Quais as origens do racismo estrutural no Brasil?

O racismo é um dos assuntos que mais estão em pauta atualmente. No Brasil, são diversos os casos onde corpos negros são violentados e mortos em função da cor da pele.No noticiário, casos como do menino Miguel Otávio Santana da Silva, de João Alberto Silveira Freitas, e até mesmo da jovem Kathlen Romeu, chamam para esse debate.

Já parou para pensar porque as pessoas negras são as principais vítimas da violência? Para além disso, já parou para pensar porque essa população é subrepresentada em espaços de poder, como na política?

As pessoas negras representam 54% da nossa população, mas ainda sofrem com a exclusão social. Para entender o Brasil de hoje, é necessário voltar ao passado e entender como a escravatura influenciou nossa sociedade. Esse período perdurou ao longo de 300 anos no Brasil, de 1550 até 1888, e até hoje é possível ver as marcas dessa época..

Entendendo a escravidão e a participação do movimento abolicionista

O Brasil foi o último na América Latina a abolir a prática. Naquela época, a violência sobre os corpos negros foi naturalizada. Por conta da crença de que a raça branca era superior, os escravizados foram trazidos do Continente Africano para o Brasil em embarcações precárias e ao chegarem ao local foram submetidos a trabalhos forçados e a intensos maus-tratos.

De acordo com o Censo de 1872, o único levantamento que registrou a população escravizada no Brasil, da população total da época (9.930.478), 1.510.806 ainda eram escravizados.

A abolição oficial do Brasil foi assinada no dia 13 de maio de 1888 pela regente Princesa Isabel. No entanto, o que muitos livros de história não contam é que essa conquista surgiu após uma grande luta social que envolveu todas as esferas da sociedade, desde o parlamento até o movimento abolicionista brasileiro.

É importante ressaltar que muitos intelectuais e abolicionistas negros foram protagonistas das suas próprias histórias e nessa luta. Entre alguns exemplos disso estão:

  • Luiz Gama (1830 – 1882): nascido na Bahia, ele foi vendido como escravo pelo próprio pai aos 10 anos e conquistou a sua própria liberdade aos 18. Autodidata, Gama se tornou escritor e o primeiro advogado negro no país. Ele libertou 500 escravizados ao longo da sua vida, mas morreu em São Paulo seis anos antes da Lei Áurea.
  • Francisco José do Nascimento ou Dragão do Mar (1829 – 1914): nascido no Ceará, Dragão do Mar era líder dos jangadeiros e organizou uma greve que culminou no fim da escravidão na Província do Ceará quatro anos antes da Lei Áurea. Ao proibir o tráfico de escravizados, a ação se tornou a primeira vitória popular contra a escravidão bem-sucedida no país.
  • André Rebouças (1838 – 1898): nascido na Bahia, André Rebouças fez parte da elite negra intelectual do Brasil. Ele foi o primeiro engenheiro negro do país e era amigo da família Imperial. Ele lutou pela demarcação de terras pelos libertos e posteriormente lutou pelo desenvolvimento dos países africanos.

No entanto, como diria George Orwell: “a história é escrita pelos vencedores” e neste caso não foi diferente. Apesar das diversas revoltas dos escravizados e a luta do movimento abolicionista, por anos, a versão sobre esse momento histórico focou na generosidade da monarquia brasileira e da Princesa Isabel.

Com o passar do tempo, o movimento negro foi reivindicando outras narrativas e contando essa história do seu ponto de vista. Ao contrário do que muitos acreditam, a monarquia não foi generosa com os escravizados.

Na verdade, ela tentou desacelerar o processo de libertação o máximo possível. Prova disso, são as leis que protegiam essa população e que não eram aplicadas. Através do estudo aprofundado da cultura jurídica da época, leis antes ocultas passaram a valer, como:

Também é importante ressaltar que, para a lei da época, os escravizados não eram considerados cidadãos. A Lei nº 1, de 14 de janeiro de 1837, por exemplo, os proibiu de ter acesso à educação, e a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850 afirmava que eles não poderiam ser proprietários de terras.

Além disso, no pós-abolição, os ex-escravizados continuaram a ser perseguidos. Um exemplo disso foi o decreto de número 847, de 11 de outubro de 1890, que tornou a “vadiagem” um crime, quando, na realidade, essa era uma maneira de controlar o fluxo de pessoas negras andando nas ruas.

Com o fim da abolição, também veio o fim do Império, em 15 de novembro de 1889. Os escravizados foram libertados, porém ficaram desamparados, já que não tiveram direito a casa e nem a indenização.

E por que falamos das marcas da escravidão nos dias atuais?

Quando pensamos no racismo, é preciso pensar nele em três perspectivas: o racismo individual, o racismo institucional e o racismo estrutural.

De acordo com o escritor Silvio Almeida, no livro ‘Racismo Estrutural’, o racismo individual se manifesta através de falas ofensivas e comportamentos contra um indivíduo no dia-a-dia.

O racismo institucional é quando existe a presença massiva de um determinado grupo em posições de poder, como por exemplo no Legislativo, o Judiciário, o Executivo, nas universidades e nas grandes corporações.

Por fim, Silvio Almeida esclarece que as instituições são racistas, porque a sociedade também é. Logo, o racismo estrutural é quando a ordem jurídica, política e econômica preservam os privilégios brancos e criam condições de prosperidade para apenas um grupo.

Portanto, as marcas da escravidão ainda são visíveis na nossa sociedade. Das senzalas, a população negra foi para os subúrbios procurando formas de subsistência e até os dias atuais os negros são maioria nas favelas brasileiras.

Almeida afirma que o racismo estrutural justifica a escravidão naquela época, da mesma maneira que justifica a desigualdade social atualmente.

Hoje, o Brasil tem a maior população negra fora da África e a segunda maior do planeta. Ainda assim, as pessoas negras (pretas e pardas) são as principais vítimas das desigualdades sociais do país, desde as oportunidades de emprego até o acesso à educação e saúde.

Ainda, de acordo com dados do DataSUS, divulgados pelo UOL, as mortes entre pessoas negras causadas por violência física cresceram 59% no país ao longo de oito anos. No mesmo período, o aumento registrado deste tipo de morte entre brancos foi de 1,3%.

É possível acabar com a desigualdade entre negros e brancos?

Segundo o estudo ‘A Distância que nos Une’, da Oxfam, os negros só terão equiparação salarial com os brancos no Brasil em 2089. Em 2015, enquanto um branco ganhava R$ 1.589,00, um negro ganhava quase a metade: R$ 898,00 fazendo a mesma função.

A ativista estadunidense Angela Davis já afirmou que a liberdade é uma luta constante. Portanto, é preciso lutar por representação negra em todas as esferas, inclusive no Legislativo, Judiciário, Executivo.

No Brasil, por exemplo, a luta por mais espaço na política está ganhando cada vez mais força. Em 2020, a proporção de candidatos negros foi a maior já registrada e pela primeira vez os brancos não foram a maioria.

É válido ressaltar que, até o momento ,o Brasil teve apenas um presidente negro (Nilo Peçanha, que governou o país de 14 de junho de 1909 até 15 de novembro de 1910).

O Brasil é conhecido internacionalmente como o país da democracia racial, no entanto essa teoria que foi amplamente divulgada no pós abolição apenas justifica o racismo estrutural que ocorre nos dias atuais. É preciso estudar mais sobre a nossa história para que se construa um futuro mais justo e igualitário para todos.

Referências

Livro: Pequeno Manual Antirracista – Djamila Ribeiro (2019)

Livro: Racismo Estrutural – Silvio Almeida (2018)

Livro: Enciclopédia Negra -Flávio Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Schwarcz (2021)

Vídeo do Canal Tempero Drag de Rita Von Hunty:“Racismo reverso, BBB e outras ficções”

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