educacionais, as escolas de ensino médio de tempo integral mantidas pelos estados de São Paulo, Goiás, Ceará e Pernambuco contribuem para o aprofundá-las. Esta é a principal constatação de uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (7) pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). Referência para educadores e gestores pelo trabalho que produz há 30 anos, a organização é presidida pela socióloga Maria Alice Setúbal, a Neca Setúbal, herdeira do Banco Itaú.
Realizada em 2015 e 2016, com base em dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2014, a pesquisa conclui que a política de escolas integrais contribuiu para elevar a proficiência média de seus alunos em todos os estados pesquisados e em todas as áreas avaliadas. A análise dos dados de avaliações estaduais indicam a mesma coisa, especialmente no Ceará, onde a política tem maior impacto porque a condição socioeconômica dos alunos é a menor em comparação com os dos outros três avaliados.
A pesquisa é importante porque as escolas de tempo integral são fomentadas pela Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro, que introduz a reforma do ensino médio do governo de Michel Temer (PMDB).
Além de fatores objetivos, como mais tempo para estudar – que inclui mais horas para o estudo e dedicação exclusiva dos professores, com salários diferenciados e menor carga de trabalho docente – o melhor desempenho dos estudantes de tempo integral se deve também a questões subjetivas. Entre elas, o fato de essas escolas serem consideradas de referência e excelência, o que leva alunos e professores a ajustarem suas condutas aos ideais e às expectativas do que é ser um professor e um estudante de uma escola com esse perfil.
Em todas as redes estudadas, segundo os pesquisadores, há práticas oficiosas de seleção. Ou seja, uma autoexclusão do aluno que precisa trabalhar e procura uma escola que ofereça noturno. E há ainda, segundo relataram estudantes e professores, muitos gestores, pressionados por políticas de bonificação e para manter o prestígio, que desestimulam a permanência ao orientar alunos com desempenho insatisfatório a procurar outra escola, de período integral. Conforme os pesquisadores, a coexistência das duas modalidades se articulam às oportunidades desiguais oferecidas aos jovens.
“No Ceará tem escola que faz seleção com base no histórico escolar. E há autoexclusão em muitas dessas escolas, porque os alunos acham que vão precisar trabalhar. E muitas vezes a escola os expulsa, indicando que eles não têm condições de acompanhar”, reforçou o coordenador de Desenvolvimento de Pesquisas do Cenpec, Antonio Augusto Gomes Batista.
Os autores destacam ainda o fechamento de matrículas no ensino noturno entre 2007 e 2014, com ampliação no período diurno, inclusive integral, indicando que os estudantes trabalhadores, agora com poucas chances de estudar, migraram para o EJA, que tem menor duração e parte semi-presencial. É o que acontece principalmente em Pernambuco e Ceará.
Para Neca Setúbal, para que se torne justa de fato, escola precisa se organizar em torno do princípio da equidade, oferecendo mais àqueles que, em razão da sua posição social de origem, possuem menos. Segundo ela, “nenhuma sociedade verdadeiramente democrática , que possibilita ultrapassar as marcas e as posições de origem, pode contar com escolas orientadas por políticas que reforçam desigualdades”.
Voltando a criticar a reforma do ensino médio por não ser uma lei qualquer, mas uma mudança em etapa importante do ensino básico, o secretário estadual de Educação e Cultura do Acre, Marco Antônio Brandão Lopes, destacou que as escolas de tempo integral estão no centro de muita controvérsia.
“Há muito debate e muitas posições principalmente pelo fato de a mudança ter sido imposta, atropelando a construção democrática que vindo sendo feita, uma discussão ampla sobre as mudanças que o ensino médio deveria passar. Temos muitas juventudes dentro de uma mesma comunidade, que virão para dentro das escolas, seja de tempo parcial ou integral”, disse o gestor.
Lopes criticou ainda a desarticulação da reforma de Temer. “A lei impõe um ensino médio com uma base que ainda não existe”, afirmou, lembrando que a reforma também foi um improviso que surpreendeu a todos.
Perfil
A maioria das matrículas no período noturno está em escolas que atendem alunos de menor nível socioeconômico; as integrais em escolas de maior nível socioeconômico. Em geral, pelo menos metade dos municípios não têm escolas dessa modalidade e, aquelas que têm, em geral, os que têm são os maiores e com maior renda domiciliar per capita.
Alunos do noturno – Tendem a trabalhar, em geral não têm idade adequada à série que frequentam. Estão ao menos um nível abaixo dos alunos do diurno na escala do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). As diferenças em Língua portuguesa são maiores que em matemática no conjunto dos estados. Em geral, têm menor proficiência média que os alunos do ensino diurno e integral. A escolaridade e hábitos de leitura da mãe são inferiores.
Tempo integral – Está associada à maior renda familiar, residência em área urbana, idade correta para cursar o terceiro ano do ensino médio e ter maior capital cultural, conforme mensurado pela escolaridade da mãe. Segundo dados do Enem, os alunos desse período estão, em média, pelo menos um nível acima na escala do Saeb que os alunos de período parcial.