Temer e Congresso atropelam regras e STF se omite, diz especialista da OAB
São Paulo – O vice-presidente da Comissão de Seguridade Social da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Diego Cherulli, desconstrói o argumento do déficit da Previdência, utilizado pelo governo de Michel Temer (PMDB) para restringir o acesso dos cidadãos à aposentadoria. “A reforma da Previdência é assombrosa. Nós, especialistas, ficamos desesperados em ver esse discurso (do déficit) propagado sem poder falar nada nas televisões”, afirma.
A questão central, de acordo com o especialista, está no método de interpretação da lei adotado pelo governo, que atropela a norma jurídica estabelecida. “Não estamos lidando com um simples querer de alguém. Precisamos tratar do querer da Constituição e do povo (…). A reforma da Previdência vem atropelando todo o processo legislativo, inclusive os regimentos das Casas Legislativas, e o nosso Supremo Tribunal Federal (STF), embora acionado, tem se mostrado omisso”, critica.
“A problemática do déficit tem relação com a interpretação jurídica. De um lado, temos a União dizendo que tem esse déficit absurdo. E nem o governo federal consegue combinar um número só, cada vez apresentam valores diferentes. A vontade da Constituição não está sendo seguida; hoje, temos a vontade de quem patrocina certo projeto. Isso está muito errado”, continua. De acordo com o especialista, o governo Temer está utilizando de manobras que “beiram a irresponsabilidade fiscal” para inflar o déficit.
“O governo apresentou, durante Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a reforma da Previdência, que o total do déficit foi de R$ 205 bilhões em 2015 e R$ 293,7 bilhões em 2016”, afirma. O equivoco nesta conta, de acordo com Cherulli, é que o governo está somando as despesas do Regime Geral de Previdência Social (seguridade provida pelo INSS), com o Regime Próprio (dos servidores públicos) e com os militares e anistiados. “No artigo 154 da Constituição Federal, os legisladores afirmam claramente: ‘A Seguridade Social compreende o conjunto integrado de ações e iniciativas dos poderes públicos e da sociedade destinados a assegurar os direitos relativos à Saúde, Previdência e à Assistência Social’”, afirma.
Então, Cherulli continua sua explicação a partir de preceitos legais. “No Título VIII, da Ordem Social, presente na Constituição, no Capítulo II, ela trata a seguridade social como esses três itens (Saúde, Previdência e Assistência Social). Na seção III deste capítulo, o texto trata a Previdência Social. Este ponto é essencial: ‘Previdência Social será organizada sob a forma de regime geral’. Então, Previdência dos servidores é tratada em outro campo, em outro capítulo, no artigo 40 da Constituição.”
Desvinculações e dívida
De acordo com cálculos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), a Previdência social (do regime geral) deveria ter acumulado um superávit de R$ 657,77 bilhões, que de acordo com a legislação, deveria ser poupado em um fundo para sustentar a Previdência em situações futuras, de acordo com a Lei Complementar 101 de 2000 (a Lei de Responsabilidade Fiscal). “E para aonde foi esse dinheiro?”, questiona Cherulli.
“Para as Desvinculações de Receita da União (DRU)”, responde. “O objetivo central da DRU é o pagamento da dívida pública, ainda mais agora que não existem mais despesas com investimentos sociais. No cálculo de 2015, a dívida pública ocupava 42,43% do orçamento da União, enquanto a Previdência ocupava 22,69%. A disparidade é enorme, mas ninguém fala disso. Temos que saber o que estamos pagando! Veja, em 2017, a dívida pública aumentou para 50,66% do orçamento. Uma dívida nunca auditada e onde só se paga os juros, ela nunca é amortizada. Já a Previdência recuou para 19% do orçamento. Estamos diminuindo gastos com Previdência e aumentando com a dívida. Ela está sugando a seguridade. Para ela querem destruir a Previdência”, disse.
Cherulli defende que os textos da reforma da Previdência, que tramitam nas Casas legislativas, atacam em especial o regime geral, que possui superávit, para cumprir com o pagamento dos juros da dívida, manobra que possui um objetivo certeiro. “Estão focando no regime que não é o problema. Querem colocar os que estão embaixo para ainda mais embaixo. Essa história que a reforma não atinge o pobre é mentira. O objetivo é não atingir o rico”, argumenta.