Universidade é condenada a pagar danos morais a professora

Em julgamento com perspectiva de gênero, 6ª Turma do TRT-4 considerou que houve coação para reduzir carga horária e esvaziamento de atividades. Indenização é de R$ 100 mil

Uma professora universitária que sofreu redução de carga horária, esvaziamento de atividades e foi dispensada após ajuizar ação trabalhista deve ser indenizada em R$ 100 mil por danos morais. A decisão é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), que seguiu o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero.

Conforme noticiado pela Secretaria de Comunicação do próprio TRT-4, em notícia assinada pelo jornalista Eduardo Matos, a universidade considerou que o ajuizamento da ação foi um pedido de demissão, e assim rescindiu o contrato da professora nessa modalidade, o que não dá direito ao saque do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) com acréscimo de 40% e ao seguro-desemprego.

“Pela decisão da 6ª Turma, a professora obteve direito à rescisão indireta por justa causa do empregador — que ocorre quando o profissional solicita a extinção do contrato diante de situações em que se sinta lesado ou humilhado pela empregadora. Nesse caso, tem direito às mesmas parcelas rescisórias pagas em despedidas sem justa causa”, informa a matéria.

O caso

Ainda segundo a notícia, a professora ingressou com a ação trabalhista relatando que foi contratada pela União Brasileira de Educação e Assistência em 2002, tendo recebido promoção em 2004 para o cargo de “professora em regime especial de dedicação exclusiva”, com carga horária de 40 horas semanais. No entanto, em 2017, comunicaram-na que ela deveria solicitar a conversão do regime de dedicação exclusiva para a condição de horista e coagiram-na a assinar documento para essa alteração. Com isso, a docente teve redução de 90 horas-aulas mensais.

Segundo a professora, com a perda do cargo de regime especial de dedicação exclusiva, ela viu suas atividades sendo esvaziadas, tendo que deixar um cargo de coordenação, outro de liderança, além de não poder continuar realizando projetos de pesquisa. Na ação, ela sustentou que houve desrespeito à dignidade humana como mulher, negra, de origem pobre e idosa.

Já a universidade alegou que a redução de atividades — e, portanto, de salário — foi “consentida”, devido à alteração contratual assinada pela trabalhadora.

Decisões

Em primeira instância, o juízo da 26ª Vara do Trabalho de Porto Alegre considerou nula a alteração contratual, condenando a universidade ao pagamento das diferenças salariais, com reflexos em repousos semanais remunerados, 13º salário, férias acrescidas de 1/3, adicional por tempo de serviço, adicional de aprimoramento acadêmico e FGTS. Entretanto, o pedido de indenização por assédio moral feito pela professora foi negado nessa primeira decisão. Tanto ela quanto a instituição de ensino recorreram.

A relatora dos recursos no TRT-4 foi a desembargadora Beatriz Renck. Quanto ao pedido de dano moral, a magistrada entendeu que “houve coação à professora ao pedido de redução de carga horária e esvaziamento de suas atividades até que optasse pelo fim da relação de emprego, condutas que causam constrangimento e humilhação”.

A magistrada disse ainda observar “uma conduta de assédio e de esvaziamento de atividades que chegou ao cúmulo de perda de acesso ao sistema de pesquisa da universidade pela professora quando ainda tinha aluna ligada a um processo em andamento”. E prosseguiu: “Situações embaraçosas e que não foram direcionadas a nenhum outro professor, como acima demonstrado, e que desmerecem uma trajetória de estudos e dedicação de uma professora, mulher, negra, trabalhadora”.

Para a desembargadora, diante da “questão posta à apreciação do Juízo, notadamente em razão de comportamento imputado à reclamada, que pode ser considerado tendente a reproduzir estereótipos vinculados à orientação sexual e identidade de gênero, exige-se um julgamento com as lentes da perspectiva interseccional”. Ela citou, em seu voto, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que editou, em março de 2023, a Resolução 492, que trata do Julgamento com Perspectiva de Gênero.

A magistrada foi acompanhada pelos demais desembargadores da 6ª Turma, Fernando Luiz de Moura Cassal e Simone Maria Nunes. A rescisão indireta e a nulidade da mudança contratual foram mantidas.

Simbolismo

Na avaliação do consultor jurídico da Contee, José Geraldo de Santana Oliveira, é fundamental destacar “o simbolismo da decisão, nesses tempos de desmandos absolutos e de precarização total da profissão de professor, sobretudo no ensino superior”, bem como ressaltar “a importância da resistência a esse descalabro, como fez a professora”.

Leia a íntegra do acórdão

Táscia Souza, com informações de Eduardo Matos, da Secom/TRT-4

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