Quatro ministros defendem descriminalização do porte de maconha, e STF volta a suspender julgamento

O relator, Gilmar Mendes, defendeu a repercussão geral da descriminalização do porte para todas as drogas. Fachin, Barroso e Moraes restringiram à maconha

Por Gabriel Valery, da RBA

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (2) o julgamento de um recurso extraordinário sobre a criminalização do porte de drogas para uso pessoal. Em discussão, se cabe ou não julgar como criminoso alguém que carrega substâncias ilegais para consumo próprio. O julgamento, que tramita na Corte desde 2015, começou hoje com três votos pela descriminalização; de Gilmar Mendes (relator), Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Após voto pela descriminalização, mas apenas da maconha, de Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes pediu uma breve suspensão para entender o alcance da decisão.

Durante a sessão de hoje, votou o ministro Alexandre de Moraes. Ele apontou que, seja o resultado qual for, o essencial é o cumprimento da lei para todos, sem distinção. Este apontamento do ministro tem especial relevância no caso. Isso porque a conduta de porte de drogas para uso pessoal já é despenalizada, ou seja, o artigo 28 da Lei de Drogas já prevê punições alternativas, que não envolvem prisão.

Contudo, a realidade é distinta nos grandes centros e na periferia. Na prática, como não há detalhamento sobre a quantidade que distingue o traficante do usuário, a decisão fica, virtualmente, nos órgãos acusadores: autoridade policial e Ministério Público. O que se vê, na prática, é um tratamento desigual. “Não é possível que na capital seja usuário e no interior, traficante”, disse Moraes. Não é incomum os mais pobres, pretos e vulneráveis, serem enquadrados como traficantes com pouca quantidade, enquanto brancos de bairros ricos se livram com facilidade.

Só atinge o pobre

Exposto isso, Moraes defendeu, assim como Fachin a necessidade de positivar de forma efetiva uma quantidade específica para distinguir. “A quantidade, eu insisto, que precisa ser o critério, porque o que nós verificamos é uma injustiça muito grande”, disse.

Moraes lembrou que a guerra às drogas, levada com violência pelo Estado nos últimos anos, levou a sociedade a resultados desastrosos. Existe um encarceramento intenso da população periférica, enquanto o uso jamais recuou.

Sobre o tema, Moraes foi duro: “A mediana para caracterização de tráfico de maconha para os presos analfabetos, ou seja, o analfabeto, ele é considerado traficante com 32,275 gramas. Aquele que tem segundo grau completo, a mediana é 40 gramas. Agora, os portadores de diploma de curso superior, a mediana é 49 gramas. (…) Do analfabeto para quem tem curso superior, a diferença é de 52%. Mas a conduta é igual? Conduta a mesma. Aqui as condutas são idênticas.(…) Não há justiça nisso. Nós podemos entender, todos são traficantes, os dois são traficantes, ou que os dois são usuários”.

“Então, temos uma mediana em razão da cor da pele, da idade. Reafirmo a necessidade de equalização de uma quantidade média padrão, com uma presunção relativa para diferenciar o portador do traficante. Como me parece importante, e insisto, vai ao encontro da própria Constituição, do tratamento igualitário, isonômico, todos pegos. Quem for pego portando 1 grama de maconha é traficante ou usuário? O que não pode é uma pessoa com essa quantidade ser traficante e outra usuária”, completou o ministro.

Divergências

Embora Moraes tenha proferido voto junto do relator, ele apresentou divergências. A primeira, de pedir expressamente que seja positivado a quantidade para distinção entre tráfico e porte. Assim como ele, entendeu Barroso. Já sobre a substância especificamente, Moraes concordou em fechar questão apenas sobre a maconha. Isso porque o ministro defende o baixo poder lesivo da substância, “amparado na ciência”.

O único que versou sobre outras substâncias foi o relator. Mendes defende a tese da Defensoria Pública de São Paulo de que o uso de drogas não configura ato lesivo à sociedade, apenas ao próprio indivíduo. Então, o porte não deveria ser tratado como problema da Justiça criminal, mas sim com algo relacionado à saúde pública. “Por conta da repercussão geral, entendo que seria o caso de trazermos repercussão sobre outras drogas. Inspirado em experiências bem-sucedidas do sistema português, por exemplo”, disse. Portugal descriminalizou todas as drogas e passou a tratar o tema em âmbito de saúde.

Atenção na Corte

Então, Mendes pediu atenção à Corte, uma vez que a restrição do entendimento à maconha sequer é alvo do questionamento central. É fato notório o baixo potencial lesivo da maconha. Mas o que está em questão é se o fato de usar drogas, sem prejudicar outrem, deve ser tratado como problema criminal. A legislação já exclui de punição a autolesão. Então, o relator argumentou: “Se decidirmos que se trata só da maconha, certamente, imediatamente, virá a repergunta a propósito de outras drogas. Vimos levantamentos que a maconha, embora seja líder em relação ao uso, a cocaína vem em seguida. E tem outras drogas com desdobramentos trágicos, que trazem outros e maiores danos”, disse.

Mendes, então, pediu suspensão do julgamento por poucos dias para aperfeiçoar este tema. “Se os colegas tolerassem e permitissem, indicaria o adiamento para perfilar, anotar essas diferenças. Para trazermos esse caso, tentarmos um alinhamento. Talvez na próxima semana, posso trazer uma tentativa de harmonizar. Pelo menos àqueles com consenso básico. Liberarei para a próxima semana”, disse. Barroso e Fachin, então, concordaram com a suspensão para apreciar melhor essa questão.

Da Rede Brasil Atual

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