Jorge Messias: A defesa do patrimônio da União na Eletrobras
A ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 7.385, proposta recentemente pela AGU (Advocacia-Geral da União), no Supremo Tribunal Federal, não é tentativa de reestatização da Eletrobras. Também não pretende a declaração de inconstitucionalidade de nenhum dispositivo legal relativo à desestatização da empresa
Jorge Rodrigo Araújo Messias*
O que se quer, de fato, é a preservação do patrimônio da União, por meio, do afastamento de interpretação equivocada da previsão contida no art. 3º, III, “a” e “b” da Lei 14.182/21 (Lei de Desestatização da Eletrobras).
Essa compreensão quer a aplicabilidade imediata da vedação do exercício, por qualquer acionista ou grupo de acionistas, de votos em número superior a 10% do capital votante da empresa.
Embora limitações desse porte sejam prática ordinária no mercado de companhias abertas, no caso da Eletrobras o mecanismo atingiu apenas os direitos políticos da União, detidos antes de iniciado o processo de desestatização. E a limitação foi imposta sem que nenhuma forma de indenização fosse concedida à União pela perda de controle ou mesmo pela limitação de seus direitos políticos na empresa.
Nessas condições, a restrição não foi capaz de promover a finalidade pretendida com a desestatização: impedir a tomada do controle da empresa por determinado grupo. Em verdade, a incidência da regra fez apenas uma imitação de uma “true Corporation” com benefício explícito de acionistas minoritários que têm exercido, de fato, o controle da companhia, com o isolamento das posições da União nas últimas assembleias realizadas.
O benefício, como mencionado, ocorre exclusivamente em favor de acionistas que, embora minoritários, detêm posições relevantes que os levam a manter o controle efetivo da companhia. Controle que, aliás, é financiado pelo investimento público ainda existente na empresa, hoje em torno de 43% do capital social. Ou seja, a União detém capital expressivo investido, mas é impedida, por manobras de minoritários, de manifestar sua posição nas deliberações da Eletrobras.
A ADI denuncia o mecanismo perverso criado por essa forma de interpretação da lei. Não há incentivo para que minoritários — controladores de fato — promovam novas rodadas de vendas de ações ordinárias que seriam capazes de diluir a posição hoje preponderante da União no capital social. A contingência de arremedo de “corporation” favorece prontamente esses minoritários.
Ao denunciar tais circunstâncias, a ação proposta apresenta solução razoável ao impasse. Uma compreensão prospectiva da limitação do direito de voto, a ser aplicada a partir da efetiva diluição do capital social investido pelos contribuintes brasileiros na companhia, mediante novos investimentos privados. É apenas isso o que de fato se quer por meio da ADI ajuizada.
A ação não representa embaraço ao processo de desestatização. Trata-se de aprimoramento da modelagem e de mecanismo que permite a conclusão efetiva do processo de privatização, eliminando subsídios cruzados.
Por fim, é preciso afastar ideias preconcebidas que impedem o debate público sobre propostas de grande impacto e interesse sociais, especialmente aquelas suscitadas por quem tem a legitimidade das urnas.
(*) Advogado-geral da União. Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo