Excluir educação das prioridades vai agravar demanda reprimida, alertam especialistas

A ausência das pautas de educação na lista de prioridades apresentada nesta semana pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) para 2020, associada à asfixia orçamentária que marca atualmente o setor, tende a afetar as respostas dadas pelo Brasil à transição demográfica vivida pelo país. A observação é feita pelo coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, para quem o país caminha na contramão das demandas da área.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, entre julho de 2018 e julho de 2019, a população nacional cresceu 0,79%. O percentual é menor que o do período anterior, quando a taxa foi de 0,82%.  Pelas projeções do IBGE, a porcentagem deve continuar caindo até 2048, quando o contingente de brasileiros tende a iniciar um processo de redução, situação atribuída ao envelhecimento da população.

Quando o número de idosos se amplia, o esperado é que haja um aumento na quantidade de óbitos, por isso a taxa de crescimento populacional diminui. O fenômeno é típico do cenário chamado de transição demográfica.

“A gente, na verdade, já tem um numero de crianças que é deficitário em relação ao de adultos e idosos e, com relação a jovens e adolescentes, este é o ultimo momento demográfico em que a gente vai ter uma grande quantidade de jovens e adolescentes. Então, seria necessário aumentar os recursos na área de educação pra poder garantir qualidade e dar matrícula para todos”, afirma Daniel Cara, acrescentando que o cenário atual tende a inviabilizar o atendimento a essa demanda.

O cientista político pontua que o país ainda tem, fora da escola, cerca de 2,8 milhões de crianças e adolescentes com idade entre 4 e 17 anos, faixa etária de escolaridade obrigatória. A área de educação voltada ao segmento tende a ficar comprometida se, por exemplo, o Congresso Nacional não aprovar, até o final deste ano, o projeto que prevê a transformação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) em política pública.

O fundo, criado na década de 2000, tem previsão de término para este ano e financia os ensinos infantil, fundamental e médio. A demanda não entrou na lista de prioridades apresentada pelo governo ao Congresso Nacional na última segunda-feira (3).

“O governo é contrário. Como ele é comprometido com o projeto ultraliberal do Paulo Guedes, que, de fato, é quem dá a lógica do governo em termos programáticos e de políticas públicas, a realidade é que, para o governo, investir mais nas áreas sociais, especialmente em educação e saúde, é ruim porque isso significa maior comprometimento do Estado, o que diminui o que é destinado [do orçamento público] para os rentistas”, critica Daniel Cara.

Modelo sistêmico

A professora Catarina de Almeida Santos, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), sublinha que a formação estudantil se pauta num modelo sistêmico, motivo pelo qual o país precisa seguir o Plano Nacional de Educação (PNE), que impõe metas para cada nível de ensino.

Ela aponta que a carência orçamentária e a falta de prioridade para o segmento tendem a comprometer o escopo traçado para o setor, que tem metas como universalização do ensino e elevação da escolaridade média da população. A faixa etária apropriada para cada fase educacional também é observada pelo PNE.

“Se eu não cumprir a meta de educação infantil, não tenho como fazer com que os estudantes do ensino fundamental cheguem nessa fase e concluam na idade adequada, o que significa que eu vou impedir que isso aconteça no ensino médio e no acesso ao ensino superior. O Brasil nega o direito à educação das suas crianças, jovens e adolescentes e vai criando demanda reprimida, o que gera um problema no sistema de ensino”, explica.

Projeto de país

Para a professora, a ausência do Fundeb e das demais demandas educacionais na lista de prioridades do governo é um ponto de destaque no projeto ideológico do governo Bolsonaro e de seus aliados.

“Não é um acidente de percurso. Existe um projeto em curso neste país, que é de negação de direitos, mas também de negação do conhecimento, e isso é a negação da formação do sujeito. Aí, quando se sinaliza para que se exista escola, é uma escola completamente destituída de sentido”, critica, mencionando os casos de censura a livros e conteúdos no país.

A prática se relaciona, por exemplo, com pautas como a do Escola sem Partido, proposta que tramita na Câmara dos Deputados e é defendida pela gestão Bolsonaro e segmentos próximos, entre eles a bancada evangélica.

A coordenadora da Frente Parlamentar Mista do Livro, da Leitura e da Escrita, deputada Fernanda Melchiona (Psol-RS), explica que essas medidas representam “um projeto político para manter as coisas como estão e dificultar o próprio exercício da democracia e as oportunidades para as pessoas”. “Eles têm um projeto de aniquilação da produção científica e cultural, é um governo anticiência. Eles têm a permanente tentativa de anulação do pensamento crítico, por isso tentam impor a censura nas artes, na literatura”, avalia.

Brasil de Fato

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