‘Greves rebeldes’ vão abalar sindicatos distantes das bases, preveem analistas
São Paulo – Nem sabotagem política, nem oportunismo. A greve dos motoristas e cobradores de ônibus de São Paulo, que fechou 16 das 29 garagens de ônibus do sistema de transporte público e causou graves problemas de deslocamento em diversas regiões da cidade esta semana, é fruto de uma conjunção de fatores, como a proximidade da Copa do Mundo, evento que permite aos sindicatos e movimentos sociais conquistar exposição nacional e internacional para suas bandeiras, e as consequências da crise econômica mundial de 2008/2009, que só agora começam a afetar o Brasil, apontam cientistas políticos ouvidos pela RBA.
De acordo com os professores Antonio Carlos Mazzeo, pós-doutorado em ciências sociais da Unesp, e Ricardo Antunes, doutor pela Unicamp e especialista em sindicalismo, podem significar uma nova etapa para o movimento sindical brasileiro: o acúmulo de organização horizontal dessas categorias coloca em risco os sindicatos acostumados a não dialogar com as bases, e inspiram novas categorias a “virar a mesa” nos próximos anos.
“Uma greve emblemática foi a dos garis no Rio de Janeiro. Em alguns elementos, ela é parecida com a greve dos ônibus em São Paulo. A denúncia dos motoristas e cobradores é que um acordo foi aprovado em uma assembleia manipulada. Então, se o sindicato atropelou a categoria, a categoria atropelou o sindicato”, afirma Mazzeo.
Em março deste ano, no primeiro dia de Carnaval, os garis fluminenses deram início a uma paralisação de 20 dias à revelia do sindicato da categoria, acusado de amarrar acordos salariais com a prefeitura sem consulta às bases. O movimento foi bem-sucedido e inspirou diversas paralisações de servidores públicos pelo país desde então. “E não é só de agora. Temos visto paralisações importantes nos últimos dois anos. A greve dos bombeiros do Rio de Janeiro, por exemplo, que teve grande apoio popular em 2012 e foi vitoriosa, faz parte desse movimento. Mas o momento atual é mais tenso e intenso, porque a Copa do Mundo está a três semanas”, pondera Antunes.
“Para usar uma analogia de futebol: quando o outro lado recua, você não deixa de jogar porque é ‘injusto’. Quando o outro lado recua, você parte pra cima. A classe dominante nunca recuou de uma oportunidade de retirar direitos dos trabalhadores, então por que os trabalhadores o fariam? Grande parte das categorias percebeu que este é um ótimo momento para reivindicar. Se os dirigentes sindicais não perceberem isso, estão distantes das bases”, completa Antunes.
Os professores apontam a questão em torno de “representantes e representados” como um dos temas centrais das manifestações de trabalhadores em andamento no país, que incluem categorias como policiais civis em diversos estados, policiais rodoviários federais e policiais federais; aeroviários; motoristas de ônibus no Rio de Janeiro e de São Paulo; professores municipais de São Paulo; professores universitários estaduais de São Paulo; entre outras categorias.
As greves sem a liderança do sindicato, no entanto, abrem espaço para a ação de grupos obscuros: em São Paulo, cerca de 80 ônibus foram queimados por pessoas que pertencem ou se infiltraram no movimento de motoristas e cobradores, e o secretário de Transportes de São Paulo, Jilmar Tatto, afirmou que ônibus foram impedidos de circular por indivíduos armados. O Ministério Público investiga a ação de criminosos no movimento.
Ainda entre os temas prioritários das paralisações de trabalhadores, segundo Mazzeo, está a política econômica brasileira diante de um cenário em que as consequências da crise econômica mundial continuarão interferindo na qualidade de vida da população com diferentes graus de intensidade. “No quadro atual, a tendência é que a crise econômica mundial continue. O prognóstico europeu é sombrio, com previsões de até mais 20 anos a partir de agora para recuperar a economia. Na minha opinião, é capaz que não saiamos da crise, pelo menos se a economia global continuar nos moldes em que está estruturada hoje. A tendência, nesse caso, é o aumento da ação dos movimentos sociais no mundo inteiro, não apenas no Brasil. Há uma ofensiva muito grande contra o Estado de bem estar social e os direitos dos trabalhadores no mundo inteiro”, avalia.
Em palestras recentes em São Paulo e em Brasília, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o Brasil se saiu economicamente melhor do que as potências mundiais nos últimos anos, mas enfrentou problemas como a pressão inflacionária resultante da política cambial dos Estados Unidos e da China e um mercado internacional quebrado, onde os produtos brasileiros encontravam menos mercado do que nos anos anteriores à crise. Contou ainda a inflação sazonal dos alimentos, causada pelos períodos de entressafra a estiagem atípica, e que encareceram a cesta básica no primeiro trimestre. Segundo o Índice do Custo de Vida do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), todos os itens do grupo Alimentação (alta de 1,18%) subiram acima da média geral de inflação do mês, de 0,57%.
A sensação de que os sindicatos estão distantes das bases no contexto de direitos em risco diante do avanço conservador nos países desenvolvidos, que pressionam o restante do mundo a adotar medidas de “austeridade” para cortar benefícios sociais, e o receio de que a economia brasileira possa ser mais afetada no futuro próximo pelo mundo que segue na crise, são explicações possíveis para o acirramento das reivindicações trabalhistas, num período quando o resultado das negociações tem sido positivo: de acordo com dados do Dieese, que acompanha sistematicamente negociações salariais pelo país, desde 2008 a taxa de acordos que representaram ganho real para os trabalhadores sempre esteve acima de 90%, e o salário mínimo aumentou em 72,35%.
Da Rede Brasil Atual