Veto judicial à avaliação da Capes se baseia na incompreensão da atuação da ciência; leia análise

Em uma intervenção sem precedentes no Sistema Nacional de Pós-Graduação,a Justiça Federal do Rio de Janeiro acatou, de forma liminar, ação do Ministério Público determinando a suspensão das atividades de avaliação da Capes em momento decisivo da Avaliação Quadrienal em curso. A ação se ancora em uma incompreensão básica dos valores, critérios, dinâmicas e lógica que regem a atuação científica e as atividades de formação correlatas.

A atividade cientifica se move pela lógica da descoberta, enquanto as atividades de desenvolvimento tecnológico e de inovação se guiam pela criação de soluções e oportunidades. São atividades marcadas pela incerteza, que exige validação permanente e contínua dos conhecimentos gerados. Essa abertura e os procedimentos de autoavaliação associados conformam o ambiente de formação de bons cientistas e pesquisadores. O sistema se estrutura sobre o julgamento por pares (pesquisadores), a partir de critérios de validação também discutidos e consagrados por esses pares. Para quem não tem vocação ou dedicação à Ciência, esse sistema pode parecer “promíscuo”. Não é. É a forma como se estrutura a atividade científica no mundo há séculos, e que orienta a atividade das principais agências de fomento do planeta.

O sistema da avaliação da Pós-Graduação brasileira conduzida pela Capes é, em última instância, a organização de um processo de autoavaliação pelo próprio Sistema Nacional de Pós-Graduação. Funciona de forma contínua e interrompida há mais de meio século, baseado em critérios de avaliação discutidos e consagrados na própria comunidade de pesquisadores que a integram e na análise comparativa dos programas. Trata-se de importante conquista do sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Uma política pública de Estado que perpassou sucessivos governos e até a mudança de regime político.

Os critérios que regem a atual Avaliação Quadrienal da Capes são fruto de ampla discussão realizada na comunidade acadêmica, científica e tecnológica desde 2017, e que contou com participação ativa das principais associações representativas dessa comunidade (ABC, SBPC, ANDIFES, ABRUEM, ABRUC, FOPROP, CONSECTI, CONFAP, ANPG, entre outros). Esses critérios foram testados e validados em seminários de meio termo realizados por todas as áreas de avaliação em 2019. Entre as melhorias está a maior valorização das contribuições dos Programas para o desenvolvimento econômico e social nacional. E agora, quando a Avaliação Quadrienal entra em sua etapa decisiva, a ação do MPF dá eco a vozes isoladas negacionistas do amplo consenso construído e determinam a suspensão das atividades e a mudança dos critérios de avaliação!

Com todo respeito aos autores da ação, qual é a sua experiência em atividades de formação e pesquisa científica e tecnológica para estabelecer essa determinação? Quem vai arcar com os prejuízos da interrupção das atividades de avaliação para a pós-graduação brasileira e para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional? A Ciência brasileira exige e merece respeito.

* Professor da PUC-Rio e da UFRJ, e membro do CTC da Capes. Foi Secretário Executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, Presidente da FINEP e Diretor Científico da FAPERJ

Terra

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