Bancada evangélica pressiona por regulação do ensino domiciliar

O lançamento de uma frente parlamentar a favor do ensino domiciliar na última terça (2), com a presença da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, foi o primeiro passo de deputados conservadores, grande parte da bancada evangélica, para pressionar o governo sobre a regulação do homeschooling.

Uma medida provisória que permite aos pais ensinarem os filhos em casa deveria ter sido enviada ao Congresso ainda em fevereiro, mas o texto está parado na Casa Civil.

“Vamos tentar sensibilizar o governo. Acho [que a demora] é porque existem outras coisas mais urgentes. Mas acredito que [a tramitação da MP] é uma coisa que pode ser feita paralelamente. Estamos chamando para nós mesmos essa responsabilidade”, afirmou ao HuffPost Brasil o deputado Dr. Jaziel (PR-CE), presidente do grupo. De acordo com ele, mais de 260 parlamentares apoiaram a frente.

A mobilização conta também com o apoio de Damares, que coordenou a elaboração do texto desde o governo de transição. O documento foi escrito em conjunto com representantes da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), que reúne pais adeptos do homeschooling.

A pastora evangélica foi ovacionada por famílias que lotaram o auditório da Câmara dos Deputados, com capacidade para 350 pessoas, nesta terça.

“Glória a Deus que eu fosse ministra nesse momento em que as famílias que estão desenvolvendo o ensino domiciliar mais precisavam de um apoio ministerial. Chego no momento certo. Nas primeiras reuniões, o presidente da República me ligou e me disse para colocar as prioridades do Ministério e eu não hesitei em colocar o ensino domiciliar como prioridade”, disse a ministra no discurso.

Ao HuffPost Brasil, Damares afirmou que a medida provisória será enviada ao Congresso na próxima terça-feira (9). A regulação do homeschooling foi anunciada como uma das 35 prioridades dos 100 primeiros dias do governo, que serão completados no dia seguinte, 10 de abril.

A proposta foi enviada pelo Ministério de Direitos Humanos para a Casa Civil. Entre parlamentares, a avaliação é que o tema deixou de ser priorizado em meio à crise na articulação política, atividade de responsabilidade do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. “Está mais devagar porque eles têm outras preocupações, outras tarefas”, disse Dr. Jaziel.

De acordo com a ministra, falta um parecer técnico para fechar o texto. Ela negou que a demora tenha relação com as dificuldades da nova gestão. “A gente teve uma discussão muito grande com a sociedade. A gente ficou preso nessa discussão, mas [a medida provisória] está prontinha”, disse.

Damares cancela ida à Comissão da Mulher

Apesar de marcar presença na frente parlamentar em defesa do homeschooling, a ministra Damares faltou à reunião da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara nesta terça-feira. A sessão para esclarecer prioridades da pasta foi cancelada.

De acordo com a secretaria da comissão, foi a própria ministra que se ofereceu a ir ao Congresso e o encontro será reagendado, provavelmente para 16 de abril.

Ainda de acordo com o colegiado, a participação foi cancelada por um problema de agenda. Damares teria de ir a uma reunião do Conselho Nacional dos Direitos da Mulheres, de 9h às 16h, nesta terça. O evento não consta na agenda oficial no site do ministério.

A ausência de Damares foi criticada pela oposição. “Espero que ela demonstre que entende a importância e urgência remarcando o quanto antes seu comparecimento na comissão”, escreveu a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), que questionou o ministro da Educação, Ricardo Vélez, na semana passada.

De acordo com a Aned 7.500 famílias adotam esse modelo no Brasil – número quase 20 vezes maior do que o registrado em 2011, quando havia 359. Com a aprovação da MP, a estimativa é que o número chegue a cerca de 17.200 em 2020.

Hoje essas famílias estão em um limbo legal. Em setembro de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria, que a Constituição Federal não proíbe a prática, mas ela é ilegal porque não há uma lei regulamentando o ensino domiciliar.

Medida provisória ou projeto de lei

Tramitam na Câmara e no Senado propostas para regular o ensino domiciliar, mas defensores desse modelo de educação defendem que a alteração seja feita por medida provisória.

“Seria melhor porque com urgência pode dar um fôlego para os pais que estão sendo injustamente processados. Precisamos resolver essa questão rápido”, afirmou à reportagem o deputado Lincoln Portela (PR-MG), autor do PL 3179/2012, principal proposta sobre o tema à frente da bancada evangélica até março.

A mesma posição foi defendida por Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), também autor de um projeto de lei sobre o assunto e filho do presidente. “O principal é que o homeschooling é uma pontinha da nossa luta pela liberdade. Quem é o Estado para dizer como é que vou educar o meu filho?”, afirmou no lançamento da frente parlamentar. “Não tem mais o que ser debatido, agora é a parte da execução. Contem comigo”, completou.

A partir da eventual publicação da MP, as novas regras começariam a valer imediatamente. O Congresso Nacional teria até 120 dias para aprovar o texto. Se isso não ocorrer, precisaria dar uma resposta aos efeitos causados enquanto a norma estava em vigor.

O caminho de um projeto de lei é mais demorado. Um substitutivo ao PL 3179/2012 apresentado pela relatora, deputada Professora Dorinha (DEM-TO), está pronto para ser votado na Comissão de Educação da Casa desde outubro de 2018.

O texto permite o ensino domiciliar, mas prevê que um órgão do sistema de ensino “mantenha registro da opção dos pais ou responsáveis, autorize a prática, faça acompanhamento qualificado dos estudantes nessa situação e promova inspeções periódicas”. Os estudantes também devem se submeter a avaliações em escolas oficiais e aos exames nacionais e locais de avaliação da educação básica.

Para Dorinha, é importante estabelecer essas regras porque “antes de o direito da família decidir, existe um direito da criança à educação, constitucionalmente garantido”. “Não tá indo à escola, mas o trabalho pedagógico e o projeto de educação que os pais se propuseram a fazer está sendo desenvolvido?”, afirmou à reportagem.

O conteúdo da medida provisória não foi divulgado pelo governo federal, mas a tendência é que seja menos rígido com as famílias. “Creio que o governo vai atender a essa reivindicação das famílias de que seja MP. Em todas as análises que fizemos, a MP supera o projeto de lei do ponto de vista jurídico, técnico, estratégico e social da situação das famílias”, afirmou ao HuffPost Brasil o presidente da Aned, Ricardo Iêne.

De acordo com a ministra Damares, a MP aproveitou pontos do substitutivo da deputada Professora Dorinha e a parlamentar será convidada para relatar o novo texto. Questionada pela reportagem se a proposta contém a previsão de um cadastro dos pais e avaliações periódicas, ela respondeu: “sim, terá”.

Ministério da Educação apoia ensino domiciliar

No lançamento da frente parlamentar do homeschooling, Damares fez questão de agradecer o empenho do ministro Ricardo Vélez, da Educação. “Eu agradeço a Deus pelo extraordinário ministro da educação que o Brasil tem”, disse, no discurso. Ela lembrou que o teólogo foi educado em casa.

Dentro do Ministério da Educação (MEC), um dos articuladores do ensino domiciliar é Carlos Nadalim, secretário de Alfabetização, autor do blog “Como educar seus filhos”, onde disponibiliza textos e cursos online como o “As 5 Etapas para Alfabetizar seus Filhos em Casa”. Ele também é dono de um canal no YouTube com 183 mil inscritos.

Entres os vídeos publicados, está uma entrevista com Olavo de Carvalho, responsável pela indicação de Vélez, guru dos filhos de Bolsonaro e um dos protagonistas dos embates que levaram a sucessivas trocas nas pastas nas últimas semanas.

Nadalim está envolvido em outra polêmica do MEC. Ele é defensor do método de alfabetização fônico, recomendado em uma prévia da nova Política Nacional de Alfabetização, em elaboração pelo governo federal. A metodologia se contrapõe a técnicas mais analíticas, que incentivam as crianças a pensar de forma mais global sobre a linguagem e não só nas letras.

Huffpost Brasil

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