“A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”

As palavras da epígrafe, em forma de brado, ou, no mínimo, de alerta, são de Rui Barbosa, e foram proferidas em 1921, em seu discurso – que virou livro -, Oração aos Moços.

Lamentavelmente, este brado não encontrou eco nos poderes da República, em todos eles, sem exceção; mesmo após decorridos noventa e quatro anos de seu lançamento aos jovens daquela época e das vindouras, por todo o sempre.

Ilustra bem esta assertiva a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N. 1625, protocolada em 1997, no Supremo Tribunal Federal (STF), pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag); o seu julgamento iniciou-se em 2003, com o voto do relator, ministro Maurício Corrêa (falecido), pela procedência parcial do pedido; quando o então Ministro Nelson Jobim (aposentado), pediu vistas, apresentando o seu voto pela improcedência do pedido em 2006; àquela data, o pedido de vistas foi do Ministro Joaquim Barbosa, em 2009, ele trouxe voto-vista pela procedência total do pedido; quando, então a Ministra Ellen Grace (aposentada), pediu vistas; no dia 11 de novembro corrente, a Ministra Rosa Weber- que substituiu a citada Ministra, apresentou o seu voto, pela procedência total do pedido, como o fizera o Ministro Joaquim Barbosa.

Porém não foi desta vez que a comentada ação chegou ao fim, pois que o Ministro Teori Zavascki pediu vistas dela. Importa dizer: decorridos dezoito anos e nove meses desde o seu ajuizamento, que se deu aos 19/6/1997, o STF ainda não decidiu se é constitucional ou inconstitucional o Decreto N. 2100/1996, que, vergonhosamente, retirou do mundo jurídico brasileiro a Convenção N. 158, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Isto é justiça, ou manifesta injustiça, como asseverara Rui Barbosa, em 1921?

Quem perdeu com esta demora, que mais de parece com a eternidade? Os trabalhadores é claro, e ninguém mais; aliás, como sempre acontece.

Em meio a este proposital marasmo, perguntas vêm a calhar: quanto tempo o Ministro Teori Zavaski demorará para apresentar o seu voto-vista? Quantos outros ministros também pedirão vistas do processo? Quando, a final, ele chegará ao seu termo final? Quais serão os efeitos da decisão do STF se prevalecer a tese de que o Decreto impugnado é inconstitucional, até aqui, esposada pelos ministros Joaquim Barbosa e Rosa Weber? Retroagirão à data em que ele baixado, dezembro 1996- efeito ex tunc? Ou, surtirão efeito apenas após a sua declaração de inconstitucionalidade- efeito ex nunc? O Congresso Nacional irá ratificá-lo, ou não?

Para entender o caso:

Em 1982, a OIT aprovou a Convenção N. 158, que trata da proibição de demissão imotivada, no plano internacional para os países que a ratificarem; dispondo, no seu Art. 4º: “Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”.

Este dispositivo, com alcance menor, guarda sintonia com o Art. 7º, inciso I, da Constituição Federal (CF).

No plano internacional, a referida Convenção entrou em vigor em 1985. Em 1992, o Congresso Nacional do Brasil ratificou-a, por meio do Decreto Legislativo N. 68. Em 1996, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, baixou o Decreto N. 1855, de 10 de abril daquele ano, com a seguinte Ementa:

“Promulga a Convenção 158 sobre o Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador, de 22 de junho de 1982”.

Aos 20 de dezembro de 1996, foi baixado o Decreto N. 2.100, que ensejou a comentada ADI, com a seguinte Ementa:

“Torna pública a denúncia, pelo Brasil, da Convenção da OIT nº 158 relativa ao Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador”.

Este Decreto fere todos os cânones dos preceitos da OIT, segundo os quais uma convenção, por ela aprovada, somente pode ser denunciada pelo País que a ratificar, após decorridos dez anos de sua ratificação, como observa o Juiz aposentado Márcio Túlio Viana: “… se é o Congresso quem aprova os tratados internacionais, “como pode o Presidente, por ato isolado, denunciá-los”.

A Ministra Rosa Weber, em seu Voto, registra, com ênfase: “A derrogação de norma incorporadora de tratado pela vontade exclusiva do presidente da República, a meu juízo, é incompatível com o equilíbrio necessário à preservação da independência e da harmonia entre os Poderes (artigo 2º da Constituição da República), bem como com a exigência do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV). Por isso, não se coaduna com o Estado Democrático de Direito”.

Ora, no Brasil, a Convenção N. 158 fora ratificada em 1992, entrando em vigor aos 10 de abril de 1996, quando foi baixado o já comentado Decreto N. 1855; sendo vergonhosamente denunciado após oito meses e dez dias de entrada em vigor; e não após dez anos, como determina a OIT.

O falacioso argumento, à época, utilizado pelo então Presidente Fernando Henrique- não o constituinte de 1987 e 1988, que teve destacada atuação, em prol dos direitos fundamentais, individuais e sociais, mas o neoliberal, que pediu para se esquecessem tudo que ele escreveu e fez antes -, fora o de que já haviam decorridos dez anos da entrada em vigor, da realçada Convenção, no plano internacional; só que a questão é outra, pois que se conta o prazo, para a denúncia, da entrada em vigor no plano interno.

Pois bem. Denunciada a Convenção, por meio espúrio e insustentável, a Contag, não se conformando com o escândalo provocado por tal denúncia e com os prejuízos que dela adviriam e advieram, ajuizou a destacada ADI, com fundamento no Art. 49, inciso I, da CF, que reserva ao Congresso Nacional competência exclusiva para resolver, definitivamente, sobre tratados e acordos internacionais.

Para a Contag, ao baixar o Decreto N. 2100/1996, revogando a Convenção N. 87, da OIT, o Presidente da República usurpou função exclusiva do Congresso Nacional, o que torna nulo de pleno direito o ato usurpador.

Essa tese da Contag, até aqui, foi parcialmente acolhida pelo Ministro do STF Maurício Correia; totalmente pelos Ministros Ayres Brito, Joaquim Barbosa e Rosa Weber; e rejeitada pelo Ministro Nelson Jobim. Este é o resumo da ópera.

Vale salientar que, apesar da quase eternidade já decorrida, desde o ajuizamento da ADI, e da que ainda pode decorrer, o Voto da Ministra Rosa Weber é alentador. Primeiro, porque põe freios à sanha presidencial, de desconhecer os limites de seu poder. Segundo, porque se o Decreto impugnado for considerado inconstitucional, pela maioria dos Ministros do STF, abre-se importante janela para que a Convenção N. 158, da OIT, seja revigorada, no Brasil.

Isto porque, como já se disse, pelo Voto da Ministra Rosa Weber, o Decreto somente adquirirá validade se for ratificado pelo Congresso Nacional. Muito embora seja tarefa árdua, a rejeição dele, pelo atual Congresso, que, desde o início da legislatura, está de costas para a cidadania, não é impossível.

Ante estas razões apresenta-se como inadiáveis a campanha para que o Ministro Teori Zavaski devolva o processo com urgência; para que os demais não peçam vistas; e, o mais difícil, para que o Decreto seja declarado inconstitucional; e, ao depois, se isto ocorrer, a luta sem trégua, para que o Congresso Nacional não ratifique.

À luta.

Por José Geraldo Santana Oliveira

Assessor Jurídico da Contee

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