Venezuela defende na OIT lei que reduz jornada e proíbe terceirizações
Presente na 18ª reunião regional da Organização Internacional do Trabalho, o vice-ministro de Direitos e Relações do Trabalho da Venezuela, Elio Colmenares, afirmou que nova legislação entrará em vigor em 2015 para “fortalecer direitos”. “Defendemos a progressividade e a intangibilidade dos direitos sociais. Nisso ninguém mexe e nem mexerá, são conquistas defendidas pelo nosso governo e por nosso povo e expressas na nossa Constituição”, frisou o representante venezuelano.
Qual a sua avaliação sobre a luta da classe trabalhadora na América Latina?
O primeiro problema é que necessitamos que as organizações sindicais ampliem seu raio de ação. O nível de sindicalização é bem baixo e o capitalismo logrou criar nichos de trabalho precário, irregular e informal. Sobretudo, temos de superar a situação muitas vezes gerada pelo temor ao desemprego, pois se acaba aceitando as maquiladoras, o trabalho indecente e a terceirização em troca de um emprego. Desta forma, muitos trabalham nas condições que se apresentarem. Os sindicatos devem questionar todo tipo de desenvolvimento que esteja baseado na desigualdade, na divisão entre trabalhadores de primeira, de segunda e de terceira categoria. Em sistemas de precarização do emprego que acabam criando elites que têm convenções coletivas muito boas, com uma série de benefícios derivados da relação laboral, mas que acabam convertendo-se em pequenas Ilhas diante da superexploração dos demais setores. Temos áreas como o setor automotivo, onde há negociação coletiva, sindicalização, entidades fortes, mas que se sustenta no sistema de maquiladoras, muitas vezes colocadas em zonas francas onde as condições de trabalho são de total deterioração.
Como a Venezuela tem enfrentado isso?
Primeiro, temos uma Lei Orgânica do Trabalho dos Trabalhadores e Trabalhadoras, promulgada pelo Comandante Hugo Chávez Frias em maio de 2012, que entrará em vigor em 2015, em que fica eliminada todo tipo de terceirização utilizada para fraude ou simulação de relação trabalhista. Aquele sistema usado por empresas que contratam por meio de um terceiro para simular uma relação laboral fica completamente eliminado, vira delito penal, com os trabalhadores passando a ter vínculo direto. Há outros casos, porém, em que não há simulação e existe uma empresa real e intermediária que gera o serviço. Quando estas relações de trabalho são de caráter permanente, se obriga a que estas empresas intermediárias gerem a seus trabalhadores os mesmos direitos que o da empresa principal.
Os mesmos direitos?
Os mesmos direitos e benefícios. Estamos atacando fortemente esta questão a partir do Estado, que não é imune ao problema, um esquema que se implantou desde o final do século passado. E conseguimos reverter mais de 90 mil casos de terceirização de trabalhadores diretos em áreas chaves como a indústria telefônica, elétrica, siderúrgica e petrolífera. Ainda não revertemos tudo, mas vamos cumprir até o final do ano com o prazo, como na área de subministro de água, onde os planos de privatização desmontaram toda a estrutura estatal e se formaram empresas terceirizadoras. Antes de dezembro terminaremos com a maioria das formas de terceirização e todas essas empresas.
E como ficam os serviços por empreitada?
As áreas onde vamos utilizar empreiteiros são reais. Na maioria dos casos grandes, como nas indústrias siderúrgica, petrolífera e elétrica, as convenções coletivas têm estabelecido que qualquer empreiteiro deve garantir os mesmos direitos e benefícios pelo tempo que dure o contrato.
E como combater a impunidade e garantir que a lei seja efetivamente cumprida?
Posso dizer que quando implantamos a lei, no momento que a formalizamos, o presidente Chávez estava muito doente e aconteceriam eleições presidenciais. Houve um setor que praticamente quis que a lei nascesse morta, anunciando que ela era desnecessária porque seria rapidamente anulada, já que o presidente não ganharia as eleições. Era quase uma proposta eleitoral aos patrões de que a lei não seria aplicada. Porém, não somente o presidente ganhou as eleições, como ratificou a lei. Por outro lado, pela primeira vez uma lei é discutida e conhecida pelos trabalhadores, mais inclusive do que por muitos especialistas laborais.
Pude comprovar nas ruas de Caracas que a lei é bastante popular.
Sim. Muitos milhões de exemplares foram distribuídos. Há um conhecimento dos trabalhadores da sua lei e esta é a primeira garantia de seu cumprimento. Há um procedimento de reclamação, novíssimo, contido nela, que permite a atuação imediata da autoridade administrativa na resolução das reclamações trabalhistas. Diante de uma reclamação laboral, há uma audiência rápida, de um único dia e, uma vez que não se consiga uma conciliação, em 48 horas se produz uma decisão da autoridade administrativa sobre o fato. A autoridade decide e já aplica.
Há uma presença mais ativa nos locais de trabalho?
Também temos desenvolvido nestes anos um sistema de inspeção laboral. Criamos o vice-Ministério do Sistema Integrado de Inspeção Laboral e Seguridade Social, que vem desenvolvendo uma atividade preventiva, tendo por objetivo inspecionar entre 12 e 15% dos locais de trabalho a cada ano. Este é um aspecto importante da lei. Além disso, há uma capacidade de medição, importante, que chamamos ativo laboral. Toda empresa deve ter um ativo outorgado pelo Ministério do Trabalho, o que lhe certifica não haver nada pendente, nem com os trabalhadores, nem com a Previdência. Sem este documento as empresas não podem ter contrato com o Estado, não podem receber crédito, nem acessar divisas. Os números mais recentes, da metade do ano, apontam para um índice de descumprimento de 8% num universo de quase 500 mil empresas, uma insolvência baixa.
E a pressão patronal em meio à guerra de desestabilização?
Há uma pressão de determinados setores da burguesia, sobretudo diante da guerra econômica em curso, para que alguns pontos da lei como a imobilidade laboral, o sistema de contribuições sociais e a proibição das horas extras sejam eliminados. Eles têm um modelo econômico baseado na desregulamentação da jornada, em que dizem: “trabalhem enquanto possam”, premiando àqueles que fazem mais por fora do horário de trabalho. Tem um sistema de premiação e castigo baseado na demissão, um sistema que promove a alta rotatividade e os contratos por tempo determinado. É isso o que está sendo vendido como modelo a todos os países.
E a Venezuela vai na contramão desta lógica neoliberal.
Exatamente. Temos uma lei que proíbe as demissões. Para que o trabalhador seja demitido deverá haver uma razão, para que a solicitação seja processada previamente. O patrão deverá acusar o trabalhador de ter cometido um delito e comprová-lo. Temos uma lei que só reconhece os contratos por tempo determinado quando há uma causa que justifique a sua temporalidade. Tem um sistema de benefícios que premia a permanência, não a rotatividade. E tem um sistema que penaliza a hora extra e a terceirização. Então, temos um sistema que contradiz os modelos em voga. Isso gerou uma resistência, particularmente na intelectualidade burguesa venezuelana, que diz ser impossível de executar. No entanto, a realidade que temos é de cumprimento da lei, não de violação, extremamente restrita a alguns nichos.
E como enfrentar a resistência conservadora?
Há nichos muito determinados, onde o cumprimento se faz mais difícil, como no setor rural ou no trabalho a domicílio. O trabalho infantil está proibido, mas às vezes encontramos uma mãe que é contratada pela indústria têxtil e acaba envolvendo toda a família. Este é um sistema de exploração familiar em que se trabalha por empreitada, que se recebe por peça. O fato é que estamos ampliando o número de setores alcançados pela lei. Vamos evoluindo.
É algo complexo, principalmente porque é uma lei que altera as regras do jogo.
É uma lei novíssima que, já em seu primeiro artigo, estabelece o trabalho como um processo social e estabelece as garantias e direitos dos trabalhadores dentro deste processo, porque são eles que produzem a riqueza, está claro. Isso é um dos mecanismos que preocupa a Organização Internacional do Trabalho (OIT), porque nós somos capazes de construir leis por fora do diálogo tripartite. É verdade, é difícil dialogar com a nossa burguesia. No esquema tradicional, neste diálogo de três atores, os trabalhadores ficam restritos a ficar desesperados batendo na porta do governo e dos empresários. Com governos que trabalham em função dos interesses da burguesia. Agora, na Venezuela, nós invertemos esta relação porque temos os trabalhadores, um governo que defende os interesses dos trabalhadores e, obviamente, o terceiro ator já sente que a festa não é mais dele. Então se queixa à OIT. Contraditoriamente, somos o único governo que vem sendo submetido a acusações de violações de liberdade sindical por parte dos patrões. Esta é a segunda vez. A realidade é que a OIT tem servido como porta-voz das denúncias da Fedecámaras (Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela). Inclusive a recente missão da OIT que viajou ao nosso país foi para verificar acusações desta entidade empresarial. Não temos denúncias de violações laborais por parte dos trabalhadores, o que temos é por violação do “diálogo social”, entre aspas, por parte de Fedecámaras, porque estamos lhe “impondo” leis e decisões. E isso é certo, porque não temos como dialogar com um setor golpista que está permanentemente sabotando o país. O diálogo é entre atores que se reconhecem. A velha tradição do “diálogo” para trocar direitos, em que te dou aumento de salário em troca de eliminar conquistas, de retirar ou reduzir aposentadorias, isso não vai acontecer na Venezuela. O fato é que eles partem da seguinte concepção de diálogo: eu sou a burguesia, isto é o que eu quero, tens que me dar e pronto. Isso não funciona assim. O que funciona são as necessidades do país, do trabalho e dos trabalhadores. É sobre esta base que estamos dispostos a discutir.
E o que pensa e como age a OIT em relação a isso?
Nós somos um modelo que vai na contramão do que determina a OIT, que estabelece um mecanismo de diálogo social que, muitas vezes, mais se parece a um mecanismo de chantagem. A lista de países que são denunciados à OIT por violações de casos laborais é muito terceiro-mundista, são muito poucos os países do chamado Primeiro Mundo colocados no banco dos reús. A Venezuela tem a honra de ter se sentado neste banco durante os 14 anos de revolução. Recentemente foi risível ver nosso país sendo acusado pelo acordo do salário mínimo, quando reajustamos duas vezes ao ano e garantimos aumentos reais permanentes. Quando fomos acusados, os representantes dos trabalhadores afirmaram que queriam que seus países tivessem a mesma política salarial do governo venezuelano. Qual era a desculpa da denúncia? Que nós não negociamos com a Fedecámaras. Isso é mais risível ainda, porque consultamos, ouvimos sua opinião, mas, sinceramente, não vamos transformar mesas de negociação salarial em mesa de comércio de direitos. Defendemos a progressividade e a intangibilidade dos direitos sociais. Nisso ninguém mexe e nem mexerá, são conquistas defendidas pelo nosso governo e por nosso povo e expressas na nossa Constituição.
Da CUT