Em nome de José Martí e Fidel, vos apresento: Baliños, Julio Mella e Cienfuegos…
O curso de didática organizado pelo CES (Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho) em parceria com a CTC (Central dos Trabalhadores de Cuba), na Escola Superior Ñico Lopes/Havana, foi um momento de descoberta, de aprofundamento, de reconhecimento e de afinidades no que se refere à síntese didática e história das teorias e influências da pedagogia participativa de José Martí e a Pedagogia Histórico Crítica de Dermeval Saviani. Ambas as teorias da educação, uma desenvolvida em Cuba e a outra no Brasil, possibilitaram aos estudantes e dirigentes sindicais brasileiros ali presentes um encontro com a experiência cubana e a real filosofia do Materialismo Histórico Dialético que, de certa forma, sustenta os dois modelos pedagógicos. Com tal curso, foi dada a oportunidade a esses dirigentes sindicais e educadores de observar – de perto – os resultados da pedagogia que se construiu durante décadas na pátria de homens livres do capitalismo, na Cuba socialista. É sobre essa experiência que exponho a seguir.
Muito me chamou a atenção o lugar que ocupa naquela realidade a educação do povo cubano, com a sua simplicidade, manifestada também na forma de lidar com as pessoas… Percebe-se, sensivelmente, o carinho dos cubanos para com os brasileiros, a valorização do nosso futebol e da novela, do samba com o qual tanto se identificam… Entre outros grandes cantores, mesmo nesses momentos de músicas com apetrechos virtuais, destaque-se Roberto Carlos, que é carinhosamente lembrado pelo povo que constrói o socialismo no Caribe.
Até o primeiro dia em Cuba eu só conhecia a história deste país por relatos sobre José Martí e Fidel Castro; até então, o pouco que sabia era de apenas ouvir falar de alguns outros personagens como Guevara, Raúl Castro, Vilma Spin e artistas na música e cinema. Porém, desconhecia importantes personagens de sua história antes de Fidel e contemporâneos de José Martí. Para mim, o encantamento da história de Cuba fez com que me reencontrasse ao descobrir outros importantes líderes no processo revolucionário cubano: Carlos Baliños, Julio Antonio Mella e Camilo Cienfuegos. Estes personagens desempenharam fundamental papel histórico ao fazerem a transição de resistência e sonhos de uma geração que culminou na revolução comandada pelos irmãos Castro e Che Guevara.
Sabemos que a pedagogia participativa cubana se desenvolveu não sem limites e com uma forma peculiar de sobreviver aos desafios e à dureza do processo revolucionário, incluindo os tempos funestos, que sofridos pelo povo cubano enfrentou corajosamente o bloqueio econômico e o isolamento dos países capitalistas, estes impostos – sobretudo – pelos EUA.
A novidade da pedagogia cubana perdura, pois, na sua experiência revolucionária e firmeza ideológica, no jeito irreverente de ser dos cubanos, na capacidade de encontrar alegria nas dificuldades, a ponto de se tornar, hoje, uma grande fábrica de cultura (sem chaminés!), alimentada com os valores próprios vinculados ao presente, assim como na sua memória e na projeção do futuro socialista.
As mais variadas vertentes de sua cultura se expressam de forma vigorosa também na política, na música, no cinema e nas artes plásticas, em especial, nos grafites periféricos que se encontram em Havana. A história de Cuba, com seus personagens e suas fases políticas, com seus ciclos de perdas e conquistas, foi o que mais me chamou a atenção. Fundamentalmente, centrei-me nas figuras de Baliños, Mella e Cienfuegos entre os ensinamentos dos professores sobre o papel destes, mas também, nas conversas com populares nas ruas e locais extras de nossa estadia em Cuba. A história é construída por homens e mulheres. Estar atento a esse fator “personagem” de um percurso histórico, me facilitou a compreensão do que é fundamental para a transformação dos acontecimentos passados e sua influência na disputa de poder no presente. Assim não foi diferente com esses personagens que aqui os apresento.
Em primeiro lugar, quero apresentar a Carlos Benigno Baliños. Temos nesse personagem cubano um militante incansável que teve a missão de transgredir poderes em tempos difíceis para a classe popular e transcendeu gerações na história de José Martí a Julio Mella. Homem de fundamentação marxista e ativista da luta do proletariado e do povo cubano, nasceu em 13 de fevereiro de1848, no pleno ano da Comuna de París, em Guanay – antigo município de Pina Del Rio, em Cuba. Foi arquiteto e, em 1868, ingressou na academia de pintura San Alejandro. Foi também operário da fábrica de charutos. Escreveu poesias e chegou a contribuir com vários periódicos políticos e culturais, quando ainda atuava com outros dirigentes dos Grêmios Operários em Cuba. Como parceiro de José Martí, ajudou a fundar o partido revolucionário. Escreveu o primeiro artigo sobre a revolução de 1905 na Rússia pelo jornal do Partido Operário Socialista que, depois, transformou-se no Partido Socialista Cubano. Em 1922 conhece o jovem Julio Mella, com quem funda, em 1925, o Partido Comunista Cubano. Faleceu em 1926 por morte natural e foi enterrado como indigente por ser comunista. Assim como ele, comunistas eram perseguidos no período da ditadura de Fulgencio Batista. Somente após a revolução nos anos 60 é que Baliños foi reconhecido como herói cubano. Sua historiografia o destaca, muito além de ser um mero ator político, como um revolucionário digno de ser comparado a José Martí e Fidel.
Legenda: Fidel Castro e Camilo Cienfuegos, líderes da Revolução Cubana
Como segundo grande personagem da história cubana, destaco a Júlio Mella, que nasceu em Havana-Cuba em 25 de Março de 1903. Aos 14 anos serve o exército de New Orleans e volta a Cuba; estuda Direito e Filosofia na Universidade de Havana, onde se torna líder estudantil e atleta. Fundou a Revista Alma Mater em 1922. Conhecedor das idéias marxistas, fundou a federação estudantil universitária e ajudou a criar a Universidade Popular José Martí. Com Carlos Baliños funda, em 1925, o Partido Comunista Cubano. Por essa razão, é expulso da Universidade de Havana e exilado no México. Nesse período, porém, seus contatos com organizações trotskistas não o fazem um defensor de Trotski; pelo contrário: se tornará um crítico dele. Sua morte, no México, foi muito misteriosa, sendo narrada com fatos e versões contraditórias. Depois de muitos anos é que suas cinzas foram devolvidas à sua terra (Havana).
Camilo Cienfuegos Gorriarán: conhecido popularmente como “O senhor da vanguarda”, nasceu, em 6 de Fevereiro de 1932, na comunidade de Víbora, em Havana. Ingressou no anexo da Escola de Arte de San Alejandro em Outubro de 1949. Seu primeiro trabalho foi como trabalhador de limpeza em uma loja onde também ajudava o seu pai, que era alfaiate. Em 5 de Abril de 1953 foi morar nos EUA, onde foi camareiro, pintor e alfaiate. Com os imigrantes caribenhos, participou de várias manifestações e escreveu ao jornal periódico La voz de Cuba artigos críticos sobre Cuba e seu ditador Fulgencio Batista. Em 1955 é preso em San Francisco e deportado ao México. Ali teve contato com outros cubanos resistentes e soube da luta de Fidel em Cuba. Após seu julgamento, foi enviado de volta a Cuba, onde casou-se com Isabel Blandón e se envolveu ainda mais com os movimentos revolucionários, nos quais seu pai e irmão participavam e foram dirigentes. Após um ato em homenagem a José Martí é ferido, preso, fichado e, novamente, remetido aos EUA. De lá, entra no Movimento 26 de Julho comandado por Fidel Castro e, em 1956, desde o México, integra a expedição do Granma, iate que levou o grupo de Fidel a Cuba. Chegando a Sierra Maestra em 2 de dezembro de 1956, incorpora-se à coluna do Comandante Che Guevara como chefe de Vanguarda (daí, seu pseudônimo). Entre tantos combates, o mais destacado dessa história foi a tomada do trem blindado onde a coluna de Camilo – junto com o comando de Che – não precisou dar sequer um tiro. Registra-se que esse trem levava um acervo de armas bélicas e, tal emboscada, teria feito o comando de Fulgencio desistir do combate. A vida de Camilo foi curta. O avião em que estava, em um dos combates durante a ação dos rebeldes, desapareceu e até hoje não se encontrou os restos mortais de Camilo e dos outros que vinham de uma missão dada por Fidel.
Dos heróis cubanos acima citados, os dois primeiros inspiraram a jovens como Fidel e seus seguidores revolucionários; o terceiro, destacado revolucionário e comandante ao lado de Fidel e Che Guevara. Foi nos exemplos aguerridos de Martí, Baliños e Mella que se fortaleceram as convicções daqueles que transformaram Cuba nos sonhos que Raul, Spin e Camilo levaram à prática.
No curso vimos o destaque que estas figuras e outras da história do povo cubano receberam no processo de construção de seu projeto educacional. Esses heróis das lutas populares tornaram-se conteúdo do currículo escolar. Em todo o percurso educativo cubano, mostra-se a atualidade das idéias que defendem, sendo estas materializadas na prática histórica desses personagens. Do saber se constrói a nação, da biografia dos que sonharam um mundo livre, a Cuba socialista.
Fiz questão de ater-me a estas figuras devido à sua importância nos conteúdos do curso. Nele, percebi a síntese do povo cubano, o qual não se entende sem tal “fortaleza ideológica”, como afirmou, veementemente, a reitora da Escola Superior Ñico Lopes Rosário Pentón Dias. E essa fortaleza não se construiu somente por sonhos, mas pelas biografias de pessoas determinadas como José Martí, Baliños, Mella, Camilo, Che, Raul, Fidel e tantos outros homens, assim como mulheres da estatura combativa de Vilma Spin e Célia Sánchez.
Aqui, pois, sistematizo, de forma breve, o perfil desses personagens que Cuba didaticamente reverencia e, pelos quais, continua resistindo. Uma pátria livre era o rumo, a igualdade social a meta e a participação do povo o método. Assim, o socialismo tornou-se o conteúdo dos sonhos para o rumo de um povo lutador e livre, levando consigo os valores do respeito, da equidade e da responsabilidade para com o futuro. O repartir o que se tem e entender os limites em beneficio do coletivo, são elementos que nos fizeram refletir de forma panorâmica o que é a didática cubana. O processo do saber – e do saber fazer – tem seus altos e baixos, suas idas e vindas… Cada etapa dessa construção tem sua característica própria e a história do povo cubano não foge à regra.
A Revolução Cubana não só representa o sentimento de uma geração no mundo, mas também os sonhos de um novo mundo que nos provoque a pensar o cotidiano de outra forma. Não nos convencem as decepções românticas da esquerda sobre o país socialista. Esta merece entender melhor os traços e as tomadas de posições táticas na conjuntura política da história de Cuba. Esta nos dá um exemplo de firmeza, perseverança e praticidade de um estado a serviço do bem comum – como condutor do processo da formação socialista – que coletiviza as condições de viver em uma Ilha que respira e inspira os sonhos de revolucionários no mundo.
Jocelin de Lima Bezerra
Professor da rede Municipal de Parnamirim/RN e autor do Livro Anomia do professor
Foto: Site Cubadebate