Feira do MST termina com benção do padre Júlio e show de Anelis, Liniker, Lenine e outros
MST trouxe produção da reforma agrária de todo o país; mais de 320 mil pessoas passaram pelo Parque da Água Branca em SP
Cacau, açaí, pequi, queijo, salame, cachaça, banana da terra, milho. Mais de 560 toneladas de 1730 tipos de produtos diferentes, trazidos até São Paulo por 1700 feirantes de todos os estados e vendidos para mais de 320 mil pessoas ao longo de quatro dias. Tudo produzido por famílias assentada da reforma agrária, que conquistaram a sua terra por meio da luta organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Os números dão uma noção do tamanho da 4ª Feira Nacional da Reforma Agrária do MST, que se encerrou na noite deste domingo (14), no Parque da Água Branca, região oeste da capital paulista.
A área de alimentação serviu 80 mil refeições ao longo dos quatro dias. Pratos tradicionais de todo o país, produzidos com alimentos oriundos da reforma agrária.
Para a agricultora Giselda Coelho Pereira, do assentamento 26 de março, em Marabá (PA), o sucesso da feira já está fazendo o espaço ficar pequeno. “A feira está crescendo a cada edição. É um movimento crescente de público mas também de participação dos agricultores. Cada ano chegam mais agricultores e mais cooperativas à feira para estabelecer essas relações de comercialização e troca de conhecimentos”, disse ao Brasil de Fato a dirigente nacional do setor de produção do MST.
“Nossa riqueza cultural esteve representada em todos os espaços, na culinária, na produção agroecológica que mostra que é possível fazer agricultura de outro modo, mas também da poesia. Essa é a riqueza de expressão da feira”, salientou a dirigente.
Arte e cultura presentes
Zeca Baleiro, Alessandra Leão, Yago Oproprio, Jorge Aragão, Gabi Amarantos, Jhony Hooker e outros 300 artistas passaram pela feira e compartilharam sua música, poesia, teatro, dança e formas de expressão.
No domingo de encerramento, um mega-espetáculo com a participação de Lenine, Larissa Luz, Liniker, Alzira, Tulipa Ruiz, Chico César, Josyara, Mestrinho e Anelis Assumpção.
Anelis, que dirigiu o espetáculo da noite de encerramento, celebrou a postura política das artistas que se apresentaram no evento. Em entrevista ao Brasil de Fato, ela falou sobre o papel da cultura e da música na transformação social.
“Acho que esse é o lugar que a gente cria intersecção com o MST. O movimento cultural no Brasil é um movimento tão plural e complexo quanto o movimento da terra. A monocultura, o pensamento reducionista da arte no país… A música pode ser essa flecha mais rápida, talvez, de comunicação.”
Ao Brasil de Fato, Liniker declarou admiração pelo trabalho do MST exposto durante a Feira. “É muito, muito bonito e é muito importante chegar e ver essa feira desse tamanho, com tanta gente, com tanta fartura e prosperidade. Acho que a gente está nesse momento de reaver a prosperidade depois de tudo que a gente tem passado enquanto política no Brasil.”
Josyara também valorizou a vivência na Feira. “Você chegar e passar na barraca da Bahia, por exemplo, e pegar um dendê bom e comer, porque a comida também acende essas coisas boas na gente.”
“A gente se reconecta com muitas inspirações, não só artísticas, mas da nossa vida mesmo, humana assim”, concluiu a cantora.
Do território à feira
“É importante dizer que não existe reforma agrária sem luta pela terra”, enfatiza Giselda Pereira. “Tudo isso que está aqui é uma amostra do que está territorializado em 23 estados, com 450 mil famílias. Tivemos a participação de mais de 1.700 agricultores que vieram dos territórios e esses territórios são fruto de muita luta.”
“Esse é uma muda de baobá. Está meio machucado pela viagem”, mostra Jéssica Vitória, uma das expositoras da feira. Ela viajou por três dias desde Recife até São Paulo – e as plantas ainda levaram mais um tempo para chegar.
As mudas de baobá são fruto do Roçado Solidário, desenvolvido pelo projeto Mãos Solidárias em um espaço cedido no Assentamento Che Guevara, em Morena, a 40 minutos da capital pernambucana.
O espaço é um viveiro de mudas nativas, cultivadas em um terreno cedido pelo assentamento. O grupo de Jéssica também trouxe pitaia, amora e outras mudas e assentamentos da região, como o Normandia, em Caruaru.
“Aqui na feira, baobá foi o que mais saiu, por conta desse vínculo de resistência. É uma planta que veio de África”, comenta. “Inclusive vendemos para algumas pessoas de terreiro, já que tem que essa questão que o baobá carrega essa ancestralidade. Pessoas que estão iniciando sítios, agroflorestas, então foi muito bom.”
Se a viagem foi difícil, a experiência na feira foi ótima para Jéssica. “Esse processo de comercializar ainda é algo muito novo, porque nós enquanto assentados a gente não tivemos essa oportunidade de saber como seu produto chega na ponta até a mesa do pessoal da cidade”, analisa. “Foi uma experiência muito forte pra mim, foi muito interessante.”
Outro ponto positivo para Jéssica foram as trocas entre os feirantes de diversos locais do país. “A gente trocou mudas, sementes, de biomas diferentes para fazer experiências. O baobá, inclusive, é um deles, que é descrito como mais tropical, mas também estamos querendo fazer essa experiência, ver se ele se adapta também no sul de Minas, em São Paulo”, por exemplo.
Fábio Ramos Nunes também encerrou a participação satisfeito com o resultado da feira. “Esse último dia melhorou muito em quantidade de vendas. A gente fez algumas promoções e acabou vendendo bastante. A gente trouxe umas 7 toneladas de produto e acho que vamos vender aí umas 5 toneladas. Estamos também fechando os acordos de venda por fora, para armazéns com o pessoal do comércio aqui para poder ficar com uma parte. Economicamente, valeu a pena”, analisa ele, que é presidente da Cooperana, Cooperativa da Agricultura Camponesa da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
“É um espaço importante de troca de experiência com outras cooperativas do Brasil inteiro. A gente conhece muita novidade em uma diversidade muito grande de produto e da forma organizativa também. E tirando a parte cultural que é fantástica, muita gente da capital de São Paulo e também do Brasil inteiro participando, muitas atrações culturais, seminários, foi muito importante, bacana”, avalia.
Ato final
O ato final do evento, na manhã deste domingo, contou com a presença de autoridades como ministros, deputados e um governador, além de militantes como o sheik Rodrigo Jalloul e o padre Júlio Lancelotti, que abençoou as 38 toneladas de alimentos doados para organizações de assistência de São Paulo.
“Em um contexto de crise humanitária que vivemos em São Paulo, essa feira é um sinal de esperança”, disse o padre Júlio Lancelotti, em referência ao contingente de pessoas vivendo em situação de rua da capital paulista. “Nesse momento, a palavra é de gratidão e de encorajamento. A nossa luta vale a pena, e não podemos desistir. Ocupar, produzir, resistir e enfrentar.”
A resistência de que fala o padre se reforça no contexto atual, em que o movimento sofre ataques com uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso, uma nova onda de criminalização na mídia, além de um acirramento dos conflitos no campo em diversos estados.
“Não adianta ninguém dizer pra nós que não podemos ocupar terra, porque vamos continuar ocupando para continuar fazendo a reforma agrária, a feira, para lutar por democracia e acesso à terra”, disse o deputado Valmir Assunção (PT-BA).
“Vamos enfrentar uma CPI. Não é a primeira, é a quinta CPI que vamos enfrentar. E vamos enfrentar dialogando com toda a sociedade. Lutamos para cumprir o artigo 16 da Constituição e para construir uma sociedade mais igual. Vamos mostrar quem é que grilou as terras nesse Brasil, quem sonega imposto, como é que o agronegócio faz para se reproduzir nesse país”, defendeu.
Conterrâneo de Assunção, o governador baiano Jerônimo Rodrigues (PT) celebrou a força do evento. “Uma festa como essa, uma feira como essa, resgata em sua quarta edição um compromisso com um projeto de inclusão. Fica muito claro quando a gente passa nos estandes de cada estado que nossa vida não é fácil. A vida dos povos originários, dos sem-terra, das mulheres, da juventude, das comunidades lgbtqia+”, disse o governador da Bahia. “Isso aqui na verdade é uma quarta edição da resistência”, resumiu.
Padre Júlio Lancelloti em sua fala durante a cerimônia de doação de alimentos/ Comunicação da Feira Nacional da Reforma Agrária
“Essa feira é um exemplo para o Brasil de que é possível sim, através da reforma agrária, da agricultura familiar, produzir alimentos, comida, alimento de qualidade e com preço justo”, afirmou Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). “A tarefa mais importante, que é obsessão do Lula, é devolver ao povo brasileiro o direito de fazer três refeições por dia. Não é possível um país rico como o nosso conviver com uma realidade em que 33 milhões de pessoas passam fome, e outras milhões não sabem o que vão comer no outro dia.”
“João Pedro, deveria fazer uma feira lá em Brasília, para mostrar para as pessoas do Congresso nacional que o movimento está produzindo”, afirmou o ministro Marcio Macedo, da Secretaria-Geral da Presidência da República.
Responsável pela condução das consultas para a construção participativa do Plano Plurianual (PPA), Macedo exaltou a importância de se ouvir os movimentos organizados. “É importante que o MST esteja presente, assim como a Contag, o MTST, e os movimentos organizados do Brasil todo. Para que esses próximos 4 anos tenham as impressões digitais do povo brasileiro”, defendeu.
Edição: Vivian Virissimo