Sinpro Campinas e Região: Educação Étnico-racial

Elisângela Lambstein Franco de Moraes*

A presente discussão traz inquietações acerca do ensino da cultura africana nas escolas; reflexões acerca da sua importância profissional do professor ao selecionar os conteúdos da aula, ao propor debates e soluções em situações conflitantes.

Nesse sentido, analisando a escola como um espaço de convivência, linguagem e comunicação sempre presentes, verificamos como afirma Paulo Freire:

Se é dizendo a palavra com que, “pronunciando” o mundo, os homens transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens.

Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se simples troca da, ideias a serem consumidas pelos permutantes.  (FREIRE, 1981, p.93).

Entende-se, assim, a urgência de estimular a educação multicultural, especialmente a africana, de forma que exista uma compreensão do aluno dos Ensinos Infantil, Fundamental e Médio, como também do Ensino Superior para as questões da diferença étnica, no sentido de valorizar e compartilhar a cultura africana, como uma cultura que tem muito a contribuir de forma efetiva para as relações étnico-raciais.

Com a aprovação da Lei nº 10.639/2003[1], tornou-se obrigatório o estudo de história e cultura africana e afro-brasileira nas instituições de educação, fez-se assim, necessário reformular o currículo escolar brasileiro, inserindo a realidade de uma educação multicultural, espaço que até então, era ocupado por conteúdos escolares voltados às concepções eurocêntricas.

A preocupação com a formação profissional, na área aqui em discussão, se observa, pela característica do professor ao mesmo tempo em que é formador de cultura, se caracteriza também como receptor desta; vê-se que a cultura trazida no cerne do educador tem o potencial de fomentar no espaço escolar, a valorização da cultura afro-brasileira.

Não são todos os educadores que se abrem para a reflexão e discussões, sendo ainda hoje, uma árdua tarefa abrir debates em torno dessa questão, por demandar conhecimento, sem o qual se inviabiliza qualquer reflexão séria a respeito, de combate às ideologias que oprimem e que reforcem o racismo.

“Aprendemos, na cultura e na sociedade, a perceber as diferenças, a comparar, a classificar. Se as coisas ficassem só nesse plano, não teríamos tantos complicadores. O problema é que, em vários contextos, também vamos aprendendo a tratar as ditas diferenças de forma desigual”.[2] Nisso consiste o ponto chave do racismo, ambiente onde se estabelece a visão de inferioridade da população de pele negra e, com isso, a desvalorização da cultura afrodescendente.

Após a abolição, a sociedade brasileira, nos seus mais diversos setores, não se colocou política ideologicamente contra o racismo; pelo contrário, o tem alimentado a ponto de reproduzir tamanha desigualdade racial denunciada pelo Movimento Negro e comprovada em pesquisa de órgãos governamentais e universidades.”[3]

Sendo assim, a constituição das bases ideológicas no espaço escolar teve em sua gênese o profissional ligado à educação, que não conhecia a importância da cultura africana e afro-brasileira e o entendimento de como aplicar, no meio acadêmico, esses conteúdos ligados às africanidades.

Mediante às bases historicamente constituídas, profissionais da educação necessitam refletir com seus pares, conceitos e terminologias para tratar da temática em suas aulas e nos espaços acadêmicos em geral. Contudo, a problemática é densa e vai muito além de terminologias, demandando cuidado com a linguagem, com as ações e tomadas de decisões mediante conflitos que permeiam constantemente o espaço educativo; as ações cotidianas dizem muito mais que palavras no campo formativo.

O educador ou educadora como um intelectual tem que intervir. Não pode ser um mero facilitador”;[4] o educador transmite, por meio dos conteúdos e dos seus argumentos, subsídios teórico-práticos, provocando inquietações e relacionando o objeto de conhecimento à realidade, de forma crítico-propositiva. Deve o profissional da educação dar sentido ao conteúdo estipulado, de tal maneira que o torne significativo aos alunos.

Cabe, nesse contexto, afirmar que a vivência do professor e sua abordagem conceitual são os desafios no que dizem respeito à diversidade. O professor tem o papel de fomentar a valorização da cultura afro-brasileira, independentemente da modalidade de ensino em que esteja atuando.

O desafio de reversão de valores opressores, reflexões humanizadoras, questionamentos das formas de preconceitos e estereótipos produzidos ao longo da história no Brasil e no mundo, suas causas e consequências atuais, são tarefas que exigem um posicionamento político no sentido de defesa do ensino étnico-racial na escola, com o propósito de promover uma reflexão crítica e assertiva sobre negros, brancos, indígenas e asiáticos, em prol dos direitos fundamentais de todos.

Encontra-se atualmente a temática da “valorização da cultura afro-brasileira” nos documentos oficiais que norteiam a educação brasileira, mas nota-se a necessidade da comunicação e, portanto, do diálogo que possibilite novos caminhos que desconstruam a manutenção do racismo, preconceitos e discriminações; deve assim, promover a transformação na visão e reconhecimento das demais etnias em favor da igualdade e equidade. A superação da marginalização, do racismo e, com isso, a desconstrução desse legado histórico.

Cabe ressaltar que o êxito das políticas públicas educacionais voltadas às relações étnico-raciais advém de educadores que pautam os seus trabalhos no reconhecimento e na valorização da identidade, da cultura e história dos povos subalternizados pelo racismo.

A reeducação das relações étnico-raciais no campo da educação pode ser qualificada, também, por meio da interlocução dos educadores com um conjunto de ações para além do espaço da escola, de interação com os movimentos sociais, por exemplo. Quanto mais diálogo e conhecimentos forem disponibilizados sobre a cultura africana, indígena e asiática, mais possibilidades de desmistificar as ideologias e estereótipos racistas existirão.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 15 ago. 2019.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 9ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.

_______. O caminho se faz caminhando: conversas sobre educação e mudança social. Petrópolis: Vozes, 2003.

MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. Para entender o negro no Brasil de hoje: histórias, realidades, problemas e caminhos. São Paulo: Global, 2016.

* Mestra em Educação Sociocomunitária pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, UNISAL; Especialista em Cultura Afro-brasileira, Coordenadora Pedagógica SESI Santa Bárbara d’Oeste.

[1] BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, p. 2. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil _03/ Leis/ 2003/ L10.639.htm>. Acesso em: 15 ago. 2019.

[2] MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. Para entender o negro no Brasil de hoje: histórias, realidades, problemas e caminhos. São Paulo: Global, 2016, p. 176.

[3] Ibid., p. 176.

[4] FREIRE, Paulo. O caminho se faz caminhando: conversas sobre educação e mudança social. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 177.

Do Sinpro Campinas e Região

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