Brasil e América Latina estão sob ameaça de novas ditaduras, alerta Dilma Rousseff

São Paulo – A ofensiva da direita no mundo, especialmente sobre os países latino-americanos, esteve no centro na conferência  A Luta Política na América Latina, realizada na noite de sexta-feira (9) pela Fundação Perseu Abramo no auditório da Casa de Portugal, no bairro da Liberdade, região central de São Paulo. Nos pronunciamentos das ex-presidentas Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, vários pontos em comum: os investimentos em políticas sociais, aprovados nas urnas pela maioria do eleitorado mais pobre, a oposição feroz da mídia hegemônica e a rápida retomada do neoliberalismo nos dois países num curto período. “Creio que vale a pena seguir trabalhando. É necessário interpelar a sociedade quanto às políticas que lograram aumento da inclusão social e que estão se perdendo”, resumiu Cristina.

Dilma foi a primeira a falar a um auditório lotado por representantes do PT, do PCdoB, CUT, Fundação Maurício Grabois, Fundação Rosa Luxemburgo, Instituto Nacional Hamilton Cardoso e do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (Clacso) e de movimentos sociais do Brasil, Argentina, Uruguai e Chile, entre outros.

Ela defendeu eleições presidenciais diretas e a taxação sobre grandes fortunas e sobre lucros e dividendos, como base de uma reforma tributária, que torna-se, a partir de agora, principal programa da oposição ao atual governo de Michel Temer (PMDB).

E destacou que a sucessão de situações excepcionais dentro da democracia brasileira não é obra do acaso. “Quando um integrante do aparelho do Judiciário diz: ‘eu tenho convicções, não tenho provas’, ou quando jovens que ocupam escolas e universidades são reprimidos pela polícia, ao contrário de um grupo que invadiu o Congresso pedindo a volta da ditadura, há uma espécie de Estado de exceção. Há um processo de golpe dentro do golpe, para provocar eleição indireta.”

Essa ditadura que ameaça o Brasil e toda a América Latina, disse a presidenta, é condição para a volta do neoliberalismo, que tem como consequências o aumento da ‘concentração de renda, da desigualdade e da exclusão social. “No nosso caso, é por meio de projetos como a PEC 55, da reforma ultraconservadora da Previdência e da flexibilização das leis trabalhistas, que antes tinham o nome de Ponte para o Futuro. Um projeto derrotado quatro vezes nas urnas, que não tem como ser adotado em plena democracia.”

Para ela, o projeto vai muito além de um combate político para destruição de lideranças que podem enfrentá-los, como as perseguições ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “O objetivo é completar o trabalho de FHC, que não conseguiu naquele momento vender a Petrobras, privatizar a Eletrobras, acabar com os direitos sociais, virando a página do Getúlio – o que significa atacar a CLT e as empresas estatais, além de garantir que a maior peça para se fazer política em qualquer país do mundo, o orçamento, seja engessado.”

Ela lembrou que o golpe começou a ser dado de maneira sorrateira, no dia seguinte à sua reeleição, em 2014, quando foi pedida a recontagem dos votos pelo candidato derrotado, Aécio Neves (PSDB), a auditoria nas urnas e a suspensão da diplomação. Esse processo político foi somado à crise internacional, que afetou em cheio os países emergentes.

“E no terceiro mês já estavam pedido impeachment. O centro se moveu para a direita ao se eleger uma proposta liberal radical e conservadora extrema em direitos sociais e valores civilizatórios, num processo que teve na liderança o deputado (cassado) Eduardo Cunha (PMDB). “Se fosse só o Cunha, estava bom. O problema era o grupo do Cunha.”

No seu entender, o retorno do neoliberalismo tem roteiro a ser seguido. O primeiro passo é retirar o poder da população com o impeachment, sem crime de responsabilidade, seguido pela retirada dos direitos da população e da despolitização da luta. “Daí a importância de um inimigo a ser destruído.”

Dilma alertou para o que pode vir a ocorrer no cenário político do país, ao fazer um paralelo com a promulgação do Ato Instituição (AI) 5, que neste mês completa 48 anos e que, segundo avaliou, foi um golpe dentro do golpe de 1964, bem mais radical. “Eles subestimaram a crise econômica, achando que fosse responsabilidade exclusivamente minha, mas os efeitos da crise política são um fator de instabilidade, que leva à crise institucional. E como golpe dentro do golpe tende a ser mais radical, não podemos aceitar uma solução para a crise por cima. E sim por baixo, pelo voto democrático.”

A presidenta destacou que um dos grandes eixos da desigualdade imposta pelo neoliberalismo é a afirmação de que é necessário reduzir os impostos dos ricos para que haja processo de crescimento.

“Nesses 13 anos e meio demos um pequeno passo, valoroso, mas insuficiente. Galgamos o primeiro degrau nesse processo de combate à exclusão social. Nós atacamos a distribuição de renda, mas de maneira alguma conseguimos tratar a distribuição da riqueza, que continuou concentrada em nosso país. Essa era a segunda etapa desse processo, que seria e será o nosso programa daqui para frente”, disse, sob aplausos.

Argentina

A ex-presidenta Cristina Kirchner, que governou o país vizinho de 2007 a 2015, lamentou os retrocessos em apenas um ano de governo de seu sucessor, o liberal Maurício Macri, iniciado em 10 de dezembro de 2015. Entre eles, a retomada de acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), rompidos em 2006, durante o governo de seu marido, Néstor Kirchner. Uma missão do banco visitou Buenos Aires em setembro.

“Em 15 anos de governo popular, promovemos inclusão social, o acesso ao consumo, a criação de 3,5 milhões de empregos formais, valorização do salário mínimo, criação de 19 universidades públicas e gratuitas nas zonas mais densamente povoadas, redução do desemprego para 6,9%, subsídio para taxas de água e luz, tudo isso com déficit fiscal de 1,9%, sendo que hoje é de 5%”, relatou.

Apesar da melhoria nas condições de vida da parcela mais pobre da população, o conservador Macri venceu, apertado, o candidato de Cristina, o peronista Daniel Scioli, que obteve a maioria dos votos apenas na província de Buenos Aires.

Segundo Cristina, o desgaste da sua gestão foi fruto do embate com sindicatos de oposição, que realizaram manifestações e greves, insuflados pela mídia. “Uma correlação de forças em que o setor mais poderoso consegue confundir os setores mais fracos. Um ano depois, nenhuma promessa feita aos trabalhadores foi cumprida e a situação se agravou com os cortes. Há greves de diversas categorias.”

A ex-presidenta argentina acredita que é possível enfrentar o avanço conservador e por isso segue trabalhando. “É necessário interpelar a sociedade, mostrar que é possível governar com políticas que haviam solucionado problemas de décadas, e com soberania.”

Da Rede Brasil Atual

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo