“Somos substituíveis para o sistema”, diz professora sobre mortes na volta às aulas

Atividades presenciais fizeram aumentar mortes de professores e alunos pela covid-19; em São Paulo, 51 morreram

Para famílias de professores mortos pela covid-19, o que resta é a saudade. “É doloroso demais, porque tudo tem o cheiro da pessoa. Não é só o físico dele que foi embora, é uma parte da sua história”, conta emocionada Erismar Nunes de Oliveira, professora da rede estadual no Amazonas.

O irmão dela, o também professor Erivonaldo de Oliveira, morreu no auge da crise da falta de oxigênio que atingiu o estado em janeiro. O governo federal foi informado que o colapso, com o fim dos estoques, chegaria ao Amazonas, mas nada foi feito. O docente deixou a família e um legado profissional de 25 anos na Escola Estadual Petrônio Portela.

Apesar da pressão dos professores e dos pais de alunos, as escolas públicas e privadas reabriram de forma presencial em todo o país em 2021. As orientações para a volta às aulas exigiam a adoção de medidas de segurança, como o uso de máscaras, o distanciamento social e o fornecimento de máscaras e álcool em gel nas instituições. A falta de estrutura nas escolas, porém, impediu que os protocolos sanitários fossem cumpridos.

O último levantamento do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas revela um total de 64 mortes de professores pelo coronavírus até meados de fevereiro.

“A sensação que eu tenho é que nós somos apenas uma peça. De fato, para o sistema, nós somos a força de trabalho substituída a qualquer momento. As nossas vidas para as nossas famílias é que não são substituídas assim: o meu irmão morreu”, lamenta a professora.

“Tragédia anunciada”

Em São Paulo, o professor José Geraldo Corrêa Júnior, da Escola Estadual Samuel Wainer, não perdeu familiares, mas, sim, dezenas de colegas após a volta presencial nas escolas.

“Nós havíamos avisado ao estado que essa tragédia era anunciada. Não houve uma surpresa por parte da Seduc [Secretaria de Educação do Estado de São Paulo] e do secretário de educação, o professor Rossieli [Soares], porque nós sempre dissemos: ‘Não há condições para que a escola pública reabra para ensino presencial. Não há condições de protocolo. As escolas não estão adequadas para esse momento catastrófico”’, afirma Geraldinho, como é conhecido, que também é diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp).

No site do sindicato, é possível encontrar um quadro diário atualizado sobre as mortes e contaminações pela covid-19 após o regresso da aulas em São Paulo. Desde a retomada das aulas, em 26 de janeiro, mais de 2,3 mil pessoas foram infectadas e 51 morreram, sendo 32 professores. Além disso, das 5,1 mil escolas do estado, 1.060 têm casos positivos confirmados.

O último boletim epidemiológico da Seduc, que contempla os dados registrados até 6 de março, revelou um número de 21 mortes em decorrência da covid-19 após a volta às aulas presenciais no estado.

A gravidade do cenário fez as aulas serem suspensas. No início do mês, a Justiça paulista proibiu o governo estadual de realizar atividades presenciais com a convocação de professores nas fases mais restritivas da pandemia. Todas as regiões de São Paulo estão no nível máximo de alerta no combate ao coronavírus. Hoje, as escolas estão em recesso escolar, e a Secretaria de Educação planeja a retomada para o dia 4 de abril.

“Gostaria agora que aqueles que disseram que era seguro, e especialmente o professor Rossieli, olhassem nos olhos das 51 famílias que perderam seus entes queridos e digam de novo que é seguro ir às escolas”, cobra Geraldinho.

Alternativas

Na sexta-feira (19), o Diário Oficial da União publicou o veto integral de Jair Bolsonaro (sem partido) ao projeto que previa o repasse de recursos para que os estados pudessem garantir o acesso à internet nas casas de alunos e professores.

“Se nós tivéssemos tanta importância para a rede estadual e para o país, nós seríamos colocados em fila imediata para a vacina. Esse governo que nós temos não está preocupado com a vacina, não está preocupado com as pessoas, com o brasileiro, e muito menos com o professor”, alerta Erismar Nunes.

Outro lado

O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria Estadual de Educação do Amazonas e de São Paulo, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.

Brasil de Fato

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