Parlamentares e partidos se mobilizam para derrubar MP que altera o Marco Civil da Internet
Enquanto líderes da oposição pressionam o presidente do Senado para recusar a MP do Executivo, partidos ingressam no STF com ações diretas de inconstitucionalidade contra o texto
Desde segunda-feira (6), parlamentares e partidos políticos têm se esforçado para derrubar a Medida Provisória 1.068/21 editada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Anunciada desde maio pelo Palácio do Planalto, a medida foi assinada no início desta semana e altera dispositivos do Marco Civil da Internet (MCI) e da Lei de Direitos Autorais (LDA) que regulam o uso de redes sociais no Brasil.
Segundo parlamentares, pesquisadores e organizações da sociedade civil, ao limitar as ações de moderação de conteúdos por parte das empresas que administram as redes, a medida incentiva a prática de desinformação e a disseminação de discursos de ódio.
De acordo com representantes da oposição na Câmara e no Senado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), deve decidir ainda esta semana se acolhe ou devolve a MP ao Executivo. Em geral, as Medidas Provisórias editadas pelo presidente da República têm efeitos jurídicos imediatos, contudo, para se tornar uma lei ordinária a MP precisa ser aprovada nas duas casas do Congresso.
Ainda na segunda-feira, o deputado federal Bohn Gass (PT-RS) e o senador Paulo Rocha (PT-PA), apresentaram requerimento a Pacheco pedindo que o texto seja devolvido. A ação recebeu apoio dos deputados e líderes da Oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ); da Minoria, Marcelo Freixo (PSB-RJ); do PDT, Wolney Queiroz (PDT-PE); do PSOL, Talíria Petrone (PSOL-RJ), e do PSB, Danilo Cabrial (PSB-PE).
“Nitidamente, a medida busca atender a interesses políticos e pessoais do presidente da República e também de seus aliados, que estão sendo alvo de iniciativas restritivas das aplicações de internet – na advertência e exclusão de contas veiculadoras de violência e da promoção de atos antidemocráticos – bem como de decisões judiciais, sobretudo em razão de investigações e processos que tramitam em defesa das instituições e dos Poderes da República”, diz o documento.
Inconstitucional
O relator do Marco Civil da Internet, Alessandro Molon, também prometeu acionar a Justiça para que seja declarada a inconstitucionalidade da medida. De acordo com o deputado, a norma editada por Bolsonaro deforma o MCI, que é tomado como referência mundial em termos de legislação sobre a internet:
“Seu objetivo não é proteger a liberdade de expressão, o que o MCI já faz. O que deseja é impedir que a desinformação e o discurso de ódio que ele e seus apoiadores espalham possam continuar a ser removidos pelas plataformas. Não conseguirá”, afirmou.
Nesta terça-feira (7), o Partido Socialista Brasileiro (PSB) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o texto. A iniciativa foi seguida pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Partido Novo e Solidariedade, que também protocolaram ações junto ao Tribunal. Os partidos argumentam que além inviabilizar o combate à disseminação de notícias falsas nas redes sociais, a MP de Bolsonaro não atende os requisitos formais de urgência e relevância que a justifiquem e ainda apresenta matérias impróprias de serem tratadas por meio desse instrumento legal.
Riscos
Em nota divulgada ainda na segunda-feira, a Coalizão Direitos na Rede (CDR), que reúne cerca de 50 entidades da sociedade civil e organizações acadêmicas que trabalham em defesa dos direitos digitais, informou que a MP 1.068/21 representa “um preocupante cheque em branco, com potencial para prejudicar usuários, órgãos públicos e empresas que interagem e ofertam serviços online”. Segundo a organização, a medida ainda pode “causar impacto irreversível no funcionamento de plataformas de redes sociais no Brasil”.
A MP de Bolsonaro, no entanto, inverte essa lógica e define que as empresas só podem retirar conteúdos duvidosos do ar após autorização judicial. Assim, segundo a CDR, a medida dificulta que as empresas realizem, por exemplo, o controle de spam ou de vendas de armas bem como a suspensão de contas destinadas a promover crimes e ataques em nome da liberdade de expressão. Deste modo, na opinião da CDR, “o governo prejudica a possibilidade de brasileiras e brasileiros se sentirem seguros e ouvidos para se expressar, criando uma internet sem diversidade de espaços”.
Discussão
Em relação à decisão do Governo Federal de intervir na regulação das redes sociais por meio de Medida Provisória, a jornalista e pesquisadora Bia Barbosa considera impossível que uma regra determinada “de cima para baixo”, sem qualquer debate com os diversos setores envolvidos, resulte em uma medida positiva.
Com experiência de anos de pesquisa sobre liberdade de expressão e regulação de meios, a jornalista lembra que o MCI se tornou referência mundial não somente pelas regras que estabelece, mas também pela forma como foi construído, envolvendo setores que vão desde os usuários da internet até a comunidade técnico-científica, empresas que prestam serviços online e provedores de acesso e conexão. Segundo ela: “foi justamente esse debate amplo, plural e feito de maneira não açodada que permitiu ter como resultado uma lei equilibrada, uma lei democrática”.
Ainda sobre a ausência de diálogo por parte do Governo Federal, a pesquisadora ressalta que nem mesmo o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) foi consultado sobre a edição da MP, contrariando determinação prevista no Marco Civil da Internet. De acordo com o artigo 24 da Lei, o CGI deve ser ouvido pelo Poder Público em iniciativas de promoção da racionalização da gestão, expansão e uso da Internet no país.
Barbosa reconhece que o debate sobre os limites da moderação de conteúdos por parte das empresas privadas que administram redes sociais é fundamental e deve ser feito. Porém, defende que o tema seja discutido pelo Congresso Nacional.
Ela destaca, inclusive, que o assunto já tem sido discutido no âmbito do Projeto de Lei 2630/20, o chamado “PL das Fake News”. O texto do PL passou pelo Senado e tramita na Câmara dos Deputados, onde tem sido analisado por uma comissão especial.
Edição: Jaqueline Deister