Coordenador-geral cobra que ministro da Educação ouça a Contee

Em seminário sobre “Estratégias para promover um ambiente escolar seguro”, Gilson Reis apontou que professores e técnicos administrativos são parte da solução, mas que, para isso, é preciso enfrentar também a epidemia da violência trabalhista

Reprodução: YouTube

“Há dez meses tentamos fazer uma reunião com o ministro [Camilo Santana, da Educação], para discutir, sob nossa perspectiva, aquilo que compreendemos e vivenciamos em nosso cotidiano, e até hoje não tivemos oportunidade”, cobrou, publicamente, o coordenador-geral da Contee, Gilson Reis, na tarde desta quarta-feira (8), durante o seminário “Estratégias para promover um ambiente escolar seguro — Políticas educacionais eficientes e o papel da comunidade escolar”, realizado pela Câmara dos Deputados.

A cobrança pública foi reforçada pela afirmação de que, nos desafios diante da violência, a escuta de professores e auxiliares de administração escolar é fundamental. “A Contee é parte da solução, não do problema. Portanto, queremos ser escutados.”

Gilson fez parte da segunda sessão do seminário, que tratou de “Abordagens estratégicas para políticas públicas com foco na comunidade escolar”. Em sua fala, o coordenador-geral da Contee reiterou as três dimensões da violência — à escola, na escola e da escola — e como não se pode subtrair dessa análise a violência na sociedade.

“A escola não é uma ilha. Ela reproduz o que está presente em seu entorno e na sociedade”, observou. Isso inclui o racismo, o machismo, a homofobia e diversas mazelas agravadas, nos últimos ambos, pelos discursos de ódio, pela cultura armamentista, pelas mídias digitais e pela tentativa de criminalização da própria educação. “Setores neofascistas colocaram a escola no centro do alvo de suas ações.”

Gilson acrescentou que, “quando falamos de escuta, trazemos, na nossa avaliação, um tema central: não existe processo educacional sem ter uma radicalização da democracia”. “Aprender é dolorido, é contraditório”, declarou. “Na medida em que a escola não preserva o aprofundamento da democracia, o ódio e a violência vão se acumulando. O espaço da escola, para além da formação propedêutica, é local de convivência humana.”

Questões trabalhistas

Na seara de atuação da Contee, o coordenador-geral destacou que a urgência de se debater os assuntos que dizem respeito às relações de trabalho na educação brasileira. “É uma relação cada vez mais precarizada, mais desumanizada, mais adoecida, não apenas para professores, mas também para trabalhadores da administração escolar”, denunciou.

“Temos hoje professores intermitentes, a maioria dos nossos trabalhadores técnicos são terceirizados…”, apontou. “Essa é uma forma de violência que virou uma epidemia na educação brasileira.”

O tema também foi abordado pela pedagoga Mariana Breim, diretora de Políticas Públicas do Instituto Península, organização que atua na área de educação. A especialista falou, por exemplo, de como a proliferação da educação a distância no ensino superior e a precarização dos cursos de licenciatura nessa modalidade têm atraído para a docência estudantes mais vulneráveis. Pessoas que, quando não evadem, não conseguem realizar o estágio-docência e relatam não ter acesso, na faculdade, à formação necessária.

Além disso, ela também ressaltou a sobrecarga dos docentes , que muitas vezes lecionam em duas ou até três estabelecimentos de ensino ao mesmo tempo. Segundo ela, 61% dos professores trabalham com mais de 200 alunos e muitos cumprem mais de 60 horas de trabalho semanal. “Como queremos que os professores percebam os sinais? Precisamos agregar a essa conversa um olhar muito cuidadoso para os professores. Como a gente quer trabalhar pertencimento se nem o professor pertence àquela escola?”, provocou.

“Não queremos professores heróis, queremos professores que possam fazer seu trabalho da maneira mais adequada”, defendeu. Para isso, parte da solução para o enfrentamento à violência passa, na defesa da pedagoga, por:

– formação inicial integral e robusta, com foco na reflexão sobre a prática a partir de situações reais de ensino;

– salários justos e carga horária de no máximo 40 horas semanais; e

– dedicação exclusiva a uma única unidade escolar, com garantia de cumprimento de 1/3 da jornada em situações preferencialmente coletivas de planejamento e formação.

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Segurança pública

O seminário contou com a participação de dois representantes do governo federal. Na primeira sessão, que traçou um “Panorama nacional e internacional da violência nas escolas”, falou o coordenador do Laboratório de Operações Cibernéticas da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Alesandro Gonçalves Barreto.

“Como representante do Ministério da Justiça, vou ser bastante sincero em dois pontos. O ministério tem liberado diversos recursos para prevenção, reforço policial e vários projetos. Alguns milhões de reais foram destinados a projetos, tanto estaduais quanto municipais. Nossa função no ministério é coordenada com o laboratório de operações cibernéticas, embora eu considere essa parte menos importante. Para mim, o problema mais significativo é na área escolar”, enfatizou Barreto.

“A prevenção é crucial, e nas últimas ações, como apreensões, mais de 400 pessoas foram detidas com a ajuda dos estados. Buscas e apreensões, principalmente em operações semanais, como a realizada hoje pela polícia do Rio de Janeiro chamada ‘Server out’, com a colaboração de quatro estados, resultaram na prisão de pessoas que estavam promovendo e planejando ataques em ambientes escolares. Afirmo para vocês que tragédias foram evitadas. A equipe está desempenhando um bom trabalho, e as plataformas estão cooperativas”, assegurou.

“Várias pessoas são presas e apreendidas, dando sinais de envolvimento em atividades criminosas, e é importante ressaltar que o criminoso não pode ganhar notoriedade, nem criar recursos para atrair pessoas para seus grupos criminosos. Os criminosos devem ser presos e responsabilizados, sem oportunidade de se promoverem em redes sociais.”

12 ações emergenciais

Já na segunda sessão, falou pelo governo o coordenador-geral de Políticas Educacionais para a Juventude da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), representando o Ministério da Educação, Yann Evanovick, que também esteve à frente do GT de enfrentamento à violência do qual participou a Contee.

“Essa pauta não é nova, já que o Brasil foi o último país a abolir a escravidão. A violência está inserida em um processo histórico, mas esse tipo de violência, que pode causar danos irreversíveis, tem ganhado destaque nos últimos meses”, ponderou.

Nós, no âmbito da educação, estamos nos dedicando ao máximo para elaborar ações que previnam esse tipo de crime. Foram encomendados três relatórios: o do Fórum Nacional de Segurança, um relatório da Unesco referente ao primeiro seminário nacional, e o programa de acompanhamento e monitoramento, que foi aprovado na Casa e sancionado pelo presidente Lula.”

Em sua exposição, Evanovick também enumerou as 13 ações emergenciais que devem ser promovidas pelo Estado brasileiro para prevenir os ataques às escolas, extraídas do relatório do GT:

1) desmembrar e enfrentar a formação e a atuação de subcomunidades de ódio e extremismo, inclusive com ações de apoio aos jovens que são cooptados por esses grupos;
2) promover a cultura de paz; implementar um controle rigoroso sobre a venda, o porte e o uso de armas de fogo e munições; e desenvolver ações para monitorar clubes de tiros e similares, inclusive proibindo o acesso de crianças e adolescentes a armas e a tais espaços;
3) responsabilizar as plataformas digitais sobre a circulação de conteúdo extremista e ilegal;
4) responsabilizar as pessoas que compartilham vídeos de ataques e informações sobre os autores;
5) atualizar as leis sobre crimes de ódio (Lei nº 7.716/1989) e bullying (13.185/2015);
6) regulamentar e implementar o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas – SNAVE (Lei 14.643/2023) e a Lei 14.644/2023, sobre a instituição de Conselhos Escolares e de Fóruns de Conselhos Escolares;
7) melhorar a convivência e o ambiente de acolhimento nas instituições educacionais brasileiras, inclusive garantindo boa infraestrutura física e um espaço de interrelações dialógicas e inclusivas, com ênfase na gestão democrática, na promoção da convivência democrática e cidadã, e na resolução pacífica de conflitos;
8) garantir que as escolas possam funcionar a partir das determinações constitucionais e legais, com profissionais da educação valorizados, com adequadas formações inicial e continuada (inclusive sobre o tema em questão), e boas condições de trabalho;
9) promover políticas de saúde mental nas escolas, aumentando os investimentos na expansão e no fortalecimento da rede de atenção psicossocial, promovendo a saúde mental dos estudantes e dos profissionais da educação;
10) expandir espaços comunitários destinados ao lazer, à socialização, aos esportes e à cultura;
11) elaborar diretrizes, orientações e protocolos adequados à realidade brasileira para atuação após os ataques;
12) acordar com os veículos de comunicação e plataformas digitais protocolos sobre a cobertura dos casos de violências nas escolas e contra as escolas, evitando o estímulo a novos ataques, por meio do efeito contágio ou efeito de onda; e
13) ampliar e aperfeiçoar o setor de inteligência sobre os crimes de ódio, além de estabelecer ações federativas articuladas sobre o tema dos ataques às escolas.

Assista à fala de Gilson Reis seminário:

Veja o vídeo do seminário na íntegra

Táscia Souza, com colaboração de Vitoria Carvalho

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