O Espírito de Natal

Foto: Site Voz do Planalto

O Espírito do Natal chegou sem barbas brancas. A roupa também não era vermelha e ele não trazia um gorro engraçado na cabeça, enfeitado por pelúcia clara. Havia um cinto preto, é claro, mas o adereço parecia rodar em sua cintura magra, correndo o risco de deslizar demais até desabar pelos seus pés. Era, enfim, um Espírito de Natal meio triste, quase raquítico, vestido de preto, como que de luto.

Quando entrou pela chaminé, sujo de fuligem, as crianças olharam assustadas, tiveram medo, quase choraram; nunca tinham visto um Espírito de Natal tão estranho quanto aquele. E ainda por cima não trazia o saco escarlate como o do outro espírito, aquele acostumado a ser visto nos shoppings centers e nas telas do cinema — e que, por causa da cor, desavisados até chamavam de “comunista”. Cansado, com seus direitos trabalhistas roubados, impedido de defender a justiça social e de combater toda e qualquer discriminação — como deveria ser o papel de um verdadeiro Espírito de Natal —, esse Espírito chegava ali combalido e, como na canção, sem nada no bolso ou nas mãos.

Passado o susto inicial, os presentes, famílias inteiras de trabalhadores, compadeceram-se dele. O ano havia sido difícil para cada um deles também. Precarização do trabalho, rebaixamento de salários, ataques ao seu direito de organização, censura e perseguição àqueles que trabalhavam para construir cidadania a partir da educação, a vitória de um projeto fascista nas urnas… Todos esses haviam sido os “presentes”, ao longo de meses, entregues pelas mesmas forças que, agora, enfraqueciam o recém-chegado Espírito de Natal.

Reconhecendo-se nele, abriram-lhe espaço na mesa, convidaram-no para sentar, pediram que o Espírito de Natal se instalasse entre eles, deram-lhe as mãos. E, ao fazerem isso, aos poucos lhe devolveram a cor desaparecida: o vermelho da luta, o vermelho do sangue de tantos que tombaram defendendo a justiça, o vermelho do amor. Talvez tivessem pouco para dividir, mas eram muitos. Juntos, eram maiores que tudo. Somadas, unidas, suas forças eram capazes de renovar o brilho no olhar do Espírito de Natal.

E no de cada um.

Apesar de tentarem nos enfraquecer, que o brilho nos olhos e a disposição para a luta sejam nossos presentes neste Natal. Somos muitos, estamos juntos. 

Esses são os votos da Contee.

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