Conquista do voto feminino no Brasil completa 90 anos, mas participação de mulheres ainda é baixa nos espaços políticos

Em 2020, 52,50% dos eleitores eram mulheres, mas elas reprtesentaram só 15% dos que conquistaram mandatos. Para pesquisadora, 'igualdade política não é composta só pelo voto, depende de condições iguais de participação'

A conquista do voto feminino no Brasil completa 90 anos nesta quinta-feira (24). Em 1932, o Código Eleitoral garantiu a mulheres acima de 21 anos os direitos de votar e serem votadas em todo o território nacional. Dois anos depois, em 1934, o sufrágio feminino passou a ser previsto na Constituição Federal.

Mas ainda existem muitos obstáculos que a mulher enfrenta no espaço político. “Votar é relevante, mas a igualdade política não é composta só pelo voto, depende de condições iguais de participação”, diz Flávia Tokarski, professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).

As mulheres representam a maioria dos eleitores do Brasil: 52,50% nas eleições de 2020, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além disso, são 45,30% das filiações partidárias.

Mas, quando se analisa a presença na política, apenas 15% dos eleitos em 2020 eram mulheres. Em 2018, elas representavam 16% do total.

As mulheres e a política no DF

No Distrito Federal, dos 2 milhões de eleitores, 1,1 milhão são mulheres. Já em relação à inserção nos espaços políticos, na Câmara Legislativa (CLDF) há apenas quatro representantes femininas entre os 24 deputados distritais, e no Congresso Nacional, são quatro deputadas e uma senadora.

“A descontinuidade entre o direito ao voto e outras dimensões da participação política é mais grave quando a gente pensa quanto tempo se passou e as mulheres continuam sendo sub-representadas e sofrendo violência nos espaços da política institucional”, diz FláviaTokarski.

Para a pesquisadora, duas justificativas muito utilizadas para falar sobre a subrepresentação são falsas: a de que mulheres não desejam participar da política e a resistência dos eleitores em relação à candidatas mulheres. “O problema está no espaço partidário, no modo como os partidos funcionam”, aponta.

‘Corpo estranho’

Thaynara Melo, de 29 anos, vive na prática as dificuldades de ser mulher nesses espaços. “A minha sensação é que ser mulher na política é ser um corpo estranho no organismo, um vírus”, diz ela.

“O ambiente não é moldado para nos receber. Não somos vistas como pessoas com potencial de vitória”, diz Thaynara.

Envolvida com política desde a universidade, ela foi candidata pela primeira vez em 2018. Apesar de não ter ganhado, Thaynara conta que se orgulha do resultado, já que a campanha foi feita por voluntárias, com pouca estrutura e baixíssimo orçamento.

Thaynara Melo, de 29 anos, vive na prática as dificuldades de ser mulher nesses espaços — Foto: Reprodução

Este ano, ela pretende se candidatar mais uma vez, mas já reconhece os desafios. “Não tenho grupo político, padrinhos políticos, orçamento. Para quem faz política assim é sempre difícil”, aponta.

Para a professora Flávia Tokarski, a estrutura dos partidos políticos é o que mais dificulta a ascensão feminina.

“Os partidos são historicamente controlados por homens. É muito importante que haja regras que garantam financiamento para as candidaturas de forma igual, porque os partidos tendem a reproduzir o apoio aos homens”, diz a pesquisadora.

Eleita em 2018, na primeira tentativa, a deputada distrital Júlia Lucy (Novo) conta que ainda se sente questionada em muitos momentos. “Sinto que sempre me colocam em xeque: a minha opinião, as minhas defesas. Com o tempo, já houve a percepção de que eu me preparo para me posicionar”, diz ela.

Mesmo com a mudança no olhar, a parlamentar diz notar que “certas reações” aos seus posicionamentos acontecem por ela ser mulher. “Não foi fácil, não é simples, mas é fundamental participar ativa e passivamente da política brasileira”, diz a deputada.

Rede de apoio

Para apoiar as mulheres que pensam em entrar na vida política, desde 2018 a #ElasnoPoder trabalha para quebrar o padrão de acesso majoritariamente masculino à serviços de inteligência de campanha eleitoral. Segundo a coordenadora de Relações Institucionais e Governamentais da ONG, Isabela Rahal, um dos objetivos é tornar as campanhas femininas mais competitivas e preparadas.

“A gente passa muito tempo brigando pra não retroceder e não consegue avançar. Ainda temos regras institucionais e estruturas partidárias que penalizam muito as mulheres”, diz Isabela.

Para aquelas que fazem parte de outras minorias – negras, de periferia, indígenas ou mulheres com deficiência – o cenário pode ser ainda mais desafiador, aponta a coordenadora da #Elasno Poder. “Conforme você adiciona outros elementos de minoria, as mulheres vão ficando cada vez mais para trás”, afirma.

“Mulheres que conseguem acesso à redes de financiamento são majoritariamente brancas e de classe média”, diz Isabela. Segundo dados do TSE, apenas 12% das candidatas mulheres nas eleições de 2018, em Brasília, eram negras e apenas uma mulher indígena foi registrada no pleito à Câmara Legislativa.

Isabela Rahal vê como essencial não só votar em mulheres, mas também apoiar as candidaturas femininas, a partir do voluntariado e também de doações para essas campanhas.

“Não adianta falar que a política não nos representa, mas não fazer nada pra mudar. Essas mulheres são muito corajosas e enfrentam muita coisa. Faz toda a diferença o apoio que elas puderem ter da sociedade”, diz a ativista.

 Legislação

A legislação busca aumentar a participação política da mulher no Brasil. Em 2009, foi aprovada a Lei n° 12.034, que tornou obrigatório que cada partido ou coligação preencha o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.

Já em 2015, a Lei nº 13.165 determinou que as legendas utilizem 20% do tempo de propaganda gratuita no rádio e na TV para incentivar a participação feminina na política. A mesma norma tornou obrigatória, em ano eleitoral, a campanha do TSE para estimular a candidatura de mulheres.

Para a professora do Instituto de Ciência Política da UnB, Flávia Tokarski, normas como essas são essenciais para a mudança do cenário. “São importantes regras que vinculem os partidos para que eles façam suas escolhas de quem apoiar de uma maneira menos discriminatória e desigual”, diz ela.

Pioneiras

Celina Guimarães Vianna conseguiu votar antes mesmo do Código Eleitoral assegurar o direito — Foto: Reprodução/TSE

Muitas mulheres foram essenciais para que o direito ao voto fosse possível. Entre elas, Celina Guimarães Vianna, a primeira eleitora do Brasil. A professora potiguar pode votar antes mesmo do Código Eleitoral assegurar o direito.

Em 1927, assim que o Rio Grande do Norte aprovou uma lei estadual que estabelecia a não distinção de sexo para o exercício do voto, Celina fez uma petição para que seu nome fosse incluído na lista de eleitores do estado.

Ao receber um parecer favorável, ela apelou ao presidente do Senado Federal para que todas as mulheres tivessem o mesmo direito. Celina não foi apenas a primeira eleitora do Brasil, como também pioneira na América Latina.

Um ano após Celina conquistar o direito ao voto, Luíza Alzira Soriano Teixeira se tornou a primeira prefeita eleita no Brasil e na América Latina. Ele venceu o pleito para a prefeitura de Lajes, cidade do interior do Rio Grande do Norte, com 60% dos votos.

Com a Revolução de 1930, Alzira perdeu o mandato por não concordar com o governo de Getúlio Vargas. Somente com a redemocratização, em 1945, ela retornou à vida pública, como vereadora do município onde nasceu. Elegeu-se por mais duas vezes consecutivas e presidiu a Câmara de Vereadores mais de uma vez.

G1

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