Contee convoca coletivo jurídico para tratar de violência e assédio no mundo do trabalho

No artigo abaixo, o consultor jurídico da Contee, José Geraldo de Santana Oliveira,  explica a Convenção 190 da OIT (Organização Mundial do Trabalho), fala da moção do TST (Tribunal Superior do Trabalho) pedindo a ratificação do documento pelo Brasil e convoca reunião do coletivo jurídico da Confederação para o próximo dia 25, às 19h

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

No ano de 2021, entrou em vigor, no plano internacional, a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) — aprovada pela 108ª Sessão, aos 21 de junho de 2019 —, que, consoante dispõe em seu texto, deve ser citada como a Convenção sobre a Violência e o Assédio; ou, como bem assentado na moção por sua ratificação, aprovada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e entregue ao presidente Bolsonaro, aos 6 de abril corrente, por seu presidente, ministro Emmanoel Pereira: “CONVENÇÃO Nº 190 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, QUE DISPÕE SOBRE A ELIMINAÇÃO DA VIOLÊNCIA E DO ASSÉDIO NO MUNDO DO TRABALHO”.

Por sua relevância social, judiciosidade e pertinência, vale a pena transcrever a integra da “justificativa” da referida moção:

Ainda hoje, em pleno Século 21, as mulheres brasileiras, especialmente as das minorias, negras e pardas, sofrem com a violência e o assédio no ambiente de trabalho, questão que se faz cada vez mais evidente no acervo de causas submetidas ao exame da Justiça do Trabalho.

Atenta ao cenário mundial em torno dessa situação, a Organização Internacional do Trabalho editou, em 21 de junho de 2019, a Convenção 190, no intuito de coibir tais práticas, sob a perspectiva de gênero, definindo-as como comportamentos inaceitáveis, cujo único objetivo é ‘provocar danos físicos, psicológicos, sexuais e econômicos.

Trata-se do primeiro tratado internacional sobre violência e assédio no mundo do trabalho e entrou em vigência internacional em junho de 2021.

Até agora apenas 6 (seis) países implementaram a vigência dessa Convenção no âmbito interno. Lamentavelmente, o Brasil não faz parte deste rol, pois sequer a ratificou. Argentina, Equador, Uruguai, Fiji, Namíbia e Somália saem na frente no compromisso internacional de combater a violência e o assédio no ambiente de trabalho.

 Contudo, o machismo estrutural ainda muito presente na nossa cultura e a condição de subserviência e vulnerabilidade das vítimas desse tipo de agressão tornam indispensáveis a defesa e a imediata adoção de medidas internas no combate a essa desigualdade, em todos os níveis.

Com o pensamento voltado a essa realidade, o TST assume posição favorável quanto à urgência da ratificação da Convenção 190 da OIT pelo Brasil, como norma capaz de reforçar o arcabouço jurídico nacional, em matéria pouco regulamentada no país”.

Apesar de violência e assédio nas relações de trabalho acharem-se presentes em mais de uma centena de países, pelo mundo afora, ao se cotejar a realçada Convenção 190 com o  teratológico cenário brasileiro, tem-se a nítida sensação de que a OIT mirou-se nele, ao menos como alvo principal a ser combatido, sem mais delonga.

Para além de ser o nono país mais desigual de todos os 192 filiados à ONU, com índice Gini 0,543 (em 2015 era 0,523, lembrando que, quanto mais próximo de zero for o índice Gini, menor é a desigualdade), segundo relatório do Banco Mundial, divulgado em julho de 2021, com dados de 2019, o Brasil, ainda carrega a triste de marca de multiplicar a desigualdade de gênero dentro o sua universo de desigualdade extrema, como revelam todos os indicadores aferidos pelo IBGE, em especial pela Pnad contínua, divulgados pelo Portal G1 aos 8 de março de 2022.

Eis alguns desses desoladores indicadores:

I          no quarto trimestre de 2021, o quadro dos/as desocupados/as atestava que 45,5% eram homens e 54,5%, mulheres;

II         em um ano, a renda média do trabalho sofreu redução de 10,7%, atingindo, no quarto trimestre de 2021, o menor valor da série histórica, iniciada em 2012: R$ 2.447; a renda das mulheres caiu 11,125% e a dos homens, 10,42%;

III       ainda no quarto trimestre de 2021, a renda média das mulheres ficou 20,3% abaixo da auferida pelos homens, chegando a 38% em cargos gerenciais;

IV       a quantidade de horas trabalhadas por semana foi 37,3 pelas mulheres e 41,9 pelos homens;

V         dos 12 milhões de desempregados, 6,5 milhões são mulheres; a taxa de desocupação entre os homens alcançou 9% e, entre as mulheres, 13,9%; entre as mulheres sem ocupação, 58,% são negras e 39%, brancas;

V         segundo o TST, entre 2019 e 2021, apesar das restrições às reclamações judiciais impostas pela Lei N. 13.467/2017, visando a perpetuar as lesões aos direitos fundamentais sociais, e que foram prontamente acolhidas pela Justiça do Trabalho, foram ajuizadas, em âmbito nacional, 3.409 reclamações por assédio sexual e 52.936, por assédio moral.

Esses números, que parecem reafirmar a fúnebre mensagem encontrada por Dante à porta do inferno (Canto III da Divina Comédia) — “Deixai toda esperança, vós que entrais” —, não decorrem de anomia (falta de norma), posto que dispositivos constitucionais, legais e jurisprudenciais que coíbem e incriminam a prática que os produz há à suficiência, com destaque para:

I           homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição (Art. 5º, I, da CF);

 II        a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais (Art. 5º, XLI, da CF);

III        a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da Lei (Art. 5º, XLII, da CF);

IV        proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (Art. 7º, XXX, da CF);

V         a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo (Art. 5º da CLT);

VII       sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade (Art. 461 da CLT).

Essa prática danosa, repugnante e atentatória aos fundamentos, princípios e garantias constitucionais e legais, que é multissecular, tem base cultural, social, política, econômica e, em considerável medida, jurisprudencial, porquanto o Poder Judiciário, desde sua composição, se não lhe tece loas, ao fim e ao cabo, tolera-a, não obstante uma outra decisão de largo alcance social tenha por escopo desincentivá-la.

Ante essas desoladoras razões, que afrontam às escâncaras os fundamentos da ordem democrática, a comentada Convenção 190 traz consigo o símbolo do alento do cerrado combate, em âmbito mundial, a essas chagas que desumanizam as sociedades que as toleram e praticam à larga, como o é a brasileira, tornando sua ratificação pelo Brasil urgente e inadiável, como bem registra a citada moção do TST.

Sua ratificação, por si só, não será bastante para que se mude esse estado de coisas inconstitucional — expressão que se originou na Colômbia e, há algum tempo, povoa várias decisões do STF —, mas, de plano, demonstrará reconhecimento pelo Brasil de sua existência e da imperiosa necessidade de o combater, com o apoio e a mobilização da sociedade e dos três poderes da República.

Com a finalidade de dar início ao imprescindível debate sobre o alcance e a dimensão dessa Convenção e da Recomendação N. 206, de 2021, também da OIT, que a complementa e atualiza, bem como sobre os meios e modos de fazer ecoar seus objetivos, o Coletivo Jurídico da Contee convida todas as federações e sindicatos a ela filiados, para reunião, por meio remoto, que, se espera, tenha adesão nacional, às 19h do próximo dia 25 — data em que os portugueses comemorarão o 48° aniversário da Revolução dos Cravos, que pôs abaixo o fascismo salazarista que os infernizava há quase meio século.

Leia o inteiro teor da Convenção 190 da OIT

Leia o inteiro teor da Recomendação 206 da OIT

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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