Pejotização no STF: é hora de lutar contra o apagão dos direitos trabalhistas

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

“O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava” – Aristides Lobo, “Cartas do Rio”, Diário Popular, 18 de novembro de 1889.

Essa atemporal metáfora do jornalista Aristides Lobo, fervoroso republicano e abolicionista, calha bem à perplexidade do mundo do trabalho e de todos quantos cultuam os valores sociais do trabalho- quarto fundamento da República Federativa do Brasil (Art. 1º, IV, da CF)-, ante a total subserviência do STF aos interesses do que ele pomposamente chama de livre iniciativa.

Com a fixação dos temas 725 e 383 (terceirização sem fronteiras e limites), como que a parafrasear o professor Venâncio, personagem do livro “O Ateneu”- publicado em 1888-, de Raul Pompeia-, que, ao apresentar Aristarco, diretor do Ateneu, brada em infame rapapés:” Acima de Aristarco-Deus! Deus tão-somente; abaixo de Deus- Aristarco”. O STF, em múltiplas decisões colegiadas e monocráticas, afirma em tom sacralizado que acima dos interesses da livre iniciativa, não existe luz, só o caos.

Se, para alguém, essa assertiva ainda soa como por demais contundente, basta que se tomem as teses vinculantes dos temas 725 e 383 e a Ementa do Acórdão proferido no RE 635546:

“Tema 725: É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.”

Tema 383: Tese firmada: A equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços integrante da administração pública e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratar de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões empresariais que não são suas”.

A Ementa do Acórdão, proferido no RE 635546, que firmou a tese vinculante do Tema 383, dá a exata dimensão do que o STF entende como “novo” no mundo do trabalho:

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E DO TRABALHO. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE – FIM. EQUIPARAÇÃO REMUNERATÓRIA. DESCABIMENTO.

  1. Recurso extraordinário em que se debate se o empregado de empresa contratada teria direito à equiparação remuneratória com o empregado da empresa tomadora do serviço, quando ambos atuarem na mesma atividade-fim.
  2. Conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADPF 324, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, a terceirização das atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa tem amparo nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de decidir como estruturarão seu negócio (art. 170, caput e inc. IV, CF).
  3. Do mesmo modo, a decisão sobre quanto pagar ao empregado é tomada por cada empresa, de acordo com suas capacidades econômicas, e protegida pelos mesmos princípios constitucionais. Portanto, não se pode sujeitar a contratada à decisão da tomadora e vice-versa.
  4. Além disso, a exigência de equiparação, por via transversa, inviabiliza a terceirização para fins de redução de custos, esvaziando o instituto.
  5. Recurso provido. tese: “A equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratar de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões empresariais que não são suas.”

Considerando que essa profissão de fé absoluta à livre iniciativa (capital), em absoluto desprezo aos valores sociais e ao primado do trabalho, vem se sedimentando- mais apropriado é dizer petrificando-, desde 2018, quando foram julgados o RE 958252 e ADPF 324, o STF vem consolidando uma postura de adesão absoluta à livre iniciativa, em detrimento dos valores sociais do trabalho. Essa inversão de fundamentos, ao colocar o capital acima do trabalho, causa perplexidade ao movimento sindical e àqueles que defendem a Constituição Cidadã, cujo Art. 1º, IV, estabelece a equivalência entre ambos.

Se se confirmar o que se prenuncia com o julgamento do Tema 1389- com audiência pública designada para o dia 6 de outubro corrente; para a qual a participação da Contee foi vetada , haverá o esvaziamento total e irremediável do Art. 7º e do 114 da CF, que, respectivamente, tratam dos direitos fundamentais sociais e da competência da Justiça do Trabalho; não obstante os dispositivos constitucionais sob ameaça manterem-se incólumes, quanto à redação.

Em uma palavra, o que se prenuncia, é que as garantias constitucionais são o que o STF diz que são e não o que está no texto da Constituição cidadã- que, no último dia 5, completou 37 anos. É essa a razão da perplexidade do mundo do trabalho e das políticas públicas, em especial a previdência social. Isso, porque o STF, como já dito e demonstrado, só tem bons olhos para a livre iniciativa; para os valores sociais do trabalho, só desprezo.

O ministro Gilmar Mendes, relator do Tema 1389, em palestra a empresários, proferida no dia 29 de agosto último, dentre outros assaques à CLT, afirmou: “Não se trata de escolher entre um modelo formal ou informal, mas entre um modelo com trabalho e outro sem trabalho”.

Quem tiver o cuidado de cotejar essa sentença do ministro Gilmar Mendes com o que dizia Jair Bolsonaro, em sua campanha eleitoral em 2018, sobre a terrível escolha que os trabalhadores teriam de fazer, se queriam emprego ou direito; forçosamente, concluirá que são iguais, em tudo e por igual motivação.

Como Bolsonaro não conseguiu, não por falta de esforço, acabar com os direitos trabalhistas, pelas palavras do ministro Gilmar Mendes, é de se concluir que o STF terminará essa teratológica tarefa.

Em artigo intitulado “Gilmar Mendes e a ‘pejotização’”, o professor Jorge Luiz Souto Maior, da USP, alerta que, se o STF firmar entendimento favorável à autonomia absoluta na negação de vínculos trabalhistas, o resultado será o desaparecimento do Direito do Trabalho. Segundo ele, o uso da “livre iniciativa” como argumento jurídico destrói o pacto de solidariedade que sustenta o Estado Social.

Já o estudo do CESIT/Unicamp, assinado por José Dari Krein, Marcelo Manzano, Arthur Welle e Gabriel Petrini, mostra que a pejotização irrestrita reduziria o PIB em até 30% e aumentaria o desemprego em 10 pontos percentuais, fragilizando a economia e ampliando desigualdades.

A Nasa acaba de confirmar que, aos 16 de julho do ano de 2186, portanto, daqui a 120 anos e alguns meses, ocorrerá o mais longo eclipse solar que se tem notícia, quando o Sol se apagará por 7 minutos e 29 segundos, com escuridão plena.

Pois bem! A escuridão plena, decorrente do referenciado eclipse, será coisa insignificante, perto do que, com certeza, advirá se o STF puser fim às garantias constitucionais do Art. 7º e do 114 da CF; que, segundo a literalidade do texto constitucional, àquelas são extensivas a todos os trabalhadores, não só aos empregados, como diz o STF. Bem assim, a competência da Justiça do Trabalho, para conhecer e julgar todas as ações que versam sobre relações de trabalho. A rigor, confirmando-se essa escuridão social, não mais haverá emprego nem direitos.

Como bem vaticina o professor Jorge Luís Souto Mayor, no citado artigo: “A eliminação desse limite, pela vontade unilateral do STF, seria como abrir uma caixa de pandora, pois as consequências do fato não têm como ser medidas previamente”.

Parafraseando o evangelho de Mateus- 26:41-, sem prejuízo para os que creem, orar, é hora de vigiar e lutar. E, por mais, paradoxal que possa parecer, lutar contra o STF.

A hora é agora! Ao depois, será tarde demais!

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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