Professor é a segunda profissão mais citada entre os desejos de infância, revela pesquisa
Qual profissão você quer ter quando crescer? Essa é uma pergunta muito comum de ser ouvida quando criança, mas a resposta de anos atrás corresponde com a sua profissão atual? Uma pesquisa feita pela OnlineCurriculo, plataforma de currículos online, constatou que 77% dos brasileiros acabaram não seguindo a carreira que queriam quando crianças. Ser professor/a foi a segunda profissão mais citada entre os desejos de infância.
A pesquisa, realizada em todas as regiões do país, com mil brasileiros e de idades diferentes, buscou entender quais profissões essas pessoas sonhavam em seguir e quais atualmente exercem. Dos entrevistados, apenas 23% realmente seguiram a profissão que queriam quando menores.
Para os que seguiram caminhos diferentes, entre os motivos apontados, a falta de recurso ou oportunidade para seguir a carreira, a não identificação com a profissão, além da baixa remuneração e os desafios para conseguir um bom salário foram os mais citados pelos participantes.
Na lista de profissões mais sonhadas na infância, a carreira no magistério foi a segunda mais citada, com 17%, atrás da medicina, com 26%. “Ser professor/a no nosso país é ser um militante social, comprometido com o próximo e com a transformação social, na busca de garantirmos que todas as pessoas vivam com dignidade”, declara Heleno Araújo, presidente da CNTE.
Entretanto, segundo ele, a visão atual dos jovens sobre a carreira de professor é focada em ser uma profissão exigente, com muito trabalho e pouca remuneração que os dificulte a viver com dignidade.
“A sociedade capitalista tem levado a juventude a querer ter mais e mais, abandonando o ser humano solidário, que compartilha direitos e justiça social”, lamenta.
Heleno ainda aponta que a falta de profissionais jovens ingressando na carreira tem sido uma ameaça para o futuro da profissão. “Não há jovens procurando a profissão de professor/a. A falta está acontecendo e a tendência é de piorar nas próximas décadas”, alerta.
Professora da rede pública do DF há 10 dos 18 anos de profissão, Rúbia da Silva, 42, conta que, desde criança, dava sinais de que seguiria a profissão, mas foi somente no fim da graduação que decidiu tomar o caminho para as salas de aulas.
Bacharel e licenciada em Ciências Biológicas, Rúbia é professora de Ciências Naturais na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), atuando em escolas da região administrativa do Recanto das Emas.
Segundo ela, depois de formada, a sua intenção era seguir outra profissão, e o interesse por lecionar despertou após um tempo. “Com o tempo eu fui realmente me descobrindo na profissão e hoje amo ser professora. Amo o chão da escola”, ela declara.
“Acredito muito no poder de mudança e transformação de realidade que um/uma docente carrega. Como uma profissional que lida diariamente com a realidade da escola pública, é muito gratificante ver um aluno que antes não tinha interesse em estudar, mudar suas expectativas em relação aos estudos. É muito bom ouvir “nossa, essa foi a melhor aula da vida”. É muito bom reencontrar ex-alunos que se tornaram professores e encontraram alguma inspiração em nossas aulas. Essas são só algumas das motivações pra gente continuar”, compartilha.
Prestígio baixo pela profissão
Apesar de seu amor pela sala de aula, Rúbia relata sobre as dificuldades que caminham lado a lado com a carreira. Segundo ela, a sociedade ainda tem uma visão deturpada do trabalho do professor/a, de que trabalham por dom ou caridade.
“O dom até podemos ter, mas o amor pela profissão não paga conta. Lidamos diariamente com os mais diversos conflitos com estudantes e com as famílias dos estudantes, além de, muitas vezes, faltar recursos básicos para trabalhar. No dia a dia, somos psicólogos, enfermeiros, policiais, mediadores de conflito, assistentes sociais e, no meio disso tudo, ainda ministramos conteúdos. Não temos valorização social e nem salarial, o que, no fim das contas, leva a um desgaste emocional e profissional muito grande”, lamenta Rúbia.
De acordo com a pesquisa Profesión: Profesor en América Latina ¿Por qué se perdió el prestigio docente y cómo recuperarlo?, realizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 2018, o Brasil apresenta uma dicotomia em relação à formação de docentes.
Dados do estudo apontam que 1 a cada 5 estudantes do ensino superior do país estão matriculados em cursos de formação inicial docente (FID), mas quando estudantes recém-formados no ensino médio são perguntados sobre a carreira que buscam seguir, apenas 5% informa ter desejo em ser professor/a.
Em comparativo com outros países sul-americanos que também apresentaram baixo interesse de jovens na profissão, o Chile, Equador, Peru e a Colômbia têm tentado contornar a situação apostando em políticas de incentivo, como bolsas, créditos estudantis e campanhas de valorização profissional para atrair estudantes em FID para a docência. Segundo estudo, no Brasil poucos estados e municípios possuem propostas inovadoras para contribuir na atratividade da carreira.
Para Heleno, medidas como a formação inicial em universidades públicas de maneira presencial, além da realização de concursos públicos para atuação na educação básica, são fatores de suma importância para a atração de novos profissionais e para permanência dos que já atuam.
De acordo com a pesquisa do BID, atualmente, 61% das matrículas de FID do país são em modelo remoto e 89% em universidades privadas, levantando a necessidade de regulamentação, para formação de docentes devidamente capacitados para o exercício da profissão.
“Mais do que estarem expostos ao conhecimento sobre a prática pedagógica, formar professores passa pelo desenvolvimento de expertises adaptativas, habilidades metacognitivas, pela capacidade de conseguirem construir um ambiente de aprendizagens, com estudantes envolvidos e engajados. Isso nos faz refletir: é possível construir esses elementos com o atual formato de ensino remoto?”, questiona o estudo.
“É preciso ter a prática continuada na formação profissional, um salário digno para podermos ter um único vínculo empregatício e viver com dignidade, além de políticas de incentivo do desenvolvimento na carreira e de ambientes de trabalho democráticos e em condições adequadas para desenvolver o processo de ensino e aprendizagem”, reitera.
Rúbia compartilha que, para ela, a profissão não irá acabar um dia, mas que para isso, é preciso que a carreira dos profissionais recebam atenção para melhorias. “Eu espero que, no futuro, tenha uma valorização social real do profissional e, consequentemente, uma valorização salarial, além da melhora nas políticas públicas educacionais e investimentos nas estruturas e espaços físicos das escolas”, finaliza.